18 Outubro 2023

  • Armas como gás lacrimogéneo, balas de borracha, bastões e granadas de atordoamento estão a ser vendidas a países que as utilizam para reprimir violentamente as manifestações
  • Foram identificadas empresas da China, França-Itália, Coreia do Sul e EUA
  • Ausência total de regulamentação global do comércio

Na sequência de recente uma investigação, a Amnistia Internacional considera que as empresas que comercializam armas menos letais a países que as usam para reprimir manifestações pacíficas, bem como os Estados que autorizam a sua exportação, estão a alimentar uma crise global de direitos humanos e devem colocar um fim ao comércio irresponsável.

O relatório de investigação “The Repression Trade: Investigating the Transfer of Weapons Used to Crush Dissent” (O comércio da repressão: A transferência de armas utilizadas para reprimir a dissidência) identifica 23 grandes produtores de equipamento menos letal e de munições de caça, cujos produtos foram utilizados ilegalmente em manifestação que ocorreram em 25 países. As armas – incluindo gás lacrimogéneo, balas de borracha, bastões e granadas de atordoamento – têm sido regularmente utilizadas em violações dos direitos humanos, incluindo a tortura ou outros maus-tratos de manifestantes e detidos em todo o mundo.

A Amnistia Internacional analisou armas e dados comerciais para mostrar como a falta de transparência e de regulamentação estatal do comércio de armas menos letais deve ser urgentemente resolvida.

“Nos últimos anos, as armas menos letais têm sido repetidamente utilizadas para intimidar e punir manifestantes, causando milhares de ferimentos e dezenas de mortes em todo o mundo”, afirmou Patrick Wilcken, investigador da Amnistia Internacional para questões militares, de segurança e de policiamento.

Os Estados que aprovam e autorizam estas exportações estão a facilitar graves violações dos direitos humanos, incluindo a tortura e outros maus-tratos, e precisam urgentemente de regular este comércio.

A Amnistia Internacional apela aos Estados para que atendam aos apelos do Relator Especial das Nações Unidas sobre a Tortura e apoiem um Tratado de Comércio Livre de Tortura robusto, que proíba armas menos letais abusivas e introduza controlos rigorosos, baseados nos direitos humanos.

 

Lucrar com o sofrimento alheio

Ao analisar imagens de manifestações da última década, a Amnistia Internacional encontrou provas da utilização imprudente de armas menos letais em todas as regiões do mundo, por vezes com consequências mortais.

A campanha emblemática da Amnistia Internacional, “Protege a Liberdade”, expôs inúmeras violações do direito à manifestação pacífica a nível mundial. Países de todo o mundo continuam a utilizar indevidamente armas menos letais, como gás lacrimogéneo, balas de borracha, gás pimenta e bastões, para assediar, intimidar, punir ou afastar manifestantes, impedindo o seu direito de reunião pacífica.

O comércio de armas menos letais, incluindo equipamento de controlo de multidões, está agora cada vez mais globalizado. A China, a Coreia do Sul, os EUA e os principais países europeus dominam o mercado, mas as empresas das economias em desenvolvimento – como o Brasil, a Índia e a Turquia – também produzem armas para o seu mercado interno e exportam-nas em grande escala.

A Cheddite é uma empresa franco-italiana que produz cartuchos e munições. Os cartuchos Cheddite, que podem ser enchidos com chumbo utilizado na caça, foram utilizados ilegalmente contra manifestantes no Irão. Fotografias verificadas de cartuchos de caçadeira da marca Cheddite também surgiram nas redes sociais durante protestos em Myanmar e no Senegal, que foram marcados por violações dos direitos humanos.

A Combined Systems é um dos maiores produtores de armas menos letais dos EUA. A Amnistia Internacional verificou imagens dos seus produtos em utilização nos EUA, bem como numa série de outros países onde as forças de segurança têm recorrido regularmente à força ilegal para reprimir os manifestantes, incluindo o Egipto, Israel, Tunísia e Colômbia.

O Norinco Group é um consórcio estatal chinês que fabrica uma vasta gama de sistemas de armas convencionais. Imagens verificadas de veículos blindados e de armas menos letais fabricadas pelo Norinco Group apareceram no Quénia, Venezuela, Geórgia, Guiné, Bangladesh e Sri Lanka no decorrer de manifestações pacíficas.

Duas empresas sul-coreanas são também alvo de investigação. A Amnistia Internacional documentou a utilização ilegal de gás lacrimogéneo e de outro equipamento menos letal da DaeKwang Chemical Corporation, no Bahrein, em Myanmar e no Sri Lanka. A Amnistia Internacional também verificou filmagens e teve acesso a fotografias que mostram a polícia a utilizar granadas de gás lacrimogéneo exportadas pela CNO Tech para reprimir manifestações no Sri Lanka e no Peru.

Em conformidade com os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, as empresas devem desenvolver e aplicar políticas e processos de diligência em matéria de direitos humanos que identifiquem e abordem os riscos para os direitos humanos relacionados com as suas operações e cadeias de valor.

As empresas que exportam equipamento que pode vir a ser utilizado indevidamente pelas forças policiais e de segurança – em especial para países com um historial de incumprimento da legislação internacional em matéria de direitos humanos – devem aplicar a devida diligência em matéria de direitos humanos antes de procederem a qualquer venda das munições. Se for impossível evitar ou atenuar os potenciais impactos adversos sobre os direitos humanos da utilização dos seus produtos e serviços, a empresa deve suspender ou cessar o fornecimento de forma responsável.

“Os Estados devem apoiar as recomendações do relatório do Relator Especial das Nações Unidas para a Tortura, divulgado no dia 12 de outubro, em Nova Iorque, no sentido de desenvolver legislação internacional juridicamente vinculativa para regular este comércio”, afirmou Patrick Wilcken.

A Amnistia Internacional contactou as empresas supracitadas, dando-lhes a oportunidade de responderem às conclusões da organização. Até à data da publicação desta notícia, nenhuma delas tinha respondido.

A campanha “Protege a Liberdade”, da Amnistia Internacional, apela aos governos para que enviem uma mensagem clara de que os manifestantes devem ser protegidos e para que eliminem barreiras e restrições desnecessárias às manifestações pacíficas.

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