4 Abril 2024

Num novo relatório publicado esta quinta-feira pela Amnistia Internacional, os dados da investigação revelam que pelo menos 481 execuções – mais de metade do total de 853 execuções registadas em 2023 – foram realizadas sob o pretexto de crimes relacionados com drogas.

A organização considera que é necessária uma ação internacional urgente e robusta para pôr termo a um aumento das execuções que, em 2023, transformou as prisões do Irão em locais de assassínios em massa.

O relatório – “Não deixem que nos matem”: A implacável crise de execuções no Irão desde a revolta de 2022” – revela como as autoridades iranianas intensificaram o recurso à pena de morte para incutir o medo na população e reforçar o seu controlo do poder na sequência da revolta “Woman Life Freedom” de setembro-dezembro de 2022. O documento também alerta para o impacto desproporcional das políticas letais de combate ao narcotráfico das autoridades nas comunidades pobres e marginalizadas.

O número de execuções em 2023 é o mais elevado registado desde 2015 e representa um aumento de 48% em relação a 2022, e um aumento de 172% em relação a 2021. A onda de assassinatos do Irão continua em 2024, com pelo menos 95 execuções registadas até 20 de março. A Amnistia Internacional acredita que o número real é mais elevado.

“A pena de morte é abominável em todas as circunstâncias, mas a sua aplicação em massa por crimes relacionados com a droga, após julgamentos grosseiramente injustos perante os Tribunais Revolucionários, constitui um abuso de poder grotesco. As políticas mortíferas da República Islâmica contra a droga estão a contribuir para um ciclo de pobreza e de injustiça sistémica e a reforçar a discriminação contra as comunidades marginalizadas, em particular a oprimida minoria Baluchi do Irão”, afirmou Diana Eltahawy, Diretora Regional Adjunta para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

No ano passado, assistiu-se também a uma vaga de execuções de manifestantes, utilizadores das redes sociais e outros dissidentes reais ou presumidos, por atos protegidos pelo direito internacional em matéria de direitos humanos, com acusações como “insultar o profeta” e “apostasia”, bem como acusações vagas de “inimizade contra Deus” (moharebeh) e/ou “corrupção na terra” (efsad-e fel arz).

“Entre os executados contam-se manifestantes, dissidentes e membros de minorias étnicas oprimidas, uma vez que as autoridades utilizaram a pena de morte como arma numa tentativa orquestrada de semear o medo entre o público e suprimir a dissidência”, afirmou Diana Eltahawy.

“É vital dar um sinal às autoridades iranianas de que o seu historial abismal em matéria de direitos humanos continuará a ser objeto de escrutínio internacional e garantir a existência de um mecanismo internacional independente de investigação e responsabilização para recolher e analisar provas de crimes ao abrigo do direito internacional”

Diana Eltahawy

“No momento em que o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas vota esta semana a renovação dos mandatos da Missão de Averiguação sobre o Irão e do Relator Especial sobre o Irão, é vital dar um sinal às autoridades iranianas de que o seu historial abismal em matéria de direitos humanos continuará a ser objeto de escrutínio internacional e garantir a existência de um mecanismo internacional independente de investigação e responsabilização para recolher e analisar provas de crimes ao abrigo do direito internacional”.

Os tribunais revolucionários proferiram 520 (61%) das sentenças de morte executadas em 2023. Estes tribunais têm jurisdição sobre uma vasta gama de atos, incluindo delitos relacionados com a droga, que as autoridades consideram como crimes de “segurança nacional”. Os tribunais carecem de independência, operam sob a influência dos órgãos de segurança e dos serviços secretos e recorrem sistematicamente a “confissões” forçadas e contaminadas pela tortura em julgamentos sumários grosseiramente injustos para emitir condenações.

 

Aumento impressionante das execuções

O pico de execuções em 2023 é impulsionado em grande parte por uma mudança letal angustiante na política antidrogas do Irão após a ascensão de Ebrahim Raisi à presidência e a nomeação de Gholamhossein Eje’i como Chefe do Poder Judiciário, ambas em 2021.

A Amnistia Internacional analisou declarações oficiais de altas autoridades executivas e judiciais que criticam publicamente as reformas de 2017 à Lei Anti-Narcóticos, que levaram a um declínio dramático nas execuções relacionadas com a droga entre 2018 e 2020, e apelam a uma maior utilização da pena de morte para combater o tráfico de droga.

Estas posições oficiais traduziram-se numa horrível trajetória ascendente desde 2021, com 481 execuções relacionadas com a droga em 2023, constituindo 56% do número total de execuções. Isto representa um aumento de 89% em relação a 2022, quando 255 pessoas foram executadas por crimes relacionados com a droga, e um aumento de 264% em relação a 2021, quando 132 pessoas foram executadas por crimes relacionados com a droga.

