10 Dezembro 2021

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Amnistia Internacional – Portugal indica que o ano de 2021 – marcado pela continuidade da crise pandémica, pela retoma de poder dos talibãs no Afeganistão, pelos efeitos das alterações climáticas e pela predominância dos fluxos migratórios para a Europa – trouxe uma certeza: de que a solidariedade entre Estados e a partilha de conhecimento científico poderiam ter poupado muitas vidas.

Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, a organização internacional debruça-se sobre as problemáticas que permanecem e sobre as soluções para o que ainda falta fazer.

A COVID-19 manteve-se presente por todo o mundo e, apesar dos constantes apelos para a partilha da tecnologia e propriedade intelectual das vacinas, que permitiriam a outros Estados proteger a sua população, a monopolização do fornecimento das mesmas perdura. Este problema tem agravado a discrepância da vacinação nos países ricos e nos países pobres, com menos de 1% das pessoas totalmente vacinadas nos países de baixos rendimentos, em comparação com os 55% nos países ricos.

“A vacinação é a única forma para conseguirmos vencer a pandemia e tem de chegar a todas as pessoas, independentemente de onde vivam. O bloqueio intencional das grandes farmacêuticas e dos Estados à transferência de conhecimento e tecnologia tem tido um severo impacto nos direitos humanos, gerando uma escassez de vacinas nos países mais pobres, contribuindo para uma maior taxa de mortalidade e para o desenvolvimento de novas variantes do vírus, como a recente Ómicron” relembra Pedro A. Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal.

“O bloqueio intencional das grandes farmacêuticas e dos Estados à transferência de conhecimento e tecnologia tem tido um severo impacto nos direitos humanos, gerando uma escassez de vacinas nos países mais pobres, contribuindo para uma maior taxa de mortalidade e para o desenvolvimento de novas variantes do vírus”

Pedro A. Neto

As populações mais pobres do planeta, não só têm sofrido pela escassez de vacinas, como pelo impacto das alterações climáticas. Em Madagáscar, a crise climática global intensificou uma seca devastadora no sul do país, onde 91% da população vive abaixo do limiar da pobreza e 1 milhão de pessoas passa fome. Quem ali habita, vê seus direitos à vida, à saúde, à alimentação e à água serem violados diariamente. “As alterações climáticas afetam desproporcionadamente os países em desenvolvimento e as suas populações mais vulneráveis. A maior parte das vezes, aqueles que menos contribuíram para as alterações climáticas provocadas pela atividade humana, são quem sofre mais os seus impactos. Necessitamos de compensar esta injustiça e de cuidar de um planeta saudável onde os direitos económicos e sociais que dependem da sustentabilidade da Terra sejam garantidos”, diz Pedro A. Neto.

“A maior parte das vezes, aqueles que menos contribuíram para as alterações climáticas provocadas pela atividade humana, são quem sofre mais os seus impactos”

Pedro A. Neto

Por outro lado, os fluxos migratórios forçados para a Europa, e para tantos outros pontos do mundo, foram também uma realidade de 2021. As milhares de pessoas que fogem de conflitos bélicos, de Estados incapazes de proteger os seus cidadãos, dos efeitos devastadores das alterações climáticas, de perseguições ou situações de pobreza extrema, e que por isso se viram obrigadas a arriscar a sua vida na travessia do Mediterrâneo ou da região báltica em busca da “segurança” europeia, encontram uma realidade pautada pelos discursos securitários que retratam os migrantes como uma ameaça, pela violência policial e pelos jogos políticos de alguns líderes. Um dos casos mais documentados em 2021 foi a manobra política de Alexander Lukashenko, presidente bielorrusso, que atraiu milhares de migrantes para o seu território, levando-os até as suas fronteiras ocidentais para pressionar a Polónia, a Lituânia e a Letónia. “A solidariedade tem tardado para todas aquelas pessoas que procuram segurança, dignidade, estabilidade”, relembra Pedro A. Neto. “São absolutamente indispensáveis lideranças mais humanas, capazes de trazer políticas e mecanismos que cumpram o direito internacional humanitário e que implementem rotas legais e seguras”.

Por sua vez, no Afeganistão, o regresso dos Talibãs ao poder tem erradicado continuadamente os avanços de direitos humanos dos últimos vinte anos, em particular, para as mulheres e raparigas. O país foi assolado por uma onda de violência extrema, com mortes e grande repressão de protestos, meios de comunicação e sociedade civil. A comunidade internacional falhou com o povo afegão, deixando muitas pessoas sem outra alternativa que não fossem sair do país à mercê de travessias irregulares. Alguns dos países da Europa e da Ásia Central sujeitaram ainda os afegãos a retornos ilegais e forçados, detenções e deportações, em vez de lhes concederem a devida proteção.

“Para os defensores de direitos humanos, jornalistas, ativistas, mulheres e tantos outros que permanecem no país, o Afeganistão é agora um sítio de pouca esperança, receio diário e onde não é possível sonhar”, relembra Pedro A. Neto.

“O Afeganistão é agora um sítio de pouca esperança, receio diário e onde não é possível sonhar”

Pedro A. Neto

No ano de 2021, o mundo continua a ser um lugar perigoso para os defensores e defensoras de direitos humanos e para todas as vozes dissidentes que habitam em território de governos opressores. Na China, a repressão à liberdade de expressão é severa e recorrente. De desaparecimentos forçados, a detenções e prisão, muitos são os riscos para quem ainda ousa denunciar o que o governo chinês quer esconder. Para Zhang Zhan, cidadã jornalista por quem a Amnistia Internacional está a apelar por liberdade, a luta pela verdade em tempos de COVID-19 poderá ser a sua sentença. Também em Hong Kong, a condenação do ativista Tong Ying-kit demonstrou que a lei de segurança nacional é um instrumento real de condenação a vozes dissidentes. Em muitos outros sítios, como a Bielorrússia, Rússia ou Tanzânia, os ataques à liberdade de expressão por parte de vários governos durante a pandemia, prejudicaram a capacidade das suas populações em acederem a informação precisa e oportuna que as ajudasse a lidar com a crescente crise de saúde global.

Ainda assim, apesar dos riscos que os defensores e defensoras de direitos humanos enfrentam, há também vitórias a celebrar. Na Arábia Saudita, Nassima Al-Sada foi libertada. Ainda que esteja impedida de viajar para fora do país durante cinco anos, é um motivo para celebrar a coragem, resiliência e liberdade desta figura proeminente na defesa dos direitos das mulheres no seu país. Também Germain Rukuki, cujo trabalho pacífico de direitos humanos no Burundi levou a uma condenação injusta a 32 anos de prisão, foi libertado. A sua família tinha fugido do país com receio da sua segurança e, finalmente, puderam reunir-se.

Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, relembramos que é imperativo estar atento, ser solidário e agir em todas estas frentes, para que em 2022 se possam celebram novas conquistas e não se deixe passar o momento em que é ainda possível mudar o rumo dos desafios que enfrentamos.

Artigos Relacionados