14 Julho 2021

 

  • Amnistia Internacional concluiu que as autoridades gregas utilizaram a pandemia da COVID-19 para violar o direito à manifestação.
  • A polícia usou força ilegítima, como canhões de água e irritantes químicos, contra manifestantes pacíficos

Sob pretexto da pandemia da COVID-19, as autoridades gregas recorreram a detenções arbitrárias, proibições gerais, multas injustificadas e uso ilegítimo de força para conter protestos pacíficos, revelou uma nova investigação da Amnistia Internacional.

Estes exemplos do excesso de intervenção do Estado ocorreram numa altura em que as pessoas desejavam expressar as suas preocupações sobre temas importantes, como o uso ilegítimo de força pela polícia, a violência de género e os problemas significativos no sistema público de saúde da Grécia – atingido por muitos anos de políticas de austeridade – no momento da pandemia. Este relatório foca-se na resposta das autoridades a vários destes protestos, entre novembro de 2020 e março de 2021.

“Em novembro e dezembro de 2020, após a entrada do país no seu segundo confinamento, as autoridades gregas utilizaram estratégias perturbadoras para tentar assustar ativistas dos direitos das mulheres, sindicalistas, membros de partidos políticos, advogados e outros que estavam a participar ou a apelar à participação em protestos pacíficos. Muitos foram detidos arbitrariamente, criminalizados e multados de forma injustificada, num flagrante abuso de poder pelas autoridades,” afirmou Kondylia Gogou, investigadora para a Grécia na Amnistia Internacional.

As autoridades gregas têm uma responsabilidade de facilitar o protesto pacífico tal como a Amnistia internacional apontou em novembro de 2020. As restrições ao direito à liberdade de reunião pacífica para controlar a pandemia são admissíveis, mas devem ser sujeitas a critérios rigorosos, cumprir os princípios de necessidade e proporcionalidade e avaliadas caso a caso. Os governos não têm plenos poderes para restringir os direitos humanos, mesmo durante uma pandemia.

“[As autoridades gregas] implementaram estas proibições detendo os manifestantes em espaços fechados, colocando-os em risco de transmissão [da COVID-19] muito mais elevado”

Kondylia Gogou, investigadora para a Grécia na Amnistia Internacional

“As autoridades gregas justificaram a proibição geral de manifestações e outras violações de direitos, alegando a ameaça que a COVID-19 representava. Ironicamente, implementaram estas proibições detendo os manifestantes em espaços fechados, colocando-os em risco de transmissão muito mais elevado”, acrescenta Kondylia Gogou.

As restrições às manifestações pacíficas foram igualmente incorporadas na lei, nos meses seguintes à saída do país do primeiro confinamento. Em julho e setembro de 2020, foram introduzidas reformas legislativas que regulam as manifestações e permitem a proibição de contramanifestações e a dispersão de reuniões pacíficas se os organizadores não cumprirem requisitos de notificação. A legislação sobre o uso de sistemas de vigilância em manifestações e a sua implementação também suscitam preocupações, incluindo o efeito dissuasor que a utilização de câmaras pela polícia pode ter sobre os manifestantes pacíficos. Estas alterações terão profundas consequências, que perdurarão muito para além do fim da pandemia.

 

Uso Ilegítimo da força nas manifestações

A Amnistia Internacional verificou que as autoridades gregas não facilitaram o direito à manifestação pacífica, tendo mesmo introduzido proibições gerais e dispersado reuniões pacíficas, com recurso a força excessiva e desnecessária.

Maria* destacou a linguagem e tratamento sexistas e abusivos a que as manifestantes foram expostas, durante um ataque da polícia no decurso de um protesto estudantil em Ioannina, a 17 de novembro de 2020: “A partir do momento em que o ataque começou, eu e muitas outras manifestantes ouvimos [palavras como] ‘Baixa-te “vadia”, porque é aqui que pertences, e não te voltes a levantar’…”.

Vários manifestantes de múltiplos protestos descreveram, em entrevista, como a polícia recorreu desnecessariamente ao uso de canhões de água e irritantes químicos contra manifestantes pacíficos. Alguns mencionaram ainda que a polícia os agrediu com bastões na cabeça e recorreu a granadas de atordoamento de uma forma que poderia causar ferimentos consideráveis, como problemas auditivos.

 

Graves alegações de tortura ou outros maus-tratos sob custódia policial

Uma vez sob custódia policial, alguns dos manifestantes entrevistados pela Amnistia Internacional descreveram terem sido sujeitos a tratamentos que poderão equivaler a tortura e outros maus-tratos.

Aris Papazacharoudakis, um manifestante de 21 anos, referiu ter sido torturado durante o seu interrogatório pela polícia, que era sobre os confrontos e o ferimento de um agente policial durante uma manifestação contra a violência policial a 9 de março de 2021: “…Eles pediram-me para falar sobre o lugar de onde me levaram, onde estava sediado o meu coletivo [político] …, e espancavam-me cada vez mais quando eu não respondia… Atiravam-me da cadeira, levantavam-me pelas algemas e senti que os meus ombros se iam deslocar… foi um processo de espancamento contínuo…”.

 

Aurora Dourada

Num protesto em Ioannina alguns manifestantes disseram que a polícia de choque se identificou como sendo membros do partido de extrema-direita “Aurora Dourada”. Numa sentença histórica em outubro passado, um tribunal considerou a liderança política do partido culpada de gerir uma organização criminosa.

Giorgos*, que sofreu diversos ferimentos durante uma manifestação estudantil em Ioannina, a 17 de novembro de 2020, partilhou: “… Alguns agentes policiais diziam-nos ‘Eu pertenço ao Aurora Dourada, estás morto’. A certa altura, quando eu caí no chão, atiraram-nos diretamente granadas de atordoamento. Gritei alto, porque [a granada de atordoamento] explodiu à frente dos meus olhos e perto do meu ouvido esquerdo. Eles [a polícia] atiraram-me ao chão e levaram-me para um sítio longe dos outros estudantes e das câmaras, onde fui agredido por cinco ou seis polícias…’”.

“As autoridades gregas devem pôr fim à criminalização das reuniões pacíficas e anular quaisquer multas aplicadas aos manifestantes pacíficos, advogados, ativistas pelos direitos das mulheres e todos os outros indivíduos arbitrariamente detidos”

Kondylia Gogou, investigadora para a Grécia na Amnistia Internacional

“As autoridades gregas devem pôr fim à criminalização das reuniões pacíficas e anular quaisquer multas aplicadas aos manifestantes pacíficos, advogados, ativistas pelos direitos das mulheres e todos os outros indivíduos que foram arbitrariamente detidos, antes e durante as manifestações de novembro e dezembro de 2020. Quaisquer acusações contra si por, alegadamente, violarem as normas de saúde pública, devem ser retiradas e devem ser conduzidas investigações rápidas e minuciosas sobre todos os casos de violações de direitos humanos documentados pela Amnistia Internacional”, acrescentou Kondylia Gogou.

 

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