5 Setembro 2025

 

  • Governo iraniano prende mais de 20.000 pessoas desde junho
  • Vários mortos em postos de controlo, incluindo uma menina de três anos
  • Execuções sumárias com acusações de espionagem para Israel
  • Criação de tribunais especiais para julgar “traidores e mercenários”
  • Legislação de emergência amplia recurso à pena de morte
  • Opressão sobre minorias étnicas e religiosas intensificada

 

As autoridades iranianas estão a levar a cabo uma onda de repressão avassaladora, sob o pretexto de garantir a segurança nacional, na sequência das hostilidades com Israel que tiveram lugar em junho passado, reportaram a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch. O agravamento da crise sublinha a necessidade urgente de a comunidade internacional adotar medidas concretas de responsabilização criminal.

Desde o passado dia 13 de junho, as autoridades iranianas prenderam mais de 20.000 pessoas, incluindo dissidentes, defensores dos direitos humanos, jornalistas, utilizadores de redes sociais, familiares de vítimas mortas ilegalmente em protestos em todo o país e cidadãos estrangeiros. Outros alvos incluem afegãos, membros das minorias étnicas balúchi e curda e das minorias religiosas bahá’í, cristã e judaica.

“Enquanto as pessoas lutam para recuperarem dos efeitos devastadores do conflito armado entre o Irão e Israel, as autoridades iranianas estão a desencadear uma repressão aterradora”, disse Sara Hashash, diretora regional adjunta para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional. “A máquina de repressão interna das autoridades continua implacável, à medida que intensifica a vigilância generalizada já opressiva, as detenções em massa e o incitamento à discriminação, hostilidade e violência contra as minorias”.

“Enquanto as pessoas lutam para recuperarem dos efeitos devastadores do conflito armado entre o Irão e Israel, as autoridades iranianas estão a desencadear uma repressão aterradora”

Sara Hashash

As forças de segurança mataram pessoas em postos de controlo de veículos, incluindo uma menina de 3 anos. Autoridades e meios de comunicação social afiliados ao Estado apelaram a execuções sumárias, nalguns casos defendendo uma repetição dos massacres nas prisões de 1988, em que altos funcionários ordenaram a execução sumária e extrajudicial de milhares de prisioneiros políticos. Pelo menos nove homens foram executados por acusações de motivação política e/ou acusações de espionagem para Israel, e um projeto de lei parlamentar que amplia ainda mais o âmbito da pena de morte aguarda aprovação final.

“Desde junho, a situação dos direitos humanos no Irão entrou numa espiral de crise ainda mais profunda, com as autoridades iranianas a usar como bodes expiatórios e a perseguir dissidentes e minorias por um conflito com o qual nada tiveram a ver”, afirmou Michael Page, diretor adjunto para o Médio Oriente e Norte de África da Human Rights Watch. “A mão de ferro das autoridades iranianas contra um povo ainda a sofrer o impacto da guerra sinaliza uma catástrofe iminente em matéria de direitos humanos, em particular para os grupos mais marginalizados e perseguidos do país”, acrescentou.

“A mão de ferro das autoridades iranianas contra um povo ainda a sofrer o impacto da guerra sinaliza uma catástrofe iminente em matéria de direitos humanos, em particular para os grupos mais marginalizados e perseguidos do país”

Michael Page

As autoridades iranianas devem estabelecer imediatamente uma moratória sobre as execuções, com vista à abolição da pena de morte, libertar todos os detidos arbitrariamente e garantir que todos os outros detidos sejam protegidos contra desaparecimentos forçados, tortura e outros maus-tratos. Outros países devem investigar e julgar os crimes cometidos pelas autoridades iranianas ao abrigo do direito internacional, com base no princípio da jurisdição universal, afirmaram a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.

 

Detenções em massa e apelos alarmantes

As forças de inteligência e segurança do Irão começaram a realizar detenções em massa poucos dias após a escalada das hostilidades com Israel, sob o pretexto de proteção da segurança nacional.

