29 Agosto 2014

A última vez que Rania (nome fictício) falou com o seu amigo Mohamed Bachir Arab, foi a 1 de novembro 2011. Enquanto médico e empenhado ativista politico, Mohamed vivia escondido há seis meses, tentando escapar aos tentáculos sempre presentes dos serviços secretos sírios, que de forma rotineira prendem ativistas pacíficos como ele. 

 
No dia seguinte, os seus piores receios concretizaram-se. Um rodapé no serviço noticioso nessa noite anunciava que tinha sido preso. Nenhum dos familiares sabia que tinha sido levado. 
 
Mohamed era um homem marcado. Tinha sido um líder estudantil na sua universidade em Alepo, no noroeste da Síria. Ao longo dos anos, organizou vários protestos contra as políticas do governo, que lhe trouxeram problemas com as autoridades. Entre 2004 e 2005 esteve detido durante vários meses antes de ter sido libertado. 
 
Mas desta vez, os familiares e amigos receavam que fosse diferente. Desde o início da crise na Síria, em março de 2011, o número de indivíduos detidos em segredo pelo estado – e sujeito a desaparecimento forçado – entrou numa espiral fora de controlo. 
 
“A estratégia das autoridades sírias para lidar com a oposição é brutal: falar contra o governo uma vez é suficiente para se ir preso; se o fizer de novo, eles simplesmente fazem-no desaparecer,” diz Philip Luther, diretor para o Médio Oriente e Norte de África na Amnistia Internacional. 
 
Muitos dos que tiveram a sorte de ser libertados, depois de meses, e em alguns casos, anos em detenção, carregam as marcas do tratamento brutal a que foram sujeitos. 
  
A maioria fala da passagem por vários dos centros de detenção que compõem o labirinto escuro de abusos, controlado pelas forças de segurança e serviços secretos sírios. 
 
“Quando alguém é detido e preso em segredo é provável que venha a ser torturado para lhe extraír informação ou como forma de punição. O doentio registo da Síria significa que existe um elevado risco de tais abusos resultarem em graves danos para a saúde da pessoa desaparecida ou mesmo na sua morte,” afirma Philip Luther. 
 
Para os que ficam para trás, a dor de não saber, é intolerável. 
 
Assim que a família de Mohamed soube da sua prisão, começou a tentar perceber onde o mantinham. 
 
Inicialmente não havia informações. Mas depois de algum tempo começaram a chegar notícias. Vários homens libertados de alguns dos centros de detenção mais infames do país deram-lhes pistas de que o teriam visto em vários locais. 
 
Pouco depois da sua prisão, Mohamed tinha sido visto nas instalações dos serviços secretos da Força Aérea, em Alepo e mais tarde no hospital na mesma cidade. Segundo relatos, um homem disse que Mohamed tinha vários golpes na cabeça em resultado de ter sido torturado ou maltratado de outra forma.   
 
A Amnistia Internacional falou com várias pessoas que estiveram presas naquele centro de detenção. Uma delas, que agora vive fora da Síria e pediu que o seu nome não fosse revelado, disse que a vida no centro era tão má que frequentemente desejou estar morto. 
 
Descreveu como frequentemente os detidos eram severamente espancados, mantidos em celas sobrelotadas, e que a falta de água potável forçava-os a beber água da sanita. A extrema falta de higiene causava surtos de diarreia e de outras doenças infeciosas, que contribuíram para a morte de vários detidos. 
 
De acordo com outros detidos libertados, Mohamed foi visto em outros centros de detenção, incluindo no ramo de al-Ameerya dos serviços secretos das Força Aérea em Damasco e no Ramo de Qaboun dos serviços secretos militares.   
 
Mas as notícias sobre o seu paradeiro têm sido escassas. No início deste ano, outro homem disse que tinha visto Mohamed na Prisão militar de Saydnaya, onde poderá ter sido levado perante um Tribunal Militar de Campo – mas o seu destino permanece desconhecido. 
  
“O facto de quase três anos depois de Mohamed ter sido levado sob custódia ninguém saber onde está, é um retrato escandaloso de como funciona a rede secreta dos centros de detenção das autoridades sírias. As brutais forças de segurança mantêm os detidos em segredo e movem-nos de lugar em lugar por todo o país sem pensarem no desespero a que sujeitam as suas famílias,” lembra Philip Luther. 
 
Mohamed é um dos ativistas pacíficos, advogados, jornalistas e trabalhadores humanitários encarados como sendo opositores das políticas das autoridades sírias, que têm sido detidos em segredo pelas forças de segurança. Muitos deles continuam desaparecidos. 
 
Alguns dos desaparecidos são: Ali Mahmoud Othman, um cidadão jornalista, preso em Homs em março de 2012; Juwan Abd Rahman Khaled, um ativista curdo, detido em Damasco em setembro de 2012; Khalil Ma’touq, um advogado de direitos humanos, visto pela última vez num posto de controlo perto de Damasco em outubro de 2012; e Nasser Saber Bondek, um poeta e ativista humanitário, levado da sua casa em Damasco em fevereiro de 2014. 
 
A lista continua. Estes homens são os fantasmas da guerra síria.   
 
Falando a partir da sua nova casa fora da Síria, Rania continua a procurar o Mohamed: “Em oito meses não tive qualquer notícia significativa do Mohamed, mas vamos continuar a procura-lo. É uma pessoa complemente pacífica por isso não sei porque é que está preso. As coisas têm que mudar na Síria.”
 
 
 

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