28 Setembro 2022

 

  • A contínua mobilização de manifestantes após a morte de Mahsa Amini revela a dimensão da revolta no Irão face às leis abusivas da obrigatoriedade do uso do hijab (véu);
  • Pelo menos 30 pessoas já morreram devido à repressão violenta;
  • Só a 21 de setembro, 19 pessoas foram mortas por disparos da polícia, entre as quais, três crianças.

 

A coragem dos manifestantes que saem às ruas no Irão após a morte de Mahsa Amini tem sido recebida com violência pelas autoridades do país. A mobilização incessante da população mostra a dimensão da revolta no Irão face às leis abusivas da obrigatoriedade do uso do hijab, às execuções extrajudiciais e à repressão generalizada.

Nos últimos dias, as provas recolhidas pela Amnistia Internacional em 20 cidades e dez províncias iranianas revelaram um padrão assustador de violência policial, com as forças de segurança a dispararem, de forma deliberada e ilegal, armas de fogo contra os manifestantes. Com o número de mortes em pelo menos 30 pessoas, das quais quatro são crianças, a organização reiterou os seus apelos por uma ação global urgente, alertando para o risco de uma nova escalada de violência perante a possibilidade de imposição de um novo apagão online.

 

Retrato de Mahsa Amini. Fonte: Privado

 

Só na noite de 21 de setembro, os disparos de armas de fogo pelas autoridades provocaram 19 vítimas mortais, entre elas três crianças. A Amnistia Internacional examinou as fotografias e vídeos que mostravam os seus ferimentos nas cabeça, peito e estômago.

“O aumento do número de mortos é um indicador alarmante do modo de atuação implacável das autoridades sobre a vida humana, encoberta pelo apagão online. Uma ‘investigação imparcial’ no Irão é coisa que não existe, pelo que se mostra imprescindível a criação de um mecanismo independente de investigação da ONU”, declara Heba Morayef, diretora regional para o Médio Oriente e o Norte de África na Amnistia Internacional.

“A indignação que tem inundado as ruas também demonstra como os iranianos se sentem perante a ‘polícia da moralidade’ e as leis de obrigatoriedade de uso do hijab. É tempo destas leis discriminatórias e das forças de segurança que as impõem serem completamente afastadas da sociedade iraniana”, acrescenta Heba Morayef.

“É tempo destas leis discriminatórias e das forças de segurança que as impõem serem completamente afastadas da sociedade iraniana”

Heba Morayef

A Amnistia Internacional registou os nomes das 19 pessoas que morreram no dia 21 de setembro. As mortes de mais duas pessoas, nomeadamente uma com apenas 16 anos, foram igualmente confirmadas a 22 de setembro. Mais mortes permanecem sob investigação.

A crescente frustração causada pelo fracasso da comunidade internacional em tomar medidas significativas para enfrentar as sucessivas vagas de mortes em protesto no Irão é evidente. O pai de Milan Haghigi, um homem de 21 anos morto pelas forças policiais a 21 de setembro, declarou à Amnistia Internacional: “As pessoas esperam que a ONU defenda a comunidade e os manifestantes. Eu também posso condenar [as autoridades iranianas], o mundo inteiro pode condená-las, mas qual é o propósito final da condenação?”

De acordo com os relatos de testemunhas oculares, as forças de segurança envolvidas nos tiroteios são compostas por agentes da Guarda Revolucionária, milícias Basij e agentes de segurança disfarçados de civis. Todos eles têm disparado armas de fogo reais sobre manifestantes com o intuito de os dispersar, intimidar, punir e impedir de entrar em edifícios do Estado. Este modo de ação está proibido pelo direito internacional, que restringe a utilização de armas de fogo a situações em que o seu uso é necessário em resposta a uma ameaça iminente de morte ou de ferimentos graves, e apenas quando os meios menos extremos são insuficientes.

Desde a morte sob custódia policial de Mahsa Amini, uma jovem de 20 anos que foi detida violentamente pela ‘polícia da moralidade’ ao abrigo da legislação discriminatória e degradante de obrigatoriedade de uso do hijab, que surgiram múltiplas manifestações por todo o país. Até ao momento, a Amnistia Internacional registou os nomes de 30 pessoas mortas pelas autoridades – 22 homens, quatro mulheres e quatro crianças – mas acredita que o número correto de mortes é superior, mantendo a sua investigação ativa. As mortes ocorreram nas províncias de Alborz, Isfaão, Ilão, Kohgilouyeh e Bouyer Ahmad, Quermanxá, Curdistão, Mazandaran, Semnã, Teerão, Azerbeijão Ocidental.

