11 Junho 2015

Uma delegação da Amnistia Internacional foi impedida de entrar no Azerbaijão, onde iria apresentar publicamente esta quinta-feira, 11 de junho, o mais recente relatório sobre a situação de direitos humanos naquele país, tendo sido informada à última hora pelas autoridades que a missão deveria ser adiada para depois do fim dos Jogos Europeus de Bacu, que decorrem de 12 a 28 deste mês.

A visita a Bacu para lançar o relatório “Azerbaijan: The Repression Games – the voices you won’t hear at the first European Games” (Azerbaijão: os jogos da repressão – as vozes que não se vão ouvir nos primeiros Jogos Europeus) foi cancelada depois de a organização de direitos humanos ter sido informada ao fim do dia de terça-feira, 9 de junho, pela Embaixada do Azerbaijão em Londres que o país “não se encontra em posição de acolher a missão da Amnistia a Bacu no momento presente” e sugerindo que qualquer visita deveria ser adiada para depois dos Jogos Europeus.

“É profundamente irónico que o lançamento de um relatório que demonstra como as vozes críticas no Azerbaijão têm vindo a ser sistematicamente silenciadas na esteira para os Jogos Europeus seja impedido. Mas, em vez de abafar a mensagem, as ações das autoridades só estão a tornar ainda mais visíveis as suas tentativas desesperadas em criarem um ambiente livre de quaisquer críticas em volta dos Jogos”, nota o vice-diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, Denis Krivosheev.

O perito avalia que “longe de fazer progredir os valores da liberdade de imprensa e da dignidade humana consagrados na Carta Olímpica, o legado destes jogos será o de encorajar ainda mais os regimes repressivos pelo mundo fora a olharem para os grandes eventos desportivos globais como uma forma de obter prestígio e respeito internacionais”.

Este novo relatório da Amnistia Internacional sobre o estado de direitos humanos no Azerbaijão – que se segue a um outro briefing publicado em março passado – detalha a forma como, ao longo do último ano, jornalistas, defensores de direitos humanos, membros da oposição e ativistas pró-democracia têm sido perseguidos, detidos e condenados à prisão, atacados e torturados, numa vaga de implacável repressão sobre a dissidência que se intensificou conforme se aproximava a data dos Jogos Europeus.

O sistemático desmembramento da sociedade civil a que se tem assistido no país na antecipação para os Jogos Europeus de Bacu minou gravemente qualquer esperança de ser construído aqui um legado positivo e duradouro do evento.

Atualmente há pelo menos 20 prisioneiros de consciência no Azerbaijão identificados pela Amnistia Internacional, detidos apenas pelo exercício pacífico do direito de liberdade de expressão. Algumas destas pessoas foram acusadas de fraude e evasão fiscal, na sequência da adoção em 2013 de uma série de novas leis restritivas em matéria de financiamento e registo das organizações não-governamentais. Outras enfrentam acusações forjadas que vão desde a posse de drogas ao hooliganismo e à traição.

Muitos outros ativistas e defensores de direitos humanos fugiram do país. Os que ficaram no Azerbaijão vivem sob o medo de denunciar os abusos cometidos pelas autoridades devido às ameaças que lhes são feitas, a si mesmos e às suas famílias.

Órgãos de comunicação social independentes são praticamente inexistentes, e os jornais e canais de televisão que pertencem ou são controlados pelo Governo estão totalmente manietados para difamar aqueles que criticam as autoridades. Tal contexto permite que os abusos cometidos pelas autoridades não sejam controlados nem haja responsabilização pelos mesmos.

No verão passado, as autoridades azeris lançaram uma campanha especialmente agressiva contra os mais proeminentes críticos do Governo, os quais foram mantidos em detenção pré-julgamento. Nestes últimos dois meses, com o aproximar do começo dos Jogos Europeus, algumas destas pessoas viram as suas detenções preventivas alargadas; outros foram entretanto condenados a longas penas de prisão.

Julgamentos injustos

O advogado e fundador da organização não-governamental Human Rights Club, Rasul Jafarov, foi detido em agosto de 2014, quando estava a preparar a campanha “Sport for Democracy” (Desporto para a Democracia) com o propósito de chamar a atenção internacional para a deterioração da situação de direitos humanos no país. Em abril passado foi condenado a uma pena de seis anos e meio de prisão sob as acusações falsas de evasão fiscal e negócios ilícitos.

E a reputada ativista de direitos humanos Leila Iunus, de 60 anos, e uma das mais críticas vozes do Governo azeri, foi detida em julho de 2014, dias depois de ter apelado a um boicote aos Jogos Europeus justamente devido à deficiente situação de direitos humanos do Azerbaijão. A ativista permanece detida a aguardar julgamento desde então, tendo o termo de detenção sido alargado recentemente até depois do fim dos Jogos de Bacu.

