28 Março 2018

EM RESUMO

  • gigante mineira Haiyu nega responsabilidades nas cheias que deixaram 290 pessoas sem casa
  • autoridades moçambicanas falharam na regulamentação da indústria mineira necessária a garantir a segurança das pessoas
  • aldeões veem ser-lhes recusado ressarcimento pelas perdas sofridas

 


 

Uma irresponsável operação de mineração chinesa em Moçambique está a pôr em risco toda uma aldeia costeira, com mais de mil pessoas, podendo ser engolida pelo oceano Índico, alerta a Amnistia Internacional em novo relatório publicado esta quarta-feira, 28 de março.

Our lives mean nothing: the human cost of Chinese mining in Nagonha, Mozambique” (As nossas vidas não valem nada: o custo humano da exploração mineira chinesa em Nagonha, Moçambique) revela a forma como as operações de extração de areias pesadas da empresa mineira Haiyu provavelmente contribuíram de forma significativa para as cheias súbitas que assolaram a aldeia moçambicana de Nagonha, em 2015, e destruíram 48 casas, deixando 290 pessoas sem abrigo.

O relatório atesta também que o falhanço das autoridades de Moçambique em regulamentarem esta atividade industrial, já na esteira daquele desastre, também contribuiu para os riscos a que a aldeia está exposta na continuada atividade da empresa de mineração.

“As cheias devastadoras de 2015 deviam ter funcionado como catalisador para as autoridades de Moçambique analisarem as atividades da Haiyu e adotarem regulamentação adequada”, frisa o diretor regional da Amnistia Internacional para a África Austral, Deprose Muchena. “A inação [das autoridades] deixou a população de Nagonha à mercê de uma empresa que põe a obtenção de lucros acima das vidas das pessoas. Se não foram controladas, as operações de mineração da Haiyu constituem um perigo enorme de mais cheias catastróficas que podem apagar Nagonha do mapa”, alerta ainda o perito da organização de direitos humanos.

“Se não foram controladas, as operações de mineração da Haiyu constituem um perigo enorme de mais cheias catastróficas que podem apagar Nagonha do mapa.”

Deprose Muchena, diretor regional da Amnistia Internacional para a África Austral

Além das 48 casas que foram arrasadas pelas cheias de 2015, as autoridades governamentais locais registaram também que outras 173 habitações ficaram parcialmente danificadas. Anciões locais e representantes das autoridades moçambicanas que vivem em Nagonha há mais de 70 anos asseveraram à Amnistia Internacional não haver registo de cheias similares terem ocorrido anteriormente naquela zona.

Operações mineiras da Haiyu provavelmente contribuíram para as cheias

Com base na análise detalhada de imagens de satélite, em testemunhos prestados por habitantes de Nagonha e em provas de peritos ambientais, o relatório “Our lives mean nothing mostra que o impacto ambiental causado pelas operações de exploração mineira de areias pesadas pela Haiyu provavelmente contribuiu para as cheias de 2015.

A comparação das imagens de satélite da área, entre dezembro de 2010 e outubro de 2014, revela a acumulação dos depósitos de areia da exploração mineira em volta de Nagonha e as mudanças graduais nos fluxos naturais das águas. As imagens de satélite mostram que em outubro de 2014 cerca de 280 mil metros quadrados de zonas húmidas a Norte da aldeia estavam cobertos de areia e que o canal que ligava ao mar as lagoas a Ocidente e a Norte da aldeia tinha sido totalmente bloqueado.

Todas as provas disponíveis indiciam fortemente que a atividade mineira da Haiyu e, em particular, a forma como a empresa depositou areias naquela zona puseram a aldeia costeira em elevado risco de inundações e provavelmente contribuíram significativamente para as cheias de 2015.

Esta análise é consistente com os testemunhos prestados pelos habitantes da aldeia de Nagonha, assim como com as opiniões de peritos ambientais independentes, os quais confirmaram que as operações de mineração da Haiyu aumentaram de forma significativa os riscos de inundações.

A comunidade, que depende substancialmente da pesca, também perdeu recursos naturais vitais que existiam nas zonas húmidas locais, incluindo água potável, plantas medicinais, lagoas onde pescavam, frutos selvagens, medicamentos tradicionais e lenha.

A Amnistia Internacional apurou que a Haiyu não levou a cabo a avaliação de impacto ambiental apropriada nem fez consulta às comunidades antes de começar a operar na zona, apesar da existência de legislação em Moçambique que a tal obriga.

