11 Julho 2014

A Amnistia Internacional recolheu provas consistentes e credíveis da ocorrência de espancamentos selváticos e outras práticas de tortura contra ativistas, manifestantes e jornalistas no Leste da Ucrânia ao longo dos últimos três meses.

Em missão no terreno, que abrangeu as regiões de Kiev, a capital ucraniana, assim como o sudeste do país, os investigadores da organização de direitos humanos documentaram numerosas denúncias de raptos e tortura cometidos tanto por grupos separatistas armados como por forças pró-governamentais. Estas provas são expostas no documento “Abductions and Torture in Eastern Ukraine” (Raptos e Tortura no leste da Ucrânia), divulgado esta sexta-feira, 11 de julho.

“Com centenas de pessoas a serem raptadas nestes últimos três meses, é mais do que chegada a hora de fazer uma avaliação do que se passou e pôr fim a estas abomináveis práticas que continuam a suceder no país”, defende o vice-diretor do programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional, Denis Krivosheev, que integrou a missão no terreno. Este perito salienta que “a maior parte dos raptos são feitos por separatistas armados, com as vítimas a serem frequentemente sujeitas a espancamentos e tortura absolutamente brutais, mas há também provas de abusos – em menor número – cometidos por forças pró-governamentais”.

Com a atual situação no terreno, não existem balanços totalmente credíveis e abrangentes sobre número de raptos. O Ministério do Interior ucraniano tem registados quase 500 casos só entre abril e junho de 2014. A Missão das Nações Unidas de Monitorização para os Direitos Humanos na Ucrânia conta 222 casos de rapto nos últimos três meses.

Na investigação agora feita, a Amnistia Internacional reuniu-se com representantes de vários grupos de ajuda ad hoc que têm vindo a recolher dados sobre o crescente número de raptos. Os investigadores da organização recolheram listas com as identidades de mais de 100 civis que foram mantidos cativos. Foram feitas denúncias de tortura na vasta maioria destes casos.

Os raptos têm ocorrido por todo o Leste da Ucrânia, sobretudo nas regiões de Donetsk e de Lugansk. Os alvos são polícias, soldados e responsáveis dos governos locais, e também jornalistas, políticos, ativistas, membros das comissões eleitorais e empresários.

“Agora que as forças pró-Kiev estão a recuperar o controlo nas zonas de Slaviansk, Kramatorsk e outros locais do leste ucraniano, são libertadas quase todos os dias pessoas que foram raptadas – e são cada vez mais os casos chocantes que emergem. É crucial que estes casos sejam documentados, com os responsáveis pelos abusos a serem julgados e as vítimas compensadas”, frisa Denis Krivosheev.

Ativistas pró-Kiev são alvo de atos brutais

Hanna, ativista pró-governamental, relatou à Amnistia Internacional que foi raptada por um grupo de homens armados na cidade de Donetsk (Leste do país) a 27 de maio passado. Foi mantida em cativeiro durante seis dias, até ser libertada numa troca de prisioneiros. Hanna descreve a tortura a que foi sujeita:

“[O torturador] esmurrou-me a cara com os punhos repetidamente. Ele tentava bater-me em todo o corpo, e eu protegia-me com as mãos. Estava enrolada a um canto, com os braços à volta dos joelhos. Ele ficou ainda mais zangado por eu tentar proteger-me. Então saiu da sala e voltou com uma faca”.

A ativista mostrou aos investigadores da Amnistia Internacional as marcas dos cortes no pescoço, nos braços, nas pernas. Num dos joelhos têm um golpe profundo, e o dedo indicador da mão direita continua enfaixado e ligado.

Hanna relatou ainda que o homem que a interrogou a obrigou a escrever na parede um slogan separatista, com o seu próprio sangue.

Raptados para obtenção de resgate

A maior parte dos raptos na Ucrânia parecem ter uma motivação “política”, mas há provas evidentes de que esta prática e a de tortura dos que são mantidos em cativeiro estão a ser usadas pelos grupos armados para infundir medo e controlar as populações locais. Algumas pessoas foram raptadas também com o objetivo de obtenção de resgate.

Sasha, ativista pró-Kiev, de 19 anos, fugiu para a capital depois de ter sido raptado por separatistas armados em Lugansk. Levaram-no sob a ameaça de pistolas e espingardas e foi espancado repetidas vezes ao longo de 24 horas.

“Bateram-me com os punhos, com uma cadeira, com o que estivesse à mão. Apagaram cigarros nas minhas pernas e eletrocutaram-me. O sofrimento durou tanto tempo que eu já nem sentia nada, simplesmente perdi os sentidos”, contou Sasha aos investigadores da Amnistia Internacional.

Este ativista acabou por ser libertado após o pai pagar um resgate de 60 mil dólares (mais de 44 mil euros) aos raptores.

Abusos cometidos pelas forças pró-Kiev

Apesar de a maioria de denúncias de rapto e tortura serem feitas contra os grupos separatistas pró-russos, as forças leais ao Governo ucraniano e que se opõem à secessão – incluindo grupos auto proclamados de auto-defesa – também têm sido acusados de abusos e maus tratos contra aqueles que mantém presos.

A equipa de investigação da Amnistia Internacional viajou desde Kiev até à cidade portuária de Mariopol, no sudeste do país, a qual mudou de mãos por duas vezes no último par de meses.

No dia 13 de junho, as forças militares ucranianas recuperaram o controlo da cidade, derrotando um grupo armado que se auto-designa República Popular de Donetsk.

Um responsável do governo local descreve, sob anonimato, ter ouvido um combatente separatista a gritar de dor depois de ter sido capturado pelas forças leais a Kiev que, aparentemente, queriam extrair-lhe informações sobre as bolsas separatistas na cidade.

Num outro caso, Vladislav Aleksandrovitch, de 16 anos, foi raptado a 25 de junho de 2014 após ter divulgado nas redes sociais um vídeo de operações das forças de segurança de Mariopol. Num outro vídeo, publicado já depois da sua libertação, dois dias mais tarde, Vladislav aparece sentado atrás de um homem encapuçado e envergando um camuflado, o qual tem uma das mãos sobre a cabeça do adolescente e o ameaça, “e a todos os outros” que põem em risco a unidade da Ucrânia, com represálias.

Posteriormente, numa entrevista documentada em vídeo, Vladislav denuncia ter sido torturado às mãos das forças pró-Kiev, espancado nas costas com as coronhas de espingardas, esmurrado e forçado a escrever uma “declaração ao povo da Ucrânia” e a gritar slogans nacionalistas e a favor da unidade do país.

“Não vimos polícias nem soldados do Exército ucraniano durante a nossa visita. Havia um vácuo total de autoridade e de segurança, e as pessoas estão mergulhadas no medo de represálias, dos raptos e da tortura”, recorda Denis Krivosheev.

O vice-diretor do programa Europa e Ásia Central da Amnistia Internacional avalia que “é totalmente reprovável que estejamos a assistir a uma escalada nos raptos e tortura na Ucrânia”. “Todos os que estão envolvidos neste conflito armado têm de libertar imediatamente e incondicionalmente aqueles que mantêm ilegalmente em cativeiro, e garantir que até à libertação essas pessoas não são torturadas nem sujeitas a outros maus tratos”, remata.

Na sequência das provas documentadas nesta investigação, a Amnistia Internacional insta o Governo ucraniano a criar um único sistema de registo de dados, a ser permanentemente atualizado, sobre os raptos que ocorrem no país. E a investigar total e imparcialmente todas as alegações de uso excessivo de força, tratamento abusivo e tortura.

 

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