11 Agosto 2020

 

  • Mais de 230 pessoas ficaram feridas
  • Disparos indiscriminados de balas de borracha e gás lacrimogéneo
  • Agentes à civil atiraram contra multidões

 

O exército e as forças de segurança do Líbano, bem como homens não identificados que usavam roupas civis, dispararam contra multidões desarmadas, nos protestos em Beirute que ocorreram após as explosões da última semana, conclui uma investigação da Amnistia Internacional.

“Todos os responsáveis ​​por esta conduta violenta revoltante devem ser minuciosamente investigados e responsabilizados pelas suas ações criminosas”

Lynn Maalouf, diretora de investigação para o Médio Oriente da Amnistia Internacional

A organização monitorizou os protestos, em grande parte pacíficos, no passado dia 8 de agosto. Balas de borracha, gás lacrimogéneo e outras munições foram disparadas indiscriminadamente contra as multidões. Através de depoimentos de vítimas, testemunhas oculares e médicos, bem como da análise de vídeos, é possível afirmar que as autoridades utilizaram a força de forma imprudente e ilegal.

“Com as suas vidas em ruínas e ainda a recuperarem do trauma físico e emocional provocado pela explosão, milhares de pessoas saíram às ruas no Líbano para pedir justiça. Em vez disso, foram visadas pelas forças do Estado com disparos e gás lacrimogéneo”, nota a diretora de investigação para o Médio Oriente da Amnistia Internacional, Lynn Maalouf.

A responsável afirma que, “em vez de cumprir as suas responsabilidades básicas para com as milhares de pessoas que ficaram desalojadas e foram afetadas pela explosão, o Estado parece querer atacar a sua população”. “As forças de segurança libanesas causaram vários ferimentos graves e minaram ainda mais a confiança de uma população que já luta com múltiplas crises. Todos os responsáveis ​​por esta conduta violenta revoltante devem ser minuciosamente investigados e responsabilizados pelas suas ações criminosas”, defende Lynn Maalouf.

Vídeos analisados pelo Crisis Evidence Lab da Amnistia Internacional mostram que houve um uso punitivo da força de atirar para ferir, indicando que as autoridades pretendiam punir os manifestantes e dissuadir outros de protestar. A análise também confirmou que membros da força de segurança à civil atiraram contra a multidão.

Disparos a curta distância

A Amnistia Internacional entrevistou seis manifestantes que estavam no centro de Beirute, no dia 8 de agosto, quando aumentou a repressão dos protestos. Todos relataram ter visto militares e forças de segurança a disparar balas de borracha e bombas de gás lacrimogéneo contra a multidão, a curta distância e a uma altura ao nível do peito. Além disso, indicaram que foram provocados ferimentos ​​por pequenos projéteis de borracha disparados de uma fonte não identificada.

Médicos ouvidos pela organização falam em pelo menos seis casos de lesões oculares. Todos os feridos tinham entre 18 e 21 anos e foram atingidos por projéteis nos olhos. A equipa clínica do Departamento de Oftalmologia da Universidade Americana de Beirute foi obrigada a remover um olho de um jovem ferido. Outros manifestantes perderam a visão em vários graus.

“As forças de segurança do Líbano dispararam uma variedade de armas de uma forma que se destinava exclusivamente a atingir as pessoas”

Lynn Maalouf, diretora de investigação para o Médio Oriente da Amnistia Internacional

Um médico disse à Amnistia Internacional: “Fizemos seis operações na terça-feira, após a explosão, e outras seis no sábado, depois dos protestos. Os primeiros ficaram feridos devido a vidros, os outros por causa de projéteis”.

Amjad (nome fictício) levou um tiro de bala de borracha no pescoço, tendo sido afetada uma veia, o que provocou uma perda significativa de sangue, antes de ser levado até ao Hospital Rizk. “Estávamos na rua Riad Al-Solh. Eu vi a polícia de choque e o exército a disparar, de muito perto, contra os manifestantes. Estavam a cerca de 12 metros de nós, quando senti sangue a escorrer no meu pescoço. Pressionei a ferida com os dedos e caminhei na direção da Cruz Vermelha para procurar ajuda. Foi aí que desmaiei e as pessoas de lá me ajudaram”, explica.

