21 Novembro 2022

As autoridades iranianas estão a pedir a pena de morte para 21 pessoas através de julgamentos fraudulentos, destinados a intimidar aqueles que participam na revolta popular que abalou o Irão desde setembro, e a dissuadir outras pessoas de se juntarem ao movimento, revelou a Amnistia Internacional esta segunda-feira.

Desde 13 de novembro, as autoridades anunciaram, em declarações separadas, que os Tribunais Revolucionários de Teerão condenaram à morte cinco indivíduos por “inimizade contra Deus” (moharebeh) e “corrupção na terra” (efsad-e fel arz), em virtude daquilo a que chamaram atos de fogo posto, destruição de propriedade e agressão contra um membro das forças de segurança durante protestos na província de Teerão.

Desde 29 de outubro, os meios de comunicação estatais reportaram o julgamento de nove homens por acusações relacionadas com os protestos implicando a pena de morte. Não é claro se os cinco indivíduos não identificados condenados à morte estão entre os nove homens. Pelo menos outras 12 pessoas, incluindo uma mulher, também enfrentam sentenças capitais devido aos protestos.

A Amnistia Internacional divulgou hoje uma análise detalhada sobre os casos dos 21 indivíduos em risco, que sublinha a natureza profundamente viciada dos procedimentos dos Tribunais Revolucionários, por entre os chocantes apelos das autoridades a julgamentos rápidos e execuções públicas.

As autoridades iranianas devem anular imediatamente todas as penas capitais, abster-se de solicitar a imposição da pena de morte e retirar todas as acusações contra aqueles que foram detidos pela sua participação pacífica em protestos”

Diana Eltahawy

“As autoridades iranianas devem anular imediatamente todas as penas capitais, abster-se de solicitar a imposição da pena de morte e retirar todas as acusações contra aqueles que foram detidos pela sua participação pacífica em protestos. A sentença de morte é a derradeira punição cruel, desumana e degradante, sendo a sua natureza abominável agravada por um julgamento penal fundamentalmente viciado, desprovido de transparência ou independência”, afirmou Diana Eltahawy, diretora-adjunta da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

“Após dois meses de revolta popular e três anos depois dos protestos de novembro de 2019, a crise de impunidade que prevalece no Irão está a permitir às autoridades iranianas não apenas continuarem a levar a cabo assassinatos em massa, mas também uma escalada no uso da pena de morte como uma ferramenta de repressão política. Os Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU que realizarão uma sessão especial sobre o Irão na próxima semana devem estabelecer urgentemente um mecanismo de investigação e responsabilização para abordar este ataque generalizado ao direito à vida e outros direitos humanos.”

A Amnistia Internacional receia que muitas outras pessoas estejam em risco de enfrentar a pena de morte, tendo em conta os milhares que foram detidos e o número de acusações emitidas pelas autoridades.

A Amnistia Internacional exorta todos os governos com embaixadas no Irão a enviarem imediatamente observadores de alto nível a todos os julgamentos em curso, cujos arguidos estão em risco de ser condenados à morte. As autoridades iranianas admitiram que tais julgamentos serão públicos.

 

Enfrentar a pena de morte por protestos

Os casos dos 21 indivíduos em risco de condenação à morte encontram-se em etapas distintas e estão a decorrer em vários tribunais. Os casos poderão ser objeto de recurso para o Supremo Tribunal.

Seis homens acusados de “inimizade contra Deus” (mohraebeh) ou de “corrupção na terra” (efsad-e fel arz) foram encaminhados para um Tribunal Revolucionário em Teerão, para um julgamento coletivo: Mohammad Ghobadlou, Saman Seydi (Yasin), Saeed Shirazi, Mohammad Boroughani, Abolfazl Mehri Hossein Hajilou e Mohsen Rezazadeh Gharagholou. Outros três homens – Sahand Nourmohammad-Zadeh, Mahan Sedarat Madani e Manouchehr Mehman-Navaz – enfrentam julgamentos em Tribunais Revolucionários de Teerão por alegada conduta criminosa equivalente a “inimizade contra Deus” (mohraebeh). Em oito destes casos, as acusações de pena de morte não estão relacionadas com quaisquer acusações de homicídio intencional e resultam essencialmente de atos descritos como vandalismo, destruição de propriedade pública e/ou privada, fogo posto e perturbação da ordem pública.

