15 Dezembro 2020

As autoridades egípcias executaram pelo menos 57 pessoas, só entre os meses de outubro e novembro. O número representa quase o dobro do total de 2019, quando foram registadas 32 mortes, avança a Amnistia Internacional.

“Estas execuções são particularmente chocantes dadas as violações bem documentadas e sistemáticas do direito a um julgamento justo no Egito, com tribunais a basearem-se em ‘confissões’ manchadas por tortura”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacia para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

Este ataque ao direito à vida incluiu pelo menos 15 pessoas condenadas em casos relacionados com violência política, após julgamentos grosseiramente injustos manchados por “confissões” forçadas e outras graves violações de direitos humanos, como tortura e desaparecimentos forçados. O número total de execuções é provavelmente maior, já que as autoridades egípcias não divulgam estes dados.

“As autoridades egípcias iniciaram uma terrível onda de execuções nos últimos meses, matando dezenas de pessoas, em alguns casos no seguimento de julgamentos em massa grosseiramente injustos”, refere o diretor de Investigação e Advocacia para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Philip Luther.

“Estas execuções são particularmente chocantes dadas as violações bem documentadas e sistemáticas do direito a um julgamento justo no Egito, com tribunais a basearem-se em ‘confissões’ manchadas por tortura. As autoridades egípcias não só estão a atropelar o direito à vida, num desprezo terrível pelas suas obrigações sob a lei internacional, como estão também a punir os corajosos defensores dos direitos humanos da Egyptian Initiative for Personal Rights que documentam e se fazem ouvir sobre estas violações”, explica o mesmo responsável.

O número de prisioneiros no corredor da morte também é desconhecido. Antes das execuções, as famílias e os advogados não são notificados.

Organizações visadas

As autoridades egípcias reprimiram organizações de direitos humanos que trabalham sobre a pena de morte. Entre 15 e 19 de novembro, membros da Egyptian Initiative for Personal Rights foram detidos e interrogados sobre o seu trabalho, incluindo uma publicação de novembro referente ao aumento alarmante das execuções.

A onda de mortes seguiu-se a um incidente ocorrido no dia 23 de setembro, no Bloco 1 da prisão de segurança máxima de Tora, conhecida como al-Aqrab (escorpião). Quatro presos que estavam no corredor da morte e quatro membros das forças de segurança morreram. Fontes oficiais justificaram o episódio de violência com uma alegada tentativa de fuga por parte dos prisioneiros. No entanto, não foi realizada qualquer investigação independente e transparente.

A Amnistia Internacional falou com advogados e familiares de presos que foram executados ou que, atualmente, se encontram no corredor da morte. Além disso, analisou documentos legais relevantes, bem como relatórios de organização não-governamentais egípcias, artigos de meios de comunicação e ‘posts’ de Facebook de familiares de vítimas, bem como de pessoas que foram detidas e executadas.

Aumento nas execuções

Em outubro, as autoridades egípcias executaram 15 homens condenados por homicídio em casos relacionados com violência política. Em outubro e novembro, mais 38 homens e quatro mulheres foram mortos depois de terem sido condenados por homicídio em casos penais regulares e violação sexual.

“Apelamos às autoridades egípcias que comutem todas as penas capitais e que anulem as condenações e ordenem novos julgamentos justos sem recurso à pena de morte”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacia para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

Nos 15 primeiros casos está incluída a execução, a 3 de outubro, de dois homens que tinham sido condenados num julgamento em massa. A justiça egípcia concluiu que tinham estado envolvidos em violência política ocorrida no rescaldo da dispersão pelas autoridades do protesto sentado de Rabaa, em agosto de 2013.

A 4 de outubro, mais dez homens foram executados, após terem sido condenados à morte no âmbito do caso “Agnad Masr”, que envolveu violentos ataques contra agentes e propriedade pública. Os arguidos disseram a representantes da Procuradoria Suprema de Segurança do Estado que foram sujeitos a desaparecimento forçado e tortura, não tendo havido, contudo, investigação destas queixas. Antes da conclusão do julgamento, um dos homens mortos, Gamal Zaki, tinha aparecido numa “confissão” em vídeo emitida por vários órgãos de comunicação, prejudicando gravemente o seu direito a um julgamento justo, incluindo o direito a não se autoincriminar e o direito a presunção de inocência.