Até ao momento, a Amnistia Internacional registou os nomes de 30 pessoas mortas pelas autoridades – 22 homens, quatro mulheres e quatro crianças – mas acredita que o número correto de mortes é superior

 

Azerbaijão Ocidental

Esta província teve um elevado número de mortes na noite de 21 de setembro – pelo menos três homens e duas crianças. Um defensor de direitos humanos partilhou com a Amnistia Internacional um relato escrito por um manifestante de Ohshnavieh, que descrevia como, nessa mesma noite, os agentes da Guarda Revolucionária dispararam munições vivas contra os manifestantes que procuravam entrar no escritório do governador: “Os agentes atacaram diretamente as pessoas com armas de fogo e, como consequência das suas ações, três pessoas perderam a vida. Entre as vítimas, encontra-se Sadroddin Litani, que foi atingido no estômago e no pescoço e Amin Marefat, atingido no coração, com uma bala que trespassou o seu corpo”. O pai da terceira vítima, Milan Haghighi, revelou à Amnistia Internacional que o filho morreu devido a ferimentos de bala na perna e no tronco.

 

Kohgilouyeh e Bouyer

Em Dehdasht, duas testemunhas oculares declararam à Amnistia Internacional que Pedram Azarnoush, de apenas 16 anos, foi morto a tiro a 22 de setembro, sendo mais uma vítima dos disparos aleatórios de membros da Guarda Revolucionária para dispersar manifestantes. Na mesma noite, a população local revelou que as autoridades tinham feito outra vítima mortal, um homem chamado Mehrdad Behnam Vasl. As forças da Guarda Revolucionária estavam escondidas entre as árvores numa praça de Deshdasht e não enfrentavam qualquer ameaça quando começaram a disparar sobre os manifestantes que cantavam.

“O rapaz estava tranquilamente encostado a uma parede a observar as pessoas. Os manifestantes estavam a fugir, e ele não se apercebeu de que as balas também o poderiam atingir. As autoridades não tinham um alvo específico e, por isso, as balas seguiam diversas direções, colocando toda a gente em perigo. Quem escapou, foi por pura sorte” referiu uma das testemunhas.

“As autoridades não tinham um alvo específico e, por isso, as balas seguiam diversas direções, colocando toda a gente em perigo. Quem escapou, foi por pura sorte”

Relato de uma testemunha ocular

Além das vítimas mortais, várias pessoas sofreram graves ferimentos de bala. Os agentes de segurança e dos serviços secretos dirigiram-se ainda ao Hospital Emam Khomeini, em Dehdasht, para guardar de forma intensiva uma ala na qual estavam a ser tratados manifestantes feridos.

 

Semnã

No dia 21 de setembro, em Garmsar – província de Semnã – verificou-se um padrão semelhante de disparos deliberados pelas forças de segurança frente à esquadra da polícia, que resultou na morte de, pelo menos, um jovem chamado Mehdi Asgari.

Nos vídeos do incidente é possível ver manifestantes serem atingidos por disparos enquanto atiram pedras à esquadra da polícia e pontapeiam a porta de entrada. Um segundo vídeo do mesmo incidente, revisto pela Amnistia Internacional, mostra um manifestante deitado no chão, inanimado e a sangrar.

 

Mazandaran

Em Mazandaran, pelo menos seis homens e uma mulher morreram – Mohsen Mohammadi em Ghaemshahr; Hannaneh Kia, Hossein Ali Kia e Mehrzad Avazpour em Noshahr; Mohammad Hosseinikhah em Sari; Milad Zare em Babol;  Amir Norouzi em Bandar-e Anzali. Relativamente à forma como morreram, duas pessoas próximas de Hannaneh Kia, contaram que a jovem foi baleada a caminho de uma consulta médica.

 

Metodologia

Para investigar a repressão que se tem sentido sobre as manifestações, a Amnistia Internacional recebeu, até ao momento, provas audiovisuais de 30 pessoas com as quais falou, incluindo dez testemunhas oculares, seis manifestantes e um familiar de uma vítima, bem como quatro defensores de direitos humanos e nove jornalistas que se encontram fora do Irão mas estão em contacto com fontes cruciais no terreno.

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