10 Março 2020

A Amnistia Internacional alerta para a ausência de responsabilização pelas mortes de manifestantes, no Sudão, entre o final de 2018 e 2019. Nesse período, os protestos contra o governo do presidente deposto Omar al-Bashir foram reprimidos com força letal, através da mobilização de todos os ramos das forças de segurança do país.

Na investigação They descended on us like rain (“Caíram sobre nós como chuva”) é documentado como a polícia, o Serviço Nacional de Informações e Segurança (NISS na sigla inglesa) e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF na sigla inglesa) atacaram manifestantes. A Amnistia Internacional concluiu que, entre meados de dezembro de 2018 e 11 de abril de 2019, 77 pessoas foram mortas. No entanto, o governo sudanês admite apenas 33 vítimas.

“Instamos as autoridades de transição do Sudão a realizar investigações completas, eficazes e independentes sobre todos as mortes de manifestantes e outras violações de direitos humanos”

Deprose Muchena, diretor para a África Oriental e Austral da Amnistia Internacional

Já no dia 3 de junho de 2019, data que ficou marcada por um banho de sangue, os números também são divergentes, até entre as autoridades do Sudão. A Amnistia Internacional documentou, pelo menos, 100 mortos e mais de 700 feridos. Centenas de manifestantes foram detidos e, pelo menos, 20 continuam em paradeiro incerto. Mas a Comissão Nacional de Direitos Humanos do Sudão fala em 36 mortos, ao passo que o Ministério da Saúde conta 46 e a Procuradoria-Geral 87.

“Instamos as autoridades de transição do Sudão a realizar investigações completas, eficazes e independentes sobre todas as mortes de manifestantes e outras violações de direitos humanos. As investigações devem abranger todas as fases dos protestos”, alerta o diretor para a África Oriental e Austral da Amnistia Internacional, Deprose Muchena.

As forças de segurança usaram força excessiva para infligir o máximo de danos, cometendo graves violações de direitos humanos, como detenções arbitrárias em massa de milhares de pessoas, tortura e outros maus-tratos. Além disso, invadiram hospitais, detiveram e espancaram equipas médicas e doentes. O relatório inclui ainda relatos de violação e agressão sexual contra manifestantes.

Atuação do NISS

O NISS, cuja denominação foi alterada para Serviços de Inteligência Geral, em julho de 2019, foi responsável ​​pelas primeiras ações. Tudo aconteceu em dezembro de 2018, tendo liderado os ataques contra manifestantes até abril de 2019, quando Omar al-Bashir foi deposto.

“O ataque contra os manifestantes cheios de esperança e pacíficos, que procuravam uma rápida resolução para a crise política, foi uma violação vil dos direitos do povo sudanês. Todos os responsáveis, incluindo aqueles que tinham responsabilidade de comando, devem ser levados à justiça”

Deprose Muchena, diretor para a África Oriental e Austral da Amnistia Internacional

A unidade em Atbara avançou com disparos no dia 20 de dezembro de 2018, provocando as primeiras mortes. Os protestos tinham sido desencadeados pelos aumentos no preço do pão.

“A repressão mortal em Atbara, que apesar da longa história de sindicalismo e resistência nunca testemunhou mortes de manifestantes, levou a cidade a um estado de choque e luto”, sublinha Deprose Muchena.

A primeira vítima chamava-se Tariq Ahmed. Estudante de engenharia, na Universidade do Vale do Nilo, tinha cerca de 20 anos e morreu após ter sido atingido com um tiro no peito. A segunda vítima, Isam Ali Hussein, de 27 anos, foi baleada na cabeça. A terceira vítima, Mariam Ahmed Abdalla, foi morta dentro de casa.

“Tariq e todas as outras pessoas que foram mortas por polícias do NISS estavam apenas a exercer o direito à liberdade de reunião e as suas famílias devem obter justiça”, defende Deprose Muchena.

Entrada em cena dos paramilitares

Depois de Al-Bashir ter sido deposto, as Forças de Apoio Rápido (RSF) foram destacadas para ajudar a dispersar os manifestantes. No dia 3 de junho de 2019, o grupo paramilitar liderou um ataque a manifestantes pacíficos, junto ao quartel-general militar de Cartum, onde, pelo menos, 100 manifestantes foram mortos. Os sobreviventes identificaram não só elementos das RSF, como também oficiais do NISS e polícias. Posteriormente, no dia 13 de junho, o tenente-general Shams al-Deen al-Kabashi, porta-voz do Conselho Militar de Transição que dirigia o país na época, admitiu que aquele órgão tinha ordenado a operação para dispersar os manifestantes.

“O ataque contra os manifestantes cheios de esperança e pacíficos, que procuravam uma rápida resolução para a crise política, foi uma violação vil dos direitos do povo sudanês. Todos os responsáveis, incluindo aqueles que tinham responsabilidade de comando, devem ser levados à justiça, através de julgamentos justos, mas sem o recurso à pena de morte”, nota Deprose Muchena.

Recursos

Artigos Relacionados