Leila Iunus passará um ano na prisão sem sequer ter um julgamento. O marido, Arif Iunus, foi detido cinco dias depois dela. Ambos estão acusados de traição, negócios ilícitos, evasão fiscal, abuso de autoridade, fraude e falsificação – todas acusações forjadas. Leila e o marido sofrem ambos de problemas de saúde e têm sido impedidos de falar um com o outro assim como com outros familiares.

Também o proeminente advogado de direitos humanos Intigam Aliev – que já levou vários casos contra o Azerbaijão ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos – foi detido em julho do ano passado. Foi falsamente acusado de evasão fiscal e negócios ilícitos e mantido em detenção até ao julgamento, que decorreu em abril passado, e no qual acabou condenado a uma pena de sete anos e meio de prisão.

Liberdade de imprensa

Em julho de 2014, as autoridades azeris congelaram os bens do Instituto para a Liberdade e Segurança dos Jornalistas, uma organização não-governamental que tem estado na linha da frente da defesa da liberdade de imprensa no país desde 2006. Foram feitas buscas aos escritórios da ONG, os procuradores confiscaram documentos e equipamento, e o Instituto para a Liberdade e Segurança dos Jornalistas tem permanecido fechado desde então. Os seus funcionários, incluindo o diretor, Emin Huseinov, foram interrogados.

Quando as autoridades deduziram acusações de evasão fiscal e negócios ilícitos contra Emin Huseinov, o diretor da ONG refugiou-se na Embaixada da Suiça em Bacu. A missão diplomática suiça ofereceu-lhe o estatuto de proteção humanitária e Emin Huseinov ali continua a viver desde agosto de 2014. Este defensor de direitos humanos acredita que, se sair do edifício da embaixada, será detido imediatamente.

Em dezembro passado, as instalações em Bacu da Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade foram também alvo de buscas e encerradas por ordem da Procuradoria-Geral. Não foi dada nenhuma explicação oficial, porém foram confiscados documentos e equipamento, 12 funcionários detidos e interrogados, e apenas libertados após terem assinado uma cláusula de confidencialidade.

A jornalista Khadija Ismailova, da Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, foi detida naquela altura quando estava a investigar denúncias de ligações de familiares do Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev, a um projeto de construção em Bacu com avultados lucros. As autoridades acusaram-na de “incitamento ao suicídio de uma colega” e outras acusações politicamente motivadas. A colega referida na acusação veio mais tarde revelar que fora obrigada a apresentar uma queixa contra Khadija Ismailova e que a sua tentativa de suicídio nada tivera a ver com a jornalista detida.

Khadija Ismailova é visada por perseguição das autoridades há vários anos e enfrentam uma possível pena de 12 anos de prisão caso seja dada como culpada em julgamento.

Jovens ativistas

Este briefing mostra também que o Azerbaijão é um país perigoso para a juventude pró-democracia. Jovens do movimento cívico N!DA (“nida” significa exclamação em azeri), bem conhecido no país, e que usam o Facebook para dar voz às suas críticas e questionar as autoridades ou organizar manifestações pacíficas, têm vindo a ser detidos e acusados de posse de materiais explosivos e intenção de causar desordem pública.

A Amnistia Internacional crê que estas acusações são forjadas. Membros do N!DA foram espancados e torturados na tentativa de lhes serem extraídas confissões falsas. O ativista Shahin Novruzlu, de 17 anos, ficou sem quatro dentes durante o interrogatório a que foi submetido.

“Vivemos num reino de terror – toda a gente vive com medo… Os ataques ao N!DA passaram uma mensagem bastante forte aos outros ativistas no país: se o Governo consegue quebrar o N!DA, um grupo de jovens inteligentes, educados, então conseguem fazer o que seja a quem quer que ouse falar”, frisa Turgut Gambar, da direção do N!DA.

A Amnistia Internacional insta o Governo do Azerbaijão a libertar todos os prisioneiros de consciência no país imediatamente e de forma incondicional, e a respeitar a liberdade de expressão assim como a liberdade de reunião. E por seu lado, a comunidade internacional, incluindo governos e o Comité Olímpico Europeu, tem de exercer pressão sobre as autoridades azeris para o fazerem.

“O facto de o Azerbaijão ser anfitrião destes primeiros Jogos Europeus forneceu uma oportunidade rara de assegurar progressos no registo de direitos humanos do país. Mas o falhanço do Comité Olímpico Europeu e da comunidade internacional em fazerem-se ouvir por aqueles a quem não está a ser permitido falar, permite que as autoridades azeris continuem a sufocar a sociedade civil, independente e crítica”, remata o vice-diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, Denis Krivosheev.

 

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