Gholamhossein Mohseni Eje’i, chefe do Poder Judiciário, anunciou, a 22 de julho, que punições severas, incluindo a pena de morte, aguardavam as pessoas que, segundo ele, “cooperaram com Israel”. Numa declaração datada de 12 de agosto, Saeed Montazer Al-Mahdi, porta-voz da polícia, anunciou que cerca de 21.000 pessoas haviam sido presas.

Altos funcionários pediram julgamentos e execuções acelerados para quem “apoiou” ou “colaborou” com Estados hostis. Os meios de comunicação afiliados ao Estado iraniano defenderam a repetição dos massacres nas prisões de 1988, incluindo num artigo da Fars News, que afirma que “os elementos mercenários… merecem execuções ao estilo de 1988”.

O poder judiciário também anunciou a formação de tribunais especiais para julgar “traidores e mercenários”. O parlamento acelerou a legislação de emergência, pendente de aprovação final pelo Conselho dos Guardiães, que ampliaria o uso da pena de morte, inclusive para acusações vagamente formuladas de ameaça à segurança nacional, como “cooperação com governos hostis” e “espionagem”.

Os detidos correm um sério risco de desaparecimento forçado, tortura e outros maus-tratos, julgamentos injustos e execuções arbitrárias, afirmaram a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.

 

Repressão intensificada das minorias étnicas

As autoridades também utilizaram o clima pós-conflito como justificação para reprimir ainda mais as minorias étnicas oprimidas.

A Amnistia Internacional documentou que as forças de segurança na província de Sistan e do Baluchistão mataram ilegalmente duas mulheres da minoria étnica baluchi, oprimida do Irão, durante uma incursão na aldeia de Gounich, a 1 de julho. Uma fonte próxima disse à organização que os agentes dispararam balas de metal e munições reais contra um grupo de mulheres, matando uma, Khan Bibi Bamri, no local, e ferindo mortalmente Lali Bamri, que mais tarde morreu no hospital. Pelo menos outras 10 mulheres ficaram feridas.

Os agentes ofereceram justificações contraditórias para a incursão, alegando a presença de um “grupo terrorista”, “afegãos” e “Israel”. Imagens de vídeo do incidente analisadas pela Amnistia Internacional mostram agentes fardados da Guarda Revolucionária Islâmica (GRI) a apontar armas de fogo a essas mulheres, ao mesmo tempo que se ouvem repetidos sons de tiros.

A 25 de junho, os meios de comunicação social estatais anunciaram a prisão de mais de 700 pessoas em todo o país, por suposta colaboração com Israel, listando as províncias de Kermanshah e Khuzestan, onde vivem minorias étnicas, incluindo curdos e árabes ahwazi, entre as que tiveram o maior número de prisões. De acordo com a Rede de Direitos Humanos do Curdistão, até 24 de julho, as autoridades tinham prendido, pelo menos, 330 pessoas da minoria étnica curda.

As autoridades também lançaram uma campanha de detenções em massa e expulsões contra afegãos, sujeitando-os a detenções generalizadas e difamando-os nos meios de comunicação social estatais.

 

Repressão às minorias bahá’í, cristã e judaica

As autoridades utilizaram também o clima de segurança para intensificar a repressão às minorias religiosas.

As pessoas da minoria bahá’í foram especialmente visadas por uma campanha coordenada de propaganda estatal de incitação à hostilidade, violência, discriminação e desinformação, acusando falsamente os bahá’ís de serem espiões e colaboradores de Israel. Numa declaração de 28 de julho, o Ministério da Inteligência descreveu a fé bahá’í como uma “seita sionista”. A 18 de junho, a Raja News, afiliada da GRI, acusou os bahá’ís de serem “representantes e espiões de Israel”.

Investigações da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch revelaram que as medidas tomadas contra os bahá’ís incluem prisões e detenções arbitrárias, interrogatórios, invasões de casas, confisco de propriedades e encerramento de negócios.

