28 Novembro 2023

Os anúncios feitos por vários países europeus e pela Comissão Europeia no sentido de restringir o financiamento das organizações palestinianas de defesa dos direitos humanos prejudicariam ainda mais a credibilidade da União Europeia enquanto autoproclamada defensora dos direitos humanos. A Amnistia Internacional e 95 outras organizações publicaram uma carta dirigida à UE e aos Estados-Membros, manifestando a sua preocupação com o impacto de tais medidas discriminatórias sobre os direitos humanos.

“Os direitos humanos em Israel e nos Territórios Palestinianos Ocupados (TPO) já estão em crise profunda. As organizações palestinianas e israelitas da região fazem um trabalho crucial para proteger os direitos das pessoas. Algumas atuam como guardiãs das violações sistemáticas dos direitos dos palestinianos cometidas impunemente pelas autoridades israelitas, outras fornecem representação legal pro-bono a vítimas que, de outra forma, não teriam qualquer apoio na sua busca de justiça. Restringir o financiamento apenas às organizações palestinianas é discriminatório e iria silenciá-las, prejudicando o seu trabalho vital e privando ainda mais as vítimas de qualquer perspetiva de proteção”, afirmou Eve Geddie, Diretora do Gabinete das Instituições Europeias da Amnistia Internacional.

“Restringir o financiamento apenas às organizações palestinianas é discriminatório e iria silenciá-las, prejudicando o seu trabalho vital e privando ainda mais as vítimas de qualquer perspetiva de proteção”.

Eve Geddie

Vários países europeus, incluindo a Áustria, a Dinamarca, a Alemanha, a Suécia e a Suíça, bem como a Comissão Europeia, tomaram medidas para suspender ou restringir o seu financiamento a organizações da sociedade civil palestinianas, com base em alegações infundadas de que o financiamento foi desviado para “organizações terroristas” ou utilizado para “incitar ao ódio e à violência”. Tais alegações mobilizam estereótipos racistas e islamofóbicos de longa data que retratam os árabes e os muçulmanos como propensos à violência e potenciais terroristas. Algumas medidas de suspensão do financiamento das ONG palestinianas são muito anteriores aos atentados de 7 de outubro de 2023, em que membros do Hamas e de outros grupos armados cometeram crimes de guerra e outras violações do direito internacional, incluindo mortes ilícitas, fizeram civis reféns e lançaram ataques indiscriminados com foguetes contra Israel. No entanto, as restrições intensificaram-se desde então.

 

Dois pesos e duas medidas da UE

A Comissão Europeia anunciou a 21 de novembro de 2023 que, “até à data, não foram encontradas provas de que o dinheiro tenha sido desviado para fins não intencionais”. Apesar disso, anunciou a introdução de cláusulas contratuais “anti incitamento” em todos os novos contratos com ONG palestinianas, que obrigam os beneficiários de financiamento a declarar que não incitarão ao ódio e os sujeitam a “monitorização por terceiros” para garantir o cumprimento. Embora a cláusula não seja intrinsecamente problemática, a sua aplicação apenas às ONG palestinianas estigmatiza os palestinianos e encoraja outros a incitarem ao ódio.

“É essencial que os governos europeus doadores garantam a responsabilidade e a transparência de todos os parceiros. Mas o facto de se destacarem exclusivamente os palestinianos, bem como o momento e a lógica destes anúncios de restrição do financiamento, levanta questões preocupantes. Porque é que os doadores restringem o financiamento apenas às ONG palestinianas? E porque é que as organizações da sociedade civil palestiniana que documentam as violações dos direitos humanos cometidas pelo governo israelita têm de se defender repetidamente de acusações de antissemitismo e de apoio à violência contra o Estado de Israel, quando repetidas investigações não encontraram tais provas?”, questiona Eve Geddie.

