27 Julho 2023

 

  • Amnistia Internacional Portugal partilha preocupações e recomendações sobre termos e condições de contratação de médicos cubanos para o Serviço Nacional de Saúde;
  • O respeito pelos direitos humanos dos trabalhadores cubanos enviados para países terceiros e das suas famílias tem de ser garantido.

 

A prática de envio de médicos cubanos para missões no exterior, por parte do Estado de Cuba, não é recente e tem preocupado organizações, como a Amnistia Internacional, no que diz respeito aos direitos humanos dos trabalhadores cubanos enviados para países terceiros e das suas famílias. De acordo com informações do próprio governo cubano, o mesmo já enviou mais de 400.000 trabalhadores do setor da saúde para cerca de 164 países, seja no apoio a crises sanitárias, desastres naturais ou por altura da pandemia da COVID-19, mas também no auxílio a sistemas nacionais de saúde com falta de pessoal médico, como se tem verificado em Portugal.

O governo cubano já enviou mais de 400.000 trabalhadores do setor da saúde para cerca de 164 países

Por esta razão e no seguimento da audiência do ministro da saúde português, Manuel Pizarro – no Parlamento no dia 26 de julho de 2023 junto da Comissão da Saúde -, a Amnistia Internacional Portugal partilhou hoje as suas preocupações e respetivas recomendações relativamente aos termos e condições de contratação de médicos cubanos para o Serviço Nacional de Saúde, numa carta dirigida ao ministro da saúde. A organização considera que estas recomendações podem evitar que governo português seja, inadvertidamente, cúmplice e promotor de tráfico de seres humanos e/ou de trabalhos forçados a terceiros.

O apoio destes trabalhadores a sistemas nacionais de saúde com falta de pessoal médico tem sido realizado através de leis e normas repressivas sobre os profissionais de saúde, normas essas que são inaceitáveis para um Estado de Direito – que deve ser o primeiro garante do cumprimento dos direitos humanos dos seus cidadãos, nacionais ou não e residentes.  Aliás, neste caso, o referido Estado é o próprio responsável por restringir, de forma regular, a liberdade de expressão, de associação, de liberdade de movimentos e a própria privacidade dos profissionais de saúde cubanos enviados para países terceiros e das suas famílias.

O apoio destes trabalhadores a sistemas nacionais de saúde com falta de pessoal médico tem sido realizado através de leis e normas repressivas sobre os profissionais de saúde, normas essas que são inaceitáveis para um Estado de Direito

Na carta enviada ao ministro da saúde, a Amnistia Internacional anexou a “Resolução nº 168 de 2010” do Ministerio do Comercio Exterior e Inversión Extrajera, que considera abusiva quanto aos direitos e liberdades pessoais acima consideradas. A organização justifica que é abusiva face à Constituição da República Portuguesa e face aos diversos tratados internacionais de direitos humanos dos quais a República Portuguesa é signatária e que ratificou, tendo por isso obrigação de cumprir e fazer cumprir em Portugal.

A Amnistia Internacional referencia ainda o Decreto nº 306 de 2012 do Conselho de Ministros, que atenta igualmente contra a liberdade de movimento de pessoal, dando poderes discricionários às autoridades cubanas para permitir ou negar a diversos profissionais, incluindo os do setor da saúde, de se ausentarem do seu país. Por fim, menciona na carta um documento de 2019 da Relatora Especial sobre as formas contemporâneas de escravatura, incluindo as suas causas e consequências; e da Relatora Especial sobre o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças com a referência AL CUB 6/2019. As relatoras referem que as condições de trabalho que lhes foram comunicadas podem constituir-se como trabalhos forçados.

 

Em qualquer acordo ou contrato que o Estado Português venha a efetuar ou tenha em vigor atualmente com Estados terceiros ou empresas em seu nome, a Amnistia Internacional Portugal apela às seguintes recomendações:

  1. A responsabilidade de due diligence em direitos humanos por parte do governo português tem de ser cumprida, tendo deste de se certificar que as empresas ou Estados com quem faz acordos de prestação de serviços ou de fornecimento de pessoal profissional, são cumpridoras dos direitos humanos, da demais legislação portuguesa em vigor para com os/as profissionais que vierem a executar na prática esses acordos, e da legislação em vigor em Portugal, onde a prestação de serviços é de facto efetuada. Entendido o princípio da territorialidade, Portugal não pode aceitar a aplicação extraterritorial de leis cubanas no nosso país e que, ademais, sejam contrárias à legislação portuguesa.
  1. Que aos/às profissionais que vêm prestar serviços em Portugal, não lhes seja retida a retribuição ou parte dela no país de origem – quer forçadamente quer em regime de dupla tributação – bem como outros direitos como salário igual ao de funções iguais de outros pares de outras nacionalidades ou com contrato direto com o SNS português, respeitando o princípio de que para funções iguais, salários iguais. Que a estes profissionais seja assim garantido, além do salário, a segurança social e demais direitos que outros profissionais de saúde também beneficiam, conforme a legislação portuguesa em vigor.
  1. Que o Governo português garanta que a liberdade de expressão, reunião, associação, e movimentação destes profissionais seja assegurada em Portugal, sem mais limitações, que qualquer outro/a profissional de saúde ou cidadão que viva e trabalhe em Portugal tenha no nosso país; e que nenhum Estado ou empresa terceira e não nacional cometa qualquer tipo de ingerência sobre a soberania do nosso país e da legislação portuguesa aplicada aos demais cidadãos e residentes. Em Portugal, deve-se o cumprimento da lei portuguesa e cabe exclusivamente ao Governo, Ministério Público e demais autoridades e instâncias judiciais fiscalizar, no âmbito das suas competências, esse cumprimento. O governo português não pode, ele próprio, ou ainda que indiretamente, promover o contrário.
  1. Que em qualquer acordo/tratado que o governo estabeleça, seja garantido que não há repressão para os familiares que permanecem em Cuba destes profissionais deslocados.
  2. Que qualquer contrato ou acordo que o governo faça, respeite a liberdade e os direitos humanos de todas as partes envolvidas.
  3. Além de o governo português poder desenvolver esta solução dignamente, não deixe de desenvolver outras soluções e esforços para garantir o direito humano de acesso à saúde em Portugal, através da formação de mais profissionais de saúde no nosso país, com mais medidas de retenção de profissionais de saúde, com a coordenação e otimização de todos os serviços de saúde existentes no país para que o acesso a cuidados de saúde seja efetivamente garantido como direito humano. Todas as soluções para garantir o direito humano que é o acesso à saúde não devem implicar a violação de outros direitos humanos.

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