De acordo com os padrões internacionais, as balas de borracha só podem ser usadas para impedir indivíduos envolvidos em casos de violência e nunca devem ser disparadas indiscriminadamente contra multidões, uma vez que podem causar ferimentos graves. Além disso, só podem ser direcionadas para a parte inferior do corpo com o objetivo de minimizar qualquer tipo de lesão.

“As forças de segurança do Líbano dispararam uma variedade de armas de uma forma que se destinava exclusivamente a atingir as pessoas. Fazer isso depois de uma tragédia nacional é uma crueldade inacreditável”, lamenta Lynn Maalouf.

O perigo do gás lacrimogéneo

As forças de segurança dispararam indiscriminadamente bombas de gás lacrimogéneo contra a multidão, causando vários feridos graves. Jad (nome fictício) estava no distrito de Azarieh quando foi atingido no rosto, ficando com a fratura no nariz: “Estávamos prestes a partir e fui ferido no rosto, na parte superior do meu olho direito, por um cartuxo de gás lacrimogéneo. O meu nariz está partido e todo o meu rosto inchado”.

Faten (nome fictício) foi atingida no ombro direito. Tal como Jad, também estava no distrito de Azarieh, aquando dos ataques à multidão que fizeram vários feridos graves: “A polícia de choque estava a apenas dez metros de distância. Senti que fui atingida por algo no ombro. Deixei de sentir o braço e pensei que o tinha perdido, tendo desmaiado. Eles estavam a lançar gás lacrimogéneo, contra as pessoas, a uma altura do peito”.

“As autoridades libanesas devem cooperar com uma investigação internacional sobre a explosão e concentrar-se na procura da verdade, justiça e reparação”

Lynn Maalouf, diretora de investigação para o Médio Oriente da Amnistia Internacional

O lançamento de gás lacrimogéneo tem elevados riscos. Só deve ser utilizado em situações de violência generalizada, com o propósito de dispersar uma multidão e quando todos os outros meios falharam.

“É ilegal usar gás lacrimogéneo se o cartucho for disparado diretamente contra uma pessoa. Os ferimentos terríveis sofridos pelos manifestantes são, sem dúvida, o resultado da determinação das forças de segurança em ferir pessoas de forma deliberada”, denuncia Lynn Maalouf.

Apesar de terem sido registados atos de violência cometidos por um pequeno número de manifestantes, isso não justifica o uso de força para dispersar os protestos ou o tratamento de todas as manifestações como não pacíficas. As autoridades devem respeitar o direito da maioria de exercer o seu direito à reunião pacífica, mesmo quando este decorre na presença de atos de violência menores por parte de uma minoria.

Até ao momento, todas as declarações das entidades militares e de segurança negaram qualquer responsabilidade. Um membro das Forças de Segurança Interna do Líbano morreu em circunstâncias que permanecem obscuras.

No terreno, a Amnistia Internacional identificou partes de bombas de gás lacrimogéneo e granadas Nobel Sport MP7, latas de gás lacrimogéneo SAE Alsetex SM6 e lançadores Alsetex (fabricados em França), e lançadores de granadas M203 UGL.

Médicos visados

Os médicos que participaram nos protestos revelaram que perceberam logo que dezenas de pessoas precisavam de cuidados médicos urgentes. Os ferimentos mais comuns foram encontrados em diversas partes do corpo, como cabeça, rosto, pescoço, braços, tórax, costas, pernas e baço. Ao tentarem prestar auxílio, também foram alvo de disparos de gás lacrimogéneo.

“Médicos e trabalhadores humanitários passaram uma semana extremamente traumática, trabalhando incansavelmente para salvar vidas após as explosões. Agora, não só têm de tratar das vítimas da violência do Estado, como também estão a ser alvejados e espancados. Onde está a mais básica decência humana?”, questiona Lynn Maalouf.

Apelo a investigação independente

No dia 4 agosto, uma explosão na área do Porto de Beirute matou pelo menos 190 pessoas e feriu cerca de 6500. O presidente do Líbano, Michael Aoun, disse que a explosão foi causada por 2750 toneladas de nitrato de amónio armazenadas de forma insegura. A Amnistia Internacional já apelou a uma investigação independente.

“As autoridades libanesas devem cooperar com uma investigação internacional sobre a explosão e concentrar-se na procura da verdade, justiça e reparação às muitas vítimas”, sublinha Lynn Maalouf.

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