A título de exemplo, uma fonte bem informada disse às organizações que as autoridades prenderam Mehran Dastoornejad, de 66 anos, durante uma rusga a sua casa em Marvdasht, província de Fars, a 28 de junho, depois de o espancarem e confiscarem os seus pertences. As autoridades negaram ao advogado nomeado pela sua família o acesso ao detido e a informações sobre as acusações. Dastoornejad foi libertado sob fiança da prisão de Shiraz, província de Fars, a 6 de agosto. Outra fonte disse à Human Rights Watch que o casal Noyan Hejazi e Leva Samimi foi preso na província de Mazandaran, a 25 de junho e 7 de julho, respetivamente, e teve o acesso a um advogado negado até à sua libertação, sob fiança, a 3 de agosto.

No final de junho, as autoridades iranianas convocaram e interrogaram, pelo menos, 35 membros da comunidade judaica em Shiraz e Teerão acerca das suas ligações com familiares em Israel e advertiram-nos para que evitassem o contacto, de acordo com a Human Rights in Iran, uma organização de Direitos Humanos com sede fora do Irão.

Apesar dos desmentidos iniciais dos meios de comunicação social estatais, no final de julho e início de agosto, publicações no canal Telegram de um membro judeu do parlamento, Homayoun Sameyeh Najafabadi, confirmaram que diversas pessoas da comunidade judaica do Irão foram presas em três províncias e que várias foram julgadas por um Tribunal Revolucionário em Teerão por acusações não identificadas. As publicações indicavam que os presos em Teerão tinham acusações relacionadas com espionagem, mas que essas acusações foram retiradas.

O Ministério da Inteligência, numa declaração de 28 de julho, também acusou setores da comunidade cristã de serem “mercenários da Mossad” com ligações a Israel, e a comunicação social estatal transmitiu “confissões” de cristãos detidos a 17 de agosto, levantando sérias preocupações de que tivessem sido obtidas sob tortura. A 24 de julho, um grupo de direitos humanos sedeado fora do Irão relatou a prisão de, pelo menos, 54 cristãos, desde 24 de junho passado.

 

Uso de força letal ilegal em postos de controlo

Os postos de controlo de veículos introduzidos desde o conflito de junho tornaram-se outro instrumento de repressão. As autoridades efetuaram revistas invasivas a veículos e telemóveis, prendendo pessoas por “colaborarem” com Israel, muitas vezes com base apenas em publicações nas redes sociais nos seus telemóveis, de acordo com relatos dos meios de comunicação social estatais. Os postos de controlo também têm sido utilizados para prender cidadãos “não autorizados”, um termo discriminatório que as autoridades usam para se referir aos afegãos.

A 1 de julho, as forças de segurança em Tarik Darreh, província de Hamedan, mataram a tiro duas pessoas e feriram uma terceira, sob o pretexto de que estavam a fugir dos postos de controlo, segundo a imprensa. Numa declaração de 2 de julho, Hemat Mohammadi, chefe da Organização Judicial das Forças Armadas da província de Hamedan, disse que estava a ser realizada uma investigação, mas alegou que as forças de segurança dispararam contra um veículo que tentava fugir. Ativistas nas redes sociais identificaram os dois homens mortos como Alireza Karbasi e Mehdi Abaei.

Com base em relatos da comunicação social estatal e declarações oficiais, a 17 de julho, as forças de segurança em Khomein, província de Markazi, também dispararam e mataram quatro membros de uma família que viajavam em dois carros, Mohammad Hossein Sheikhi, Mahboubeh Sheikhi,Farzaneh Heydari e uma menina de 3 anos, Raha Sheikhi. Vahid Baratizadeh, governador de Khomein, anunciou que as forças de segurança tinham disparado contra dois carros “suspeitos”. A 12 de agosto, um porta-voz do governo anunciou, sem mais detalhes, que vários agentes envolvidos no tiroteio tinham sido detidos.

Com base nas declarações das autoridades, não há provas de que as pessoas mortas a tiro nestes incidentes representassem uma ameaça iminente de morte ou ferimentos graves. Segundo o direito internacional, o uso de força potencialmente letal para fins de aplicação da lei é uma medida extrema a que se deve recorrer apenas quando estritamente necessário para proteger a vida ou prevenir ferimentos graves decorrentes de uma ameaça iminente.

 

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