“Devemos ser indemnizados pelas nossas perdas”

A Amnistia Internacional entrevistou 35 habitantes locais que foram afetados pelas cheias de 2015 e que perderam os seus bens e formas de sustento.

Um desses residentes, Roma, contou à Amnistia Internacional que perdeu tudo pelo qual trabalhara toda a sua vida: “Erámos quatro a viver na casa – eu, a minha mulher, o meu filho e o meu irmão mais novo. Tínhamos muitas coisas na nossa casa – quatro galinhas, uma cama, um painel solar… e roupas e sapatos, pratos e panelas e vasilhas. E perdemos tudo isso”.

“Tínhamos muitas coisas na nossa casa – quatro galinhas, uma cama, um painel solar… e roupas e sapatos, pratos e panelas e vasilhas. E perdemos tudo isso.”

Roma, residente em Nagonha

Um pescador local, Tola, descreveu por seu lado: “Perdi todo o material de pesca… duas boias do barco, duas sacas de arroz, os utensílios de cozinha, as roupas dos meus cinco filhos, da minha mulher e os meus. A minha casa era nova. Devemos ser compensados pelo que perdemos”.

A Haiyu tem-se recusado a ressarcir os aldeões que ficaram sem as suas casas.

Na resposta dada face ao relatório da Amnistia Internacional, a empresa negou responsabilidades nas cheias de 2015, evocando a ocorrência de um evento natural a uma escala que não é vista em pelo menos cem anos. A Haiyu rejeitou também a conclusão da Amnistia Internacional de que as operações da empresa causaram impacto ambiental e ainda detalhou o trabalho que desenvolveu para prestar assistência na resposta dada às cheias na região. A carta com as respostas prestadas pela Haiyu está inclusa ao relatório.

“Sem surpresa nenhuma, em vez de assumir responsabilidade pela destruição das casas das pessoas e das suas formas de subsistência, a empresa evade-se ao dever de fazer o que está certo”, critica Deprose Muchena.

“Em vez de assumir responsabilidade pela destruição das casas das pessoas e das suas formas de subsistência, a empresa evade-se ao dever de fazer o que está certo.”

Deprose Muchena, diretor regional da Amnistia Internacional para a África Austral

O diretor regional da Amnistia Internacional para a África Austral sublinha também que “este é um caso clássico que mostra claramente as dificuldades com que as comunidades pobres se confrontam quando grandes empresas desrespeitam totalmente os direitos das pessoas e os governos fracassam no dever de proteger os mais vulneráveis”.

A Amnistia Internacional insta as autoridades de Moçambique a investigarem a atividade da Haiyu sobre eventuais violações das leis do país. A organização de direitos humanos exorta também as autoridades moçambicanas a garantirem que os habitantes de Nagonha acedem a efetivos meios de ressarcimento e reparação pelas perdas sofridas.

Lagos e cursos de água aterrados

Nagonha é uma aldeia piscatória rural com 1 329 habitantes que vivem em 236 casas a uns 180km para Leste da cidade de Nampula.

Esta aldeia localiza-se dentro de uma zona concessionada a extração mineira que foi atribuída, a 19 de dezembro de 2011, à empresa chinesa de mineração Haiyu Mozambique Mining Co., Lda., subsidiária da Hainan Haiyu Mining Co., Ltd. com sede na China.

A empresa tem vindo a fazer extração de areias pesadas, nomeadamente ilmenite, titânio e zircão. A Haiyu começou a minerar a uns três quilómetros a Norte da aldeia de Nagonha e prosseguiu com a exploração rumo a Sul em direção à povoação, arrasando dunas de areia e vegetação e despejando resíduos da mineração sobre as zonas húmidas, no que aterrou duas grandes lagoas assim como os cursos de água que as ligavam entre si e que ligavam as zonas húmidas ao mar.

  • 51%

    Das 100 maiores economias no mundo, 51 são empresas; apenas 49 são países.
  • 20 mil pessoas

    Mais de 20 000 pessoas morreram devido a uma fuga de gás de uma fábrica de produtos químicos da Union Carbide em Bhopal, Índia, em 1984.
  • 25 anos

    Foram precisos 25 anos para que um tribunal indiano condenasse os funcionários da Union Carbide India Ltd. pela sua responsabilidade no desastre de Bhopal.
  • 100 mil pessoas

    100 000 pessoas procuram tratamento médico para uma série de problemas de saúde depois de resíduos tóxicos terem sido despejados em redor da cidade de Abidjan, na Costa do Marfim, em agosto de 2006. Os resíduos foram criados pela multinacional exportadora de petróleo Trafigura.

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