19 Abril 2024

 

Há dez anos, 276 raparigas foram raptadas pelo grupo armado Boko Haram. A Amnistia Internacional falou com algumas das jovens que foram libertadas e que, atualmente, se encontram a reconstruir as suas vidas. Falou também com as mães, as que estão aliviadas pelo retorno das filhas e as que ainda esperam o seu regresso. Os seus testemunhos podem ser lidos em baixo.

O sequestro, perpetrado pelo Boko Haram, ocorreu numa escola secundária pública em Chibok, uma cidade do Estado de Borno, na Nigéria. Algumas raparigas escaparam sozinhas do cativeiro. Outras foram libertadas no seguimento de grandes esforços de campanha por várias organizações, uma delas a Amnistia Internacional. No entanto, 82 raparigas permanecem em cativeiro e mais de 1400 crianças foram raptadas em ataques subsequentes.

 

Glory Mainta

Glory Mainta foi raptada há dez anos. Após a sua libertação, procurou concluir o ensino secundário e espera que a liberdade também chegue às raparigas que continuam em cativeiro.

“Sou uma das raparigas raptadas em Chibok. Foi doloroso separar-me dos meus pais. Os meus raptores fizeram-me muitas coisas, a mim e a outras raparigas. Bateram-nos, gritaram connosco, não houve nada que não nos tivessem feito. Embora não nos tenham obrigado a casar com eles, aquilo a que nos submeteram foi pior. Estávamos a aguentar-nos até que Deus nos salvou. Eu tinha de ir buscar água, varrer os terrenos e fazer muitas coisas que não é habitual as mulheres fazerem. Sentia-me mal por isso.

Não consigo descrever a felicidade que senti no dia em que soube que ia ser libertada. Parecia que estava no céu. Quando fui libertada, regressei aos estudos. Inicialmente, estava com receio de voltar à escola, por isso mudei para uma outra, para ficar perto dos meus pais – não quero passar nem mais um minuto sem eles. Agora, acabei o ensino secundário.

Quando estive nas mãos do Boko Haram, perdi tudo. Sinto-me muito triste pelas raparigas que ainda estão em cativeiro. A minha esperança é que elas recuperem a liberdade como nós. Sabemos como era a vida lá dentro e é por isso que quero que sejam libertadas, para poderem voltar a estar com os seus pais”.

 

Retrato de Glory Mainta. Créditos: © Amnesty International Nigeria

 

“Quando fui libertada, regressei aos estudos. Inicialmente, estava com receio de voltar à escola, por isso mudei para uma outra, para ficar perto dos meus pais – não quero passar nem mais um minuto sem eles”

Glory Mainta

 

Mary Dauda

Mary Dauda foi raptada pelo Boko Haram. O seu relato revela a vida e as condições que enfrentou durante o período em que esteve em cativeiro.

“Lembro-me do dia em que fui raptada. Foi horrível, eu estava a chorar – ainda é muito doloroso recordar. O sítio onde fui mantida presa era muito mau. É algo que nunca esperámos. Sofremos lá. Tínhamos fome. Não parávamos de pensar nos nossos pais em casa e de nos perguntar se alguma vez nos voltaríamos a reunir com eles. Questianávamo-nos como é que ficaríamos entregues aos nossos raptores, uma vez que não os conhecíamos.

Tínhamos ouvido muitas histórias sobre o Boko Haram e, agora que estávamos nas suas mãos, não sabíamos como iria acabar. Estes pensamentos estavam sempre a passar-me pela cabeça. Enquanto estivemos em cativeiro, os nossos raptores disseram-nos que tínhamos de casar com eles, caso contrário não nos dariam comida. Tínhamos de construir quartos para eles e varrê-los, para que pudessem casar e dormir lá dentro. Disseram-nos que, se casássemos com eles, aquilo seria a nossa vida. Se não casássemos, seríamos as suas escravas. Aquelas que se recusaram a casar com eles permanecem em cativeiro.

Fui libertada em 2016 e senti-me extremamente feliz. Foi como se tivesse renascido. Após a libertação, estive na escola durante três anos e depois casei-me. Agora, vivo com o meu marido e com os nossos dois filhos. Gostaria de voltar a estudar um dia e também quero garantir que os meus filhos vão à escola e se tornam auto-suficientes. Quanto às restantes raparigas de Chibok, espero que sejam libertadas”.