A minoria Baluchi do Irão foi das mais afetadas, com29% (138) das execuções relacionadas com a droga em 2023, embora constitua apenas cerca de 5% da população do Irão, expondo o efeito discriminatório da estratégia antidroga das autoridades nas comunidades mais marginalizadas e empobrecidas.

Os indivíduos executados por crimes relacionados com a droga foram muitas vezes cruelmente condenados à morte em segredo, sem aviso prévio às suas famílias e advogados.

Sem uma ação urgente da comunidade internacional, as execuções relacionadas com a droga continuarão a aumentar, no meio dos esforços em curso dos poderes judiciário, legislativo e executivo para promulgar uma nova lei antidroga letal que, se for adotada, alargará o leque de acusações de droga que implicam a pena de morte.

 

Um instrumento de opressão

Ao longo de 2023, na sequência da revolta “Woman Life Freedom” de setembro-dezembro de 2022, as autoridades iranianas também intensificaram a utilização da pena de morte como arma para reprimir a dissidência.

Em 2023, as autoridades executaram seis homens ligados à revolta de 2022 e um homem ligado às manifestações nacionais de novembro de 2019. Pelo menos mais sete pessoas foram condenadas à morte e correm o risco iminente de serem executadas por ligação à revolta de 2022 e às manifestações de novembro de 2019.

O aumento das execuções levou a que os prisioneiros no corredor da morte entrassem em greve de fome e apelassem publicamente a intervenções para impedir as suas execuções.

Em maio de 2023, vários dias antes das suas execuções após julgamentos grosseiramente injustos, os manifestantes Majid Kazemi, Saleh Mirhashemi e Saeed Yaghoubi contrabandearam uma nota para fora da prisão a pedir ajuda, afirmando: “Por favor, não os deixem matar-nos”.

A 28 de janeiro de 2024, outro grupo de prisioneiros no corredor da morte escreveu uma carta aberta anunciando a sua greve de fome e pedindo apoio para salvar as suas vidas. “Talvez com a vossa ajuda, estas execuções possam ser interrompidas. De qualquer forma que possas, por favor, sê a nossa voz…”.

 

Execuções de jovens

O ano passado marcou também uma escalada chocante na aplicação da pena de morte a crianças delinquentes, com a execução de um rapaz de 17 anos e de quatro jovens condenados por crimes que ocorreram quando tinham menos de 18 anos.

Hamidreza Azari foi detido quando tinha apenas 16 anos e executado menos de sete meses depois, após um julgamento grosseiramente injusto que foi acelerado pelas autoridades de acusação. As autoridades iranianas deturparam descaradamente a sua idade como sendo 18 anos nos meios de comunicação social nacionais para se eximirem à responsabilidade pela violação do direito internacional que proíbe a imposição de penas de morte a pessoas com menos de 18 anos no momento do crime.

Nos últimos meses, as autoridades promoveram, de forma enganosa, uma nova diretiva do Chefe do Poder Judicial como um passo no sentido de “uma nova redução” das sentenças de morte contra crianças delinquentes. No entanto, a análise da Amnistia Internacional revela que a diretiva não aborda as falhas de longa data inerentes à legislação juvenil e reafirma o poder discricionário concedido aos juízes para condenar à morte crianças delinquentes na sequência de “avaliações de maturidade” incorretas.

A Amnistia Internacional tem instado repetidamente as autoridades iranianas a alterar o artigo 91.º do Código Penal Islâmico para abolir a pena de morte para crimes cometidos por crianças em todas as circunstâncias.

 

Contexto

As autoridades iranianas recusam-se a fornecer estatísticas públicas sobre as condenações à morte e as execuções. Para registar o número de execuções levadas a cabo em 2023, a Amnistia Internacional trabalhou em estreita colaboração com o Centro Abdorrahman Boroumand, recorrendo a fontes abertas, incluindo relatórios de meios de comunicação social estatais, meios de comunicação social independentes e organizações de direitos humanos. A organização também analisou os registos de execução da Iran Human Rights e da Kurdistan Human Rights Network. Os números de execuções registados pela Amnistia Internacional são valores mínimos e a organização acredita que o número real é mais elevado.

A pena de morte é o último castigo cruel, desumano e degradante. A Amnistia Internacional opõe-se à pena de morte em todos os casos, sem exceção, independentemente da natureza ou das circunstâncias do crime; da culpa, inocência ou outras características do indivíduo; ou do método utilizado pelo Estado para levar a cabo a execução.

Recursos

Artigos Relacionados