17 Junho 2019

A incerteza e o perigo marcam as vidas de quem foi apanhado pela política discriminatória de Donald Trump que impede a entrada de cidadãos muçulmanos nos Estados Unidos da América (EUA). Um novo relatório da Amnistia Internacional, intitulado The Mountain is in Front of Us and the Sea is Behind Us, indica que há famílias que obtiveram autorização para viajar para o país, entre o final de 2016 e o início de 2017, mas acabaram por ficar retidas em locais com ambientes hostis e direitos muito diferentes dos restantes cidadãos.

A partir de cerca de 50 entrevistas a refugiados que vivem no Líbano e na Jordânia, entrámos no limbo em que vivem dezenas de pessoas. “Estas famílias depositaram a confiança nos Estados Unidos, num momento de grande desespero, e, agora, estão à beira de uma desgraça sem qualquer tipo de culpa “, afirma Denise Bell, investigadora da Amnistia Internacional dos EUA.

“O governo dos EUA deve cumprir a promessa feita a estas famílias e a tantos outros refugiados, pois tem a responsabilidade de proteger os seus direitos”

Denise Bell, investigadora da Amnistia Internacional dos EUA

“O governo dos EUA deve cumprir a promessa feita a estas famílias e a tantos outros refugiados, pois tem a responsabilidade de proteger os seus direitos. Virar-lhes as costas é mais uma péssima renúncia às suas obrigações”, lembra a mesma responsável.

Entre os refugiados com quem conversámos estava Ahmed Amari (nome fictício) e a sua família. Da Síria fugiram para a capital do Líbano, Beirute, em 2013. No ano seguinte registaram-se como refugiados na agência da ONU e, em dezembro 2016, receberam instruções de que estavam prestes a viajar para os EUA, onde iriam viver na Virgínia. No entanto, o presidente Donald Trump assinou o veto migratório pouco tempo depois, em janeiro de 2017. O processo só poderá avançar quando a proibição cair.

Ahmed Amari mantém-se no Líbano, mas está prestes a perder o estatuto de residente porque já passaram dois anos e meio desde que chegou ao país. Ou seja, fica exposto ao risco de detenção arbitrária e retorno forçado à Síria. A loja de tapetes onde trabalha deve fechar portas, em poucos meses, e será difícil encontrar um novo emprego sem a permissão de residência. A família não pode regressar à Síria, por causa da guerra e da possibilidade de serem mobilizados pelo exército. “É muito difícil, muito difícil”, notaram Ahmed e a esposa.

Malik foi outro dos refugiados ouvidos. Também está em Beirute, mas fugiu de Bagdade com a mulher e dois filhos. Todos temiam pela vida devido às crenças cristã.

A família de Malik chegou a terminar a formação que antecedia a viagem para os EUA, que nunca aconteceu, apesar de o processo ter sido aprovado. Agora, está tudo parado por “motivos de segurança”, relata-nos.

Se pudesse falar com Donald Trump, Malik diria: “Somos refugiados. Somos refugiados e humanos. Somos refugiados porque há situações difíceis que nos fizeram fugir. Por favor, para que possamos viver. Nós queremos viver. Nós queremos viver em paz”.

Política de retrocesso

Os EUA têm uma longa história de acolhimento. Desde que o Programa de Assistência aos Refugiados foi estabelecido, em 1980, o número médio anual de pessoas recolocadas era de 80 mil. Mas tudo mudou em 2017, após um dos primeiros atos do presidente norte-americano, que passava por limitar a meta de 110 mil, estabelecida pelo antecessor Barack Obama. Donald Trump colocou a fasquia nos 45 mil.

Durante a atual administração, o acolhimento de refugiados caiu 71 por cento. No ano de 2018, nem chegaram a ser 22 mil – o menor número de sempre.

“Os refugiados são mulheres, homens e crianças com histórias únicas para contar. Conversámos com professores, artistas, engenheiros, operários e donas de casa. Pessoas como tu, eu e que todos conhecemos”

Denise Bell, investigadora da Amnistia Internacional dos EUA

As políticas discriminatórias de Trump também colocaram em causa os programas do Líbano e da Jordânia, que abrigam o maior número de refugiados do mundo (em relação às suas populações). O relatório da Amnistia Internacional narra ainda os efeitos devastadores dos cortes no financiamento dos EUA à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA). “Os refugiados não são uma ameaça e não são apenas números”, nota Denise Bell.

“Os refugiados são mulheres, homens e crianças com histórias únicas para contar. Conversámos com professores, artistas, engenheiros, operários e donas de casa. Pessoas como tu, eu e que todos conhecemos. Tudo o que querem é o que qualquer pessoa na sua situação desejaria: segurança, um lugar para chamar de casa, trabalho para se sustentar e educação para os filhos. Só querem viver com dignidade”, sublinha a investigadora.

A Amnistia Internacional exorta os EUA a manterem a meta de admitir, pelo menos, 30 mil refugiados, este ano, e 95 mil, em 2020. “O Congresso deve fazer o seu trabalho e responsabilizar o governo de Trump pelos refugiados […] Isso significa rejeitar os cortes arrasadores propostos pelo presidente e, em vez disso, fornecer ajuda humanitária que salva a vida aos refugiados e às populações deslocadas. A administração deve garantir que os Estados Unidos não discriminam os refugiados com base no culto ou de onde eles vêm”, aponta Ryan Mace, especialista em defesa de direitos e refugiados da Amnistia Internacional dos EUA.

Na próxima quinta-feira, dia 20 de junho, assinala-se o Dia Mundial do Refugiado.

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