13 Dezembro 2013

Os líderes europeus deviam envergonhar-se face aos baixos números de refugiados da guerra na Síria que a Europa está disponível a acolher, na mais grave crise humanitária da história recente, defende a Amnistia Internacional num novo relatório hoje divulgado.

Neste documento, intitulado “An international failure: The Syrian refugeee crisis” (“Um falhanço internacional: A crise dos refugiados sírios”), a Amnistia mostra como os países membros da União Europeia apenas se ofereceram a abrir portas a cerca de 12 mil dos mais vulneráveis refugiados da Síria – o que se traduz nuns lamentáveis 0,5 por cento dos 2,3 milhões de pessoas que fugiram do país desde a eclosão do conflito em inícios de 2011.

“A União Europeia está a falhar miseravelmente no papel que lhe é devido em garantir refúgio seguro a estas pessoas que perderam tudo menos as suas vidas. O número daqueles que os países europeus estão dispostos a acolher é verdadeiramente vergonhoso. Todos os líderes europeus deviam envergonhar-se”, sustenta o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salil Shetty.

A mais próxima capital europeia da Síria – Nicósia – dista apenas uns 321 quilómetros de Damasco. Mas coletivamente, os 28 países da União Europeia (UE) apenas se comprometerem a realojar uma muito ínfima parte dos refugiados sírios, e a grossa maioria nem sequer fez tal oferta, incluindo Portugal:

  • Apenas dez estados membros da UE se ofereceram para realojar ou instalar em estruturas de ajuda humanitária refugiados da Síria;
  • A Alemanha é de longe o país que revelou maior generosidade: o país aceitou receber 10 mil refugiados (80 por cento de todos os compromissos feitos pela UE);
  • Excluindo a Alemanha, os restantes 27 países membros da UE ofereceram-se para acolher tão só 2.340 pessoas que fugiram da guerra na Síria;
  • A França disponibilizou-se a receber 500 refugiados: não mais do que 0,02 por cento do total das pessoas que fugiram da Síria;
  • A Espanha aceitou dar acolhimento a apenas 30 refugiados: 0,001 por cento dos refugiados sírios
  • Um total de 18 países da UE – incluindo o Reino Unido e a Itália – não se disponibilizaram para receber nem mesmo um só refugiado da guerra na Síria;
  • Portugal não se comprometeu igualmente à partida a acolher quaisquer refugiados sírios. O país recebeu, porém, um total de 80 pedidos de asilo de cidadãos sírios entre novembro de 2011 e outubro de 2013, e, ainda na madrugada de quinta-feira, 12 de dezembro, chegaram a Portugal 74 cidadãos sírios num voo da TAP oriundo de Bissau.

Com o aproximar do Inverno, as condições em que vivem estes 2,3 milhões de pessoas que fugiram da Síria para os países vizinhos estão a deteriorar muito rapidamente: no Líbano, Jordânia, Turquia, Iraque e Egito estão 97 por cento dos refugiados sírios, a viver, na esmagadora maioria, em tendas de campanha – e, agora, também a enfrentar difíceis condições de baixas temperaturas e nevões.

Com apenas 12 mil lugares de realojamento ou admissão por razões humanitárias oferecidos pelos países membros da UE, muitos outros refugiados sírios tentam fazer a viagem pelos seus próprios meios. Dezenas de milhares de pessoas conseguiram chegar à Europa e tentam pedir asilo depois de arriscarem as suas vidas em jornadas muito penosas quer por terra quer por mar.

A pesquisa feita pela Amnistia Internacional revela que estas pessoas têm primeiro que nada de conseguir passar pelas “barricadas” da Fortaleza Europa. Muitos enfrentam violenta reação das forças policiais e das guardas-costeira, ou acabam detidas ao longo de muitas semanas em condições deploráveis.

A viagem pelo Mediterrâneo para Itália

Centenas de pessoas morrem a tentar atravessar o mar Mediterrâneo todos os anos. Estima-se que apenas em outubro passado pelo menos 650 refugiados e migrantes morreram no naufrágio de três barcos na travessia desde o Norte de África para a Europa.

Mais de dez mil refugiados sírios estão identificados como tendo chegado à costa italiana nos primeiros dez meses de 2013.

O relatório da Amnistia Internacional agora divulgado dá também relatos na primeira pessoa de algumas destas pessoas que conseguiram chegar à Europa por mar.

Awad, de 17 anos e oriundo de Damasco, conta como conseguiu escapulir-se pela escotilha de um barco que se afundava e nadar até à superfície. Crê-se que estavam 400 sírios a bordo. Awad viu pessoas agarradas a cadáveres e a destroços do barco para se manterem à superfície, outras que lutavam por um colete salva-vidas.

Naquele dia, este adolescente perdeu a mãe e outros familiares. “Não faço ideia nenhuma onde está a minha família. Eu costumava ser ambicioso, querer coisas, mas agora perdi a minha mãe… não quero nada. Quero só estabilidade e tudo o resto vem depois disso”.