Embora as autoridades não tenham revelado as identidades dos cinco indivíduos oficialmente anunciados como tendo sido condenados à morte, a informação revelada sobre as suas acusações levou os ativistas de direitos humanos a acreditar que estes indivíduos não nomeados são Mohammad Ghobadlou, Manouchehr Mehman Navaz, Mahan Sedarat Madani, Mohammad Boroughani e Sahand Nourmohammad-Zadeh.

Onze outras pessoas também enfrentam julgamento sob a acusação de “corrupção na terra” (efsad-e fel arz) perante um Tribunal Revolucionário em Karaj, província de Alborz. Entre estas está um casal, Farzaneh Ghare-Hasanlou e Hamid Ghare-Hasanlou.

A Amnistia Internacional tem igualmente conhecimento de outro homem, Parham Parvari, com 26 anos de idade, e pertencente à minoria curda no Irão, que foi acusado de “inimizade contra Deus”. Segundo a sua família, tratava-se apenas de um espetador dos protestos que foi violentamente detido em Teerão quando regressava a casa vindo do trabalho durante os protestos.

Existem provas de que pelo menos três indivíduos foram submetidos a tortura e outros maus-tratos e de que foram usadas contra os arguidos, em tribunal, “confissões” obtidas através de práticas de tortura.

 

Negação de direito a julgamento justo

As violações documentadas do direito a julgamento justo dos 21 indivíduos incluem negação dos direitos de acesso a advogado à sua escolha desde o momento da detenção e através dos procedimentos de investigação e julgamento, de presunção de inocência, de permanecer em silêncio e não ser forçado a autoincriminar-se ou a confessar culpa. É sistematicamente negado aos réus o direito a serem protegidos de tortura e outros maus-tratos; de obterem acesso pleno a provas relevantes; e de receberem uma audiência pública justa perante um tribunal competente, independente e imparcial.

Sob o direito internacional, a imposição da pena capital no seguimento de um julgamento injusto viola o direito à vida e a proibição absoluta de tortura e outros maus-tratos.

 

Responsáveis apelam a julgamentos rápidos e execuções públicas

Uma declaração parlamentar de 227 dos 290 deputados iranianos apelou ao poder judicial para “não mostrar clemência” para com os manifestantes, emitindo urgentemente penas capitais contra eles como “uma lição” para os outros. O responsável pelo poder judicial, Gholamhossein Mohseni-Ejei, apelou a julgamentos e punições céleres, nomeadamente execuções.

Segundo um documento oficial revisto pela Amnistia Internacional, a 9 de outubro, o Procurador-Geral do país, Mohammad Jafar Montazeri, instruiu as autoridades do Ministério Público para acelerarem os procedimentos penais contra Mohammad Ghobadlou. Noutro documento oficial datado de 29 de setembro, um chefe da polícia veterano pediu que o julgamento de Mohammad Ghobadlou fosse concluído “no mais breve tempo possível” e que a sua sentença capital seja executada em público como “um gesto reconfortante para com as forças de segurança”.

 

Contexto

O Irão tem sido abalado por uma revolta popular de dimensão nacional contra o sistema da República Islâmica desde a morte de Mahsa (Zhina) Amini às mãos da polícia de “moralidade” do Irão, a 16 de setembro de 2022. A forças de segurança responderam com força ilegítima e letal, matando centenas de homens, mulheres e crianças e ferindo milhares de outras pessoas.

De acordo com um ficheiro de áudio obtido pela BBC Persa, a autoridades detiveram arbitrariamente entre 15.000 e 16.000 pessoas na primeira onda de detenções desde que os protestos tiveram início. Entre os detidos encontram-se manifestantes, jornalistas, defensores de direitos humanos, dissidentes, estudantes universitários e crianças em idade escolar, e muitos foram submetidos a desaparecimento forçado, detenção em regime de incomunicabilidade, tortura e outros maus-tratos e julgamentos injustos.

A 8 de novembro de 2022, a justiça iraniana anunciou que, somente na província de Teerão, tinham sido emitidas 1.024 acusações relacionadas com os protestos, sem fornecerem detalhes adicionais sobre as acusações.

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