 

Retrato de Mary Dauda. Créditos: © Amnesty International Nigeria

 

“Aquelas que se recusaram a casar com eles permanecem em cativeiro”

Mary Dauda

 

Rose Musa, a mãe que recuperou a filha

Quando a filha de Rose Musa regressou a casa, não queria comer nem falar com ninguém. Agora, depois de regressar à escola e ter reencontrado a sua voz, está a progredir.

“Sofri uma dupla tragédia quando a minha filha foi raptada. Nesse mesmo mês, a minha cidade foi atacada e o meu marido foi morto. Na altura, eu estava grávida de três meses e era a única pessoa em casa. Felizmente, Deus deu-me forças para continuar e é por isso que ainda estou viva. Quando soube que a minha filha Junmai Miutah tinha sido libertada, fiquei muito feliz e orgulhosa. Ainda assim, ouvir o que ela passou não foi fácil. O que aconteceu naquele campo não é aceitável e ela ficou muito afetada por isso. Quando chegou a casa, não queria comer, nem falar com outras crianças. Felizmente, agora voltou à escola e está a sair-se bem. Está a viver uma vida boa, a apoiar os meus outros filhos e a ajudar a resolver os problemas que surgem. Além disso, a Junmai quer continuar a estudar.

Não me esqueço das raparigas que ainda estão detidas. Estamos a rezar pelo seu regresso em segurança. Quero que o governo colabore para garantir que também elas podem regressar a casa – quero que os seus pais sintam o mesmo orgulho e alívio que eu sinto quando olho para a minha filha”.

 

Retrato de Rose Musa. Créditos: © Amnesty International Nigeria

 

“Quando chegou a casa, [a minha filha] não queria comer, nem falar com outras crianças”

Rose Musa

Mary Abdullahi, a mãe com a filha ainda em cativeiro

Mary Abdullahi tem a sua filha, Bilkis, ainda desaparecida. Não a vê há dez anos.

“Desde que a minha filha foi raptada, nunca mais falei com ela nem soube nada a seu respeito. Não sei como é que ela poderá estar. Não a vi mais. Sinto-me mal sempre que se fala no seu nome. Quero que o governo faça alguma coisa. As nossas raparigas não foram levadas de casa, foram levadas da escola. É o governo que tem de intervir. Algumas foram libertadas, por isso espero que, se continuar a insistir com o governo, a minha filha também volte para casa como as outras. Ficaria muito feliz se pudesse voltar a vê-la ou falar com ela – já lá vão dez anos.

Espero sinceramente que as organizações continuem a fazer campanha pela libertação das raparigas que ainda estão em cativeiro. Só quero ver a minha filha. É essa a minha esperança”.

 

Retrato de Mary Abdullahi, que segura uma fotografia da filha que foi raptada há dez anos. Créditos: © Amnesty International Nigeria

“Desde que a minha filha foi raptada, nunca mais falei com ela nem soube nada a seu respeito”

Mary Abdullahi

 

Comfort Ishaya, a mãe com a filha ainda em cativeiro

Comfort Ishaya tem a sua filha, Hauwa, ainda desaparecida. Não a vê há dez anos.

A minha filha, Hauwa, foi raptada em Chibok há dez anos. Quando isso aconteceu, senti-me profundamente angustiada. Não havia nada que eu pudesse fazer. Parecia que o sangue tinha deixado de correr no meu corpo. Como mãe, não é fácil dar à luz uma criança. Amamentei-a durante nove meses. Depois, alguns dias antes dos exames finais da escola, ela foi raptada.

Quando soubemos que as raparigas tinham sido libertadas, esperei que a minha filha fosse uma delas, mas não foi. Sempre que uma rapariga é libertada, é muito doloroso perceber que não é a nossa filha.

Pergunto-me se ela ainda está viva. Espero mesmo que esteja. É isso que eu quero. Quando me alimento, penso nela e pergunto-me se terá comida. Penso nela a toda a hora. Espero realmente poder voltar a vê-la, independentemente da idade que ela tenha quando isso acontecer.

Não nos podemos esquecer das raparigas que ainda estão desaparecidas. Estou sempre a pensar nelas e continuo à procura da minha filha. Quero que o governo continue o seu apoio, a todos os níveis. Espero e rezo para que as voltemos a ver”.

 

Retrato de Comfort Ishaya. Créditos: © Amnesty International Nigeria

 

“Sempre que uma rapariga é libertada, é muito doloroso perceber que não é a nossa filha”

Comfort Ishaya

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