Outro rapaz sírio contou à Amnistia Internacional como a experiência de fuga do país natal o destruiu: perdeu o pai e o irmão de nove anos na travessia do mediterrâneo. “Não foram só os meus sonhos que ficaram destruídos, foram também os sonhos da minha família. Sinto-me totalmente destruído”.

Empurrados para o mar ou detidos

Em duas das principais portas de entrada na EU – Bulgária e Grécia – os refugiados vindos da Síria são confrontados com condições de tratamento deploráveis, incluindo operações da guarda-costeira grega que os empurra de volta ao mar e centros búlgaros em que são alojados ao longo de semana em regimes de verdadeira detenção.

Vários refugiados testemunharam à Amnistia Internacional como a polícia e a guarda-costeira grega, de armas em punho e encapuçados, os tratam de forma abusiva, lhes tiram tudo o que levam consigo e acabam por os forçar de volta ao mar e de regresso à Turquia.

Um sírio de 32 anos descreveu como foi confrontado, junto com a sua mãe, por um agente da guarda-costeira perto da ilha de Samos em outubro passado, quando se deslocavam num grupo de 35 pessoas que incluía mulheres e crianças pequenas. “Obrigaram os homens todos a deitarem-se de bruços no barco, e pisaram-nos e bateram-nos com as armas durante horas. Depois, já perto das 10h da manhã, após terem tirado o motor ao barco, rebocaram-nos para as águas territoriais turcas e deixaram-nos ali no meio do mar”.

Não se conhece exatamente quantas operações destas a Grécia já fez, mas a Amnistia Internacional estima que centenas de refugiados sírios foram já forçados desta forma a voltar ao mar.

Nestes últimos dois anos, a Comissão Europeia alocou 228 milhões de euros para reforçar as operações de controlo de fronteiras. Em contrapartida, nesse mesmo período, apenas 12 milhões de euros foram canalisados para a Grécia ao abrigo do Fundo Europeu para os Refugiados, que apoia os esforços dos países da UE em acolher refugiados.

Já na Bulgária, crê-se que pelo menos cinco mil pessoas oriundas da Síria chegaram àquele país entre janeiro e novembro deste ano. A maioria é alojada em centros de emergência, o maior dos quais numa antiga base militar na cidade de Harmanli – e que funciona efetivamente como um campo de detenção fechado a sete chaves.

A Amnistia Internacional foi encontrar ali refugiados a viverem em condições miseráveis: em contentores, num edifício quase em ruínas e em tendas. Não havia estruturas sanitárias adequadas e o acesso a comida, camas e medicamentos era muito limitado. Muitas daquelas pessoas precisavam de assistência médica, incluindo vários feridos no conflito armado, indivíduos que sofrem de doenças crónicas e também pessoas com problemas de saúde mental.

Alguns dos refugiados em Harmanli contaram à amnistia Internacional que estavam naquele campo há mais de um mês.

“São dezenas de milhares de pessoas que estão a arriscar a vida em viagens muito perigosas, por barco ou por terra, na tentativa de chegarem à Europa. Vimos centenas a morrerem no Mediterrâneo. É deplorável que muitas destas pessoas que arriscaram as suas vidas para chegar à Europa acabam por ser obrigadas a voltar para trás ou detidas em condições tão miseráveis, sem comida suficiente, nem água, nem cuidados clínicos”, lamenta Salil Shetty.

A Europa tem de agir

“As banalidades ditas pelos líderes europeus soam a vazio perante estas evidências”, frisa o secretário-geral da Amnistia Internacional. “A UE tem de abrir as suas fronteiras, garantir passagem segura e pôr fim a estas violações dos direitos humanos”, sustenta.

Apenas 55 mil refugiados sírios – uns 2,4 por cento do total das pessoas que fugiram da Síria – alcançaram território da UE e pediram formalmente asilo. Daqueles que conseguiram ultrapassar as barricadas da Fortaleza Europa, muitos seguiram para a Suécia ou Alemanha, países que têm até agora oferecido a maior ajuda aos que pedem asilo.

Entre outubro de 2011 a outubro de 2013, a Suécia recebeu 20,490 pedidos de asilo de cidadãos sírios; a Alemanha 16.100. Menos de mil pessoas apresentaram pedido similar à Grécia, à Itália e a Chipre.

A Amnistia Internacional insta os 28 países membros da UE a:

  • aumentarem significativamente o número de lugares de realojamento e admissão humanitária para os refugiados sírios,
  • reforçarem a capacidade de busca e salvamento no mar mediterrâneo de forma a identificar os barcos que se encontram em dificuldades e prestar assistência a quem se encontra a bordo,
  • garantirem que aqueles que são socorridos são tratados com dignidade e têm acesso aos procedimentos de requerimento de asilo,
  • assegurarem o fim das operações que forçam os refugiados a voltar para trás,
  • prestarem passagem segura e legal aos sírios que pretendem requerer asilo e desejam chegar aos países da UE,
  • continuarem a prestar apoio, a par de toda a comunidade internacional, aos países que abrigam a maior parte dos refugiados sírios, especialmente a Jordânia e o Líbano.

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