1 Fevereiro 2023

A Amnistia Internacional considerou esta quarta-feira que as autoridades israelitas devem colocar um fim ao sistema de apartheid, na sequência dos ataques que já provocaram cerca de 220 vítimas mortais dos Territórios Palestinianos Ocupados, 30 das quais durante o mês de janeiro de 2023.

Há cerca de um ano, a organização lançou uma campanha a apelar a Israel para que desmantele o apartheid, um sistema que constitui crimes contra humanidade e algumas violações graves, como detenções administrativas e transferências forçadas

Na última semana, decorreram vários ataques sobre os palestinianos, com as forças israelitas a efetuarem uma rusga ao campo de refugiados de Jenin, a 26 de janeiro, que provocou 10 vítimas mortais, incluindo uma mulher de 61 anos. No dia seguinte, a 27 de janeiro, sete civis israelitas foram mortos quando um atirador palestiniano abriu fogo em Neve Ya’akov, um colonato israelita em Jerusalém Oriental. Em resposta a este ataque, as autoridades israelitas intensificaram a punição coletiva contra os palestinianos, procedendo a detenções em massa e ameaçando com a demolição de casas.

“Até que o apartheid seja desmantelado, não há esperança de proteger vidas civis, nem esperança de justiça para famílias enlutadas na Palestina e em Israel”

Agnès Callamard

“Os acontecimentos da semana passada expuseram mais uma vez o custo mortal do sistema do apartheid. A incapacidade da comunidade internacional de responsabilizar as autoridades israelitas pelo apartheid e outros crimes deu-lhes rédea solta para segregar, controlar e oprimir diariamente os palestinianos, e ajuda a perpetuar a violência. O apartheid é um crime contra a humanidade, e é francamente arrepiante ver os perpetradores escaparem à justiça ano após ano”, disse Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional.

“Israel há muito que tenta silenciar as descobertas relativas ao apartheid com campanhas de difamação seletivas, e a comunidade internacional deixa-se acobardar por estas táticas. Até que o apartheid seja desmantelado, não há esperança de proteger vidas civis, nem esperança de justiça para famílias enlutadas na Palestina e em Israel”.

 

Provas diárias do apartheid

A 1 de Fevereiro de 2022, a Amnistia Internacional divulgou um relatório no qual explica como Israel impõe um sistema institucionalizado de opressão e domínio contra pessoas palestinianas: em Israel, com a ocupação de territórios palestinianos e contra os refugiados deslocados, negando o seu direito de regresso.

2022 tornou-se um dos anos mais mortíferos para os palestinianos na Cisjordânia ocupada desde, pelo menos, 2005, com cerca de 153 palestinianos, incluindo dezenas de crianças, mortas pelas forças israelitas, na sua maioria no contexto do aumento das incursões militares e das operações de detenção. Uma pesquisa da Amnistia Internacional revelou que 33 palestinianos, incluindo 17 civis, foram mortos pelas forças israelitas durante a sua ofensiva de Agosto de 2022 em Gaza, e que pelo menos sete civis foram mortos por ataques lançados por grupos armados palestinianos.

Entretanto, os incidentes de violência de colonos israelitas contra palestinianos aumentaram pelo sexto ano consecutivo em 2022, com ataques incluindo agressões físicas, danos materiais, e destruição de olivais.

Todos os colonatos israelitas nos TPO são ilegais ao abrigo do direito internacional, e a política de longa data de Israel de colonização de civis em território ocupado equivale a um crime de guerra.

A crescente expansão dos colonatos colocará ainda um número incontável de palestinianos em risco de transferência forçada – um crime contra a humanidade que as autoridades israelitas cometeram de forma sistemática. Um exemplo recente é a decisão do Supremo Tribunal, de Maio de 2022, que deu luz verde à transferência forçada de mais de 1.150 palestinianos de Masafer Yatta na Cisjordânia. No ano passado, as autoridades israelitas também ampliaram os planos para demolir a aldeia não reconhecida de Ras Jrabah, na região de Negev/Naqab, em Israel, e deslocar os seus 500 residentes palestinianos, enquanto em Janeiro de 2023 a aldeia beduína de Al-Araqib foi demolida pela 212ª vez. O relatório da Amnistia Internacional sobre o apartheid mostrou como as expulsões forçadas na região de Negev/Naqab, e em todo os TPO, são levadas a cabo na prossecução dos objetivos demográficos de Israel.

 

Reconhecimento crescente

Por entre estas violações, há um crescente reconhecimento internacional de que as autoridades israelitas estão a cometer o apartheid. Os palestinianos há muito que apelam a uma compreensão do domínio de Israel como apartheid, e organizações palestinianas como a Al-Haq, o Centro Palestiniano para os Direitos Humanos, e a Al Mezan têm estado na vanguarda de advocacy da ONU para este fim.

O caminnho para tal reconhecimento ganhou impulso em 2022, com dois relatores especiais da ONU a concluírem que as autoridades israelitas estão a cometer o apartheid. O número de Estados no Conselho de Direitos Humanos a referir-se ao apartheid por Israel duplicou de nove, em 2021, para 18, em 2022. A África do Sul e a Namíbia estão entre os Estados que manifestaram preocupação pelo facto de o tratamento dado por Israel aos palestinianos constituir apartheid. Várias organizações internacionais e israelitas de direitos humanos também apelaram ao fim do apartheid, incluindo a Human Rights Watch, a B’Tselem e a Yesh Din.

As autoridades israelitas têm feito grandes esforços para suprimir e desacreditar as revelações sobre o apartheid. As consequências são particularmente graves para os defensores dos direitos humanos palestinianos – em Agosto do ano passado, as autoridades israelitas invadiram os escritórios de sete importantes ONG palestinianas depois de lhes terem conotado como “entidades terroristas” e de as terem ilegalizado. Em Dezembro, Salah Hammouri, um investigador de campo da organização de direitos dos prisioneiros Addameer, foi destituído da sua residência em Jerusalém e deportado para França após ter passado nove meses em detenção administrativa israelita.

 

Desrespeito pelo direito internacional

Em Maio de 2023, o registo dos direitos humanos de Israel será examinado através da Revisão Periódica Universal (UPR) no Conselho dos Direitos Humanos da ONU. A Amnistia Internacional escreveu às autoridades israelitas instando-as a empenharem-se, mas ainda não se submeteram ao processo de revisão. As autoridades israelitas ignoraram a maioria das recomendações apresentadas pela revisão dos Estados e aprovadas pelo Conselho dos Direitos Humanos durante o anterior ciclo da UPR em 2018. Por exemplo, apesar de ter sido instado repetidamente ao longo dos anos, e depois novamente em 2018, a pôr fim à detenção administrativa, Israel detém atualmente mais de 860 palestinianos sem acusação ou julgamento – o número mais elevado em 15 anos.

“O desrespeito de longa data das autoridades israelitas pelas suas obrigações ao abrigo do direito internacional e das recomendações da comunidade internacional continua a ter consequências terríveis para os palestinianos e a minar a proteção dos direitos também para os israelitas”, disse Agnès Callamard.

“Nenhum Estado deve poder desprezar sistematicamente o direito internacional, incluindo as resoluções vinculativas do Conselho de Segurança da ONU, com impunidade. Exortamos os Estados a porem termo a todas as formas de apoio às violações de Israel, e a romperem com anos de inação cúmplice, obrigando as autoridades israelitas a prestar contas”.

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