25 Setembro 2012

A Trafigura, a multinacional responsável pelo aterro de resíduos tóxicos em Abidjan, Costa do Marfim, realizado em 2006, e que resultou em mais de 100.000 pessoas a necessitar de auxílio médico, deve ser objeto de uma investigação criminal no Reino Unido, conclui a Amnistia Internacional e a Greenpeace Holanda num importante relatório conjunto publicado hoje.

The Toxic Truth é o resultado de uma investigação de três anos e faz uma análise profunda à lista de falhas que criaram um desastre de saúde pública, político e ambiental. Detalha como as leis existentes que visam prevenir estas tragédias foram ignoradas, com vários governos a falhar em impedir o progresso do Probo Koala e da sua carga tóxica em direção a Abidjan. 
 
O relatório contesta ainda a legalidade de um acordo na Costa do Marfim que permitiu à Trafigura fugir à condenação pelo seu papel no aterro de resíduos tóxicos. Através de entrevistas com as vítimas dos resíduos tóxicos e especialistas de saúde que os trataram, o relatório dá nova luz aos impactos devastadores do aterro.
 
“Seis anos após terem permitido que esta tragédia acontecesse”, afirma Salil Shetty, Secretário-geral da Amnistia Internacional. “A Trafigura já devia ter sido totalmente responsabilizada perante a lei pelo que aconteceu. As pessoas de Abidjan foram abandonadas não só pelo seu próprio governo mas pelos governos da Europa que não cumpriram as suas próprias leis. As vítimas aguardam ainda justiça e não há garantias que este tipo de crime corporativo não irá acontecer novamente”.
 
“Esta é uma história de um crime corporativo, violações de Direitos Humanos e fracasso de governos em proteger as pessoas e o ambiente. É uma história que expõe como os sistemas de imposição do Direito Internacional falharam em acompanhar empresas que operam a nível transacional e como uma empresa foi capaz de tirar total vantagem de incertezas legais e lacunas jurídicas, com consequências devastadoras” afirma Kumi Naidoo, Diretor-adjunto da Greenpeace Internacional. “Não é demasiado tarde para a justiça ser feita, para ser dada toda a informação às pessoas de Abidjan sobre o que foi despejado, e para a Trafigura pagar pelos seus crimes. Só aí podemos esperar evitar alguma repetição deste tipo de desastre”.
 
Os resíduos foram inicialmente levados para a Holanda para serem adequadamente tratados, mas a Trafigura recusou por achar o preço demasiado alto. Apesar das preocupações, as autoridades holandesas deixaram os resíduos sair da Holanda – uma séria violação das obrigações legais da Holanda.
 
Em 2007, foi alcançado um acordo extrajudicial com o governo da Costa do Marfim, garantindo imunidade à Trafigura. Numa ação civil no Reino Unido, em nome de algumas das vítimas, a Trafigura chegou a outro acordo com não admissibilidade de culpa. Um tribunal holandês considerou a empresa culpada de exportar ilegalmente os resíduos da Holanda, mas a acusação recusou-se a considerar os eventos seguintes em Abidjan e o seu impacto na saúde humana.
 
“Não sabemos os factos”, afirma Genevieve Diallo, que vive perto de um dos aterros em Abidjan. “Os responsáveis devem ser punidos. Os que têm mesmo culpa ainda não foram punidos”.
 
O relatório estabelece recomendações exaustivas em como a comunidade internacional pode assegurar que esta tragédia não se repete. Isto inclui diretrizes claras em como assegurar que empresas a operar a nível transnacional não fogem à total responsabilização por violações de Direitos Humanos e do meio ambiente.
 
O governo do Reino Unido deve dar início a uma investigação criminal ao papel da Trafigura nos aterros, visto que a filial do Reino Unido do grupo corporativo da Trafigura tomou várias decisões chave que levaram ao desastre.
 
O governo costa-marfinense tem de assegurar que as vítimas recebem compensação total. Mais que isso, deve reavaliar a legalidade do acordo que fez que deu à Trafigura total imunidade para atuar na Costa do Marfim.
 
Os resíduos despejados em Abidjan são definidos como perigosos pela Convenção de Basileia – que controla movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e a sua eliminação – fazendo da sua exportação sem consentimento uma ofensa criminal.
 
Achim Steiner, Sub-secretário das Nações Unidas e Diretor-adjunto do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), afirma: “o aterro tóxico em Abidjan realça muitos desafios, incluindo a urgência de reforçar tratados das Nações Unidas de modo a cobrir envio de resíduos tóxicos, especificamente transporte marítimo e resíduos perigosos, especificamente a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) e a Convenção de Basileia, administrada pela UNEP. Isto deve incluir clarificação do respetivo âmbito de aplicação destes tratados”.
 
“Há claramente necessidade de outras ações. Levar a cabo uma avaliação total e no terreno da contaminação é uma delas. Outra ação seria os Estados-membros das Nações Unidas mostrarem solidariedade com os povos vulneráveis, impondo a emenda de proibição à Convenção de Basileia, proibindo finalmente a exportação de resíduos tóxicos de países desenvolvidos para países vulneráveis em vias de desenvolvimento”, afirma Achim Steiner.
 
O relatório é divulgado enquanto os Estados parte da Convenção de Basileia reúnem em Genebra, fornecendo uma oportunidade de assegurar que os resíduos tóxicos resultantes de processos industriais a bordo dos navios nunca mais possam ser despejados em países em vias de desenvolvimento.

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