Três outros homens, que também foram executados no dia 4 de outubro, tinham sido condenados noutro caso de violência política no rescaldo da dispersão pelas autoridades do protesto sentado de Rabaa. O caso ficou conhecido como o “assalto à esquadra de polícia de Kerdasa”, tendo provocado a morte de 13 polícias. Em dezembro de 2014, o Tribunal Penal de Giza condenou 184 pessoas, sentenciando 183 à morte (34 à revelia) e um menor a dez anos de prisão. Duas pessoas foram absolvidas, enquanto outras duas já tinham falecido na altura do veredicto.

Numa repetição de um julgamento, o Tribunal Penal do Cairo condenou à morte 20 pessoas, 17 das quais permanecem no corredor da morte. Nove organizações egípcias de direitos humanos denunciaram o veredito, destacando graves violações do direito a um julgamento justo, que incluíram o acesso negados dos arguidos aos seus advogados durante a detenção e os interrogatórios, e “confissões” forçadas.

A Amnistia Internacional já tinha documentado preocupações sobre as violações de padrões de julgamento justo, especialmente a existência de falhas em demonstrar responsabilidade criminal individual. A tortura é generalizada no Egito e usada frequentemente para extrair “confissões”. Os tribunais falham em ordenar investigações as alegações e, inclusivamente, admitem como prova estas “confissões”.

Além dos 57 casos verificados, órgãos de comunicação pró-governamentais reportaram que mais 31 homens e três mulheres foram executados em outubro e novembro. A Amnistia Internacional não conseguiu verificar estes relatos de forma independente, em parte devido à relutância de membros da família em comunicarem com organizações de direitos humanos por receio de represálias.

Em risco de execução

Dada a falta de transparência das autoridades egípcias, o número de prisioneiros em risco de execução é desconhecido. Entre as pessoas que se encontram no corredor da morte após terem esgotado todas as possibilidades de recurso está Wael Tawadros, conhecido como Padre Isaiah, um monge que foi condenado pela morte do bispo Anba Epiphanius, em abril de 2019. Wael Tawadros foi condenado no seguimento de um julgamento injusto, no qual o tribunal se baseou em “confissões” extraídas sob tortura para garantir o veredito. O direito a uma defesa adequada também lhe foi negado.

De acordo com a família, entre 2 e 28 de agosto de 2018, Wael Tawadros foi preso e mantido numa localização desconhecida, tendo o Ministro do Interior recusado reconhecer a sua detenção e revelar o local onde estava, sujeitando-o efetivamente a desaparecimento forçado.

Condições cruéis e desumanas

Segundo dados recebidos por fontes com informações das condições de detenção em al-Aqrab, numa aparente retaliação pelo incidente de 23 de setembro, as autoridades reduziram a quantidade de comida dada aos presos, incluindo quem está no corredor da morte, e cortaram o fornecimento elétrico nas celas. Guardas prisionais espancaram dez pessoas com mangueiras de água, bastões e paus, e confiscaram pertences, incluindo roupa de cama. Após o incidente, muitos foram transferidos para espaços de confinamento solitário ou para outra conhecida prisão de máxima segurança, Tora II.

“Exortamos a comunidade internacional, incluindo os órgãos de direitos humanos da ONU, a apelarem publicamente às autoridades egípcias para pararem de imediato com as execuções”

Philip Luther, diretor de Investigação e Advocacia para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional

A família de Wael Tawadros disse à Amnistia Internacional que a administração da prisão de Abaadiya também o tem submetido a tratamento discriminatório e punitivo, ao impedi-lo de se corresponder com os parentes e negar-lhe acesso regular a um padre, em violação dos padrões internacionais e da lei egípcia. Outros detidos na mesma prisão viram deferidos tais direitos.

“Apelamos às autoridades egípcias que comutem todas as penas capitais e que anulem as condenações e ordenem novos julgamentos justos sem recurso à pena de morte para Wael Tawadros e qualquer pessoa condenada após julgamentos injustos. Também exortamos a comunidade internacional, incluindo os órgãos de direitos humanos da ONU, a apelarem publicamente às autoridades egípcias para pararem de imediato com as execuções”, aponta Philip Luther.

O diretor de Investigação e Advocacia para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional diz ainda que os membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas devem estabelecer “um mecanismo de monitorização e informação sobre a situação de direitos humanos no Egito”.

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