É vital que a UE e os Estados-Membros combatam todas as formas de racismo e outras formas de discriminação, incluindo o antissemitismo, a islamofobia, o racismo anti-árabe e anti-palestiniano, e tomem todas as medidas necessárias para proibir a defesa do ódio que constitua um incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência. Os beneficiários de fundos da UE já eram obrigados a respeitar estes princípios. Acrescentar cláusulas “anti incitamento” apenas aos contratos das organizações palestinianas e submetê-las a um “controlo por terceiros” é uma atitude política, é discriminatório e reforça os pressupostos racistas em relação aos palestinianos e àqueles que defendem os direitos humanos dos palestinianos.

A Suécia, por exemplo, também declarou que, no futuro, exigirá aos parceiros palestinianos que condenem o Hamas. Exigir que uma organização expresse essa condenação e condicionar o financiamento a esse facto é um ataque ao direito humano à liberdade de expressão e de associação, entre outros, e, na medida em que visa exclusivamente organizações que trabalham na Palestina, é discriminatório.

Entretanto, apesar dos apelos flagrantes ao assassinato, à deslocação forçada ou à utilização de armas nucleares contra os palestinianos por parte de funcionários e ONG israelitas, bem como dos repetidos ataques mortais contra civis por parte das forças e dos colonos israelitas, e mesmo das ONG que constroem colonatos ilegais em terras palestinianas ocupadas, incluindo as que foram denunciadas pela UE, não há requisitos semelhantes para que as organizações israelitas ou os organismos governamentais que cooperam com a Suécia condenem estes crimes. Esta flagrante duplicidade de critérios não é apenas discriminatória, mas demonstra também uma abordagem preocupantemente seletiva dos direitos humanos.

 

Utilização abusiva do antissemitismo

Combater o antisemitismo e o discurso de ódio é vital, mas, nos últimos anos, as autoridades israelitas e funcionários de vários países da Europa – especialmente da Alemanha e da Hungria – e os Comissários da UE Verheyli e Schinas, utilizaram alegações infundadas de antisemitismo para silenciar as críticas às violações israelitas do direito internacional, incluindo o sistema de apartheid imposto aos palestinianos por Israel. Mesmo agora, quando as forças israelitas mataram pelo menos 14 128 civis, mais de um terço dos quais são crianças, e deslocaram à força mais de 1,2 milhões de palestinianos, as alegações de antissemitismo estão a ser utilizadas para silenciar e, em alguns casos, criminalizar aqueles, incluindo ativistas judeus, que expressam solidariedade para com os palestinianos e defendem os seus direitos. Os funcionários israelitas chegaram mesmo a utilizar alegações de antissemitismo para justificar o assassinato de civis palestinianos, alegando que os palestinianos em Gaza apoiam a ideologia nazi.

Recentes declarações infundadas e discriminatórias de políticos alemães, austríacos e húngaros estigmatizaram os migrantes de países de maioria muçulmana, culpando-os pelo aumento do antissemitismo na Europa. O facto de a UE estabelecer requisitos adicionais para os beneficiários de financiamento exclusivamente palestinianos baseia-se igualmente em estereótipos discriminatórios e racistas.

“Os Estados europeus que restringem o financiamento a organizações que defendem os direitos humanos em Israel e na Palestina são uma prova clara da duplicidade de critérios de alguns Estados europeus. A credibilidade dos Estados europeus que afirmam defender os direitos humanos já foi enfraquecida pela sua incapacidade de apelar a um cessar-fogo e por continuarem a armar Israel enquanto mata impunemente milhares de palestinianos. Estas restrições discriminatórias ao financiamento estão a prejudicar ainda mais a sua credibilidade”, afirmou Eve Geddie.

“Apelamos à UE, aos Estados-Membros e a outros doadores para que garantam que o financiamento aos palestinianos seja retomado, sem implementar restrições desnecessárias e discriminatórias. Se a UE considera que as atuais salvaguardas em vigor não são suficientes para combater o incitamento, então deve adotar salvaguardas mais fortes para todos os contratos, incluindo os celebrados com Israel e na Europa, em vez de destacar os palestinianos por motivos racistas e sem encorajar ou apoiar políticas e leis que minam os direitos humanos”.

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