A Amnistia Internacional Estados Unidos da América (EUA) publica, esta terça-feira, um relatório que documenta violações generalizadas e flagrantes de direitos humanos por polícias contra manifestantes, médicos, jornalistas e observadores legais, que se encontravam em protestos contra a morte de negros e em defesa de reformas estruturais, nos meses de maio e junho. O documento, intitulado The World is Watching: Mass Violations by US Police of Black Lives Matter Protesters’ Rights, (O Mundo está Atento: Violações em Massa pela Polícia Norte-americana dos Direitos dos Manifestantes do Movimento Black Lives Matter) é a análise mais abrangente no contexto da violência policial, baseando-se em dezenas de entrevistas.
Justin Mazzola, investigador da Amnistia Internacional EUA“As ações do presidente Trump representam um caminho perigoso em direção ao autoritarismo e devem parar imediatamente. Precisamos de mudanças na abordagem do país ao policiamento de protestos, a nível local, estadual e federal”
“A administração Trump está a duplicar as ações contra os manifestantes, recorrendo a táticas de estilo militar, com o procurador-geral William Barr a defender, de forma flagrante, o uso de tropas federais em Portland e a ameaçar com a mobilização de mais agentes para outras cidades. As ações do presidente Trump representam um caminho perigoso em direção ao autoritarismo e devem parar imediatamente. Precisamos de mudanças na abordagem do país ao policiamento de protestos, a nível local, estadual e federal”, defende Justin Mazzola, investigador da Amnistia Internacional EUA.
O relatório, divulgado hoje, apresenta ainda um conjunto de recomendações para:
- Agências locais, estaduais e federais responsáveis pela aplicação da lei, funcionários do governo e Congresso de forma a serem cumpridas as melhores práticas de policiamento nos protestos;
- Responsabilizar os suspeitos de violações dos direitos humanos contra manifestantes, jornalistas, médicos e observadores;
- Aprovar leis e políticas que garantam o direito ao exercício de protestos de forma pacífica.
Uso desnecessário de força
Os agentes responsáveis pela aplicação da lei usaram repetidamente a força física, irritantes químicos – como gás lacrimogéneo e gás de pimenta – e projéteis de impacto cinético como primeiro recurso na atuação em manifestações pacíficas e não como resposta a qualquer tipo de ameaça ou violência real. Além disso, durante as detenções, ocorreram violações dos direitos das pessoas.
Elena Thoman, de 17 anos, atingida pela polícia com gás lacrimogéneo, em Denver“No início, parece a sensação quando se corta uma cebola e, depois, aumenta até ao ponto em que a pele está a queimar. Tinha muita pele aberta e, durante uma hora, estava a queimar. Isso fez-me tossir muito e tive de tirar a máscara porque tinha gás lacrimogéneo. Mesmo com a COVID-19, tive de tirar a minha máscara”
Em tempos de pandemia, o uso de gás lacrimogéneo é especialmente imprudente. Quando os manifestantes saíram às ruas, usando máscaras e tentando cumprir o distanciamento físico enquanto medida preventiva face à COVID-19, a polícia disparou este tipo de agente de controlo de multidões, o que aumentou os riscos de problemas respiratórios e a libertação de partículas no ar que poderiam espalhar o vírus.
Danielle Meehan, enfermeira em Seattle, que tratou uma jovem de 26 anos atingida no peito por um projétil“Perdeu a pulsação três a quatro vezes, depois de os meus colegas médicos e eu termos começado a tratá-la. Cada vez que aconteceu, foi reanimada”
Entre 26 de maio e 5 de junho de 2020, a Amnistia Internacional EUA documentou pelo menos seis incidentes em que a polícia recorre ao uso de bastões e 13 casos de uso de projéteis de impacto cinético, como tiros de balas de borracha, em 13 cidades.
Ed Ou, fotojornalista da NBC News, atacado por agentes, em Minneapolis“Tiveram tempo suficiente para agitar o gás pimenta e lançá-lo, apesar de eu e outros termos gritado: ‘Imprensa, imprensa”
Além disso, foram identificadas numerosas situações de uso desnecessário de gás lacrimogéneo e gás pimenta como primeiro recurso para dispersar grandes grupos de manifestantes pacíficos: 89 casos de uso específico de gás lacrimogéneo, em cidades de 34 estados, e 21 casos de uso ilegal de gás pimenta, em 15 estados e no Distrito de Columbia.
Jack (nome fictício), observador legal espancado pela polícia, em Chicago“Três ou quatro agentes que estavam atrás de mim puxaram-me para cima de uma barreira de cimento e atiraram-me contra uma rampa de cadeira de rodas. Caí de costas e perdi o meu chapéu. Estava a olhar ao meu redor quando três ou quatro outros agentes começaram a bater-me com cassetetes. Outro manifestante tentou parar a polícia e eles começaram a bater-lhe. As pessoas gritavam ‘observador legal’, enquanto isto acontecia. Eu estava agachado, a tentar proteger-me e dizia-lhes “não estou a resistir, não estou a resistir”
Estas táticas desnecessárias e excessivas também foram usadas pela polícia para atingir médicos, observadores legais e profissionais da imprensa.
O que queremos
A Amnistia Internacional EUA apela ao Congresso que aprove o Protect our Protestors Act of 2020 (HR 7315). A organização também pede a todas as entidades responsáveis pela aplicação da lei que iniciem uma revisão das políticas e práticas de policiamento de protestos e cumpram os padrões internacionais de direitos humanos, incluindo o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e os Princípios Básicos sobre a Utilização da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei das Nações Unidas, que são os princípios orientadores subjacentes a todas as operações antes, durante e depois das manifestações.
O Departamento de Justiça e todos os procuradores-gerais devem investigar, de forma efetiva, imparcial e imediata, todas as alegações de violações de direitos humanos por agentes durante as reuniões públicas, incluindo o uso ilegal de força, e responsabilizar os suspeitos, inclusivamente as chefias de comando, através de processos penais ou disciplinares, conforme seja apropriado. A devida reparação às vítimas também deve ser garantida.
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