19 Julho 2016

 

Os direitos humanos estão em perigo na Turquia, alerta a Amnistia Internacional, na esteira da sangrenta tentativa de golpe de Estado que ocorreu na sexta-feira, 15 de julho, e da qual resultou a morte de pelo menos 208 pessoas e perto de oito mil detenções. Vários responsáveis governamentais turcos sugeriram já repor a pena de morte no país como punição para os autores do golpe falhado, e a organização de direitos humanos está no terreno a investigar relatos de que detidos em Ancara e em Istambul foram submetidos a uma série de abusos, incluindo maus-tratos sob custódia das autoridades e a recusa de acesso a advogados.

(actualizado a 20 de julho)

“Só o número de detenções e de suspensões que foram feitas desde sexta-feira é alarmante e estamos a monitorizar a situação no terreno. A tentativa de golpe desencadeou uma violência pavorosa e os responsáveis pelas mortes ilegítimas e outros abusos de direitos humanos têm de ser julgados, mas a repressão em curso sobre a dissidência e a ameaça de regressar à pena de morte não são justiça”, frisa o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

O perito avança que “as autoridades turcas têm de mostrar contenção e respeitar o Estado de direito conforme desenvolvem as investigações necessárias, têm de levar a cabo julgamentos justos para todos os que estão detidos e libertar aqueles sobre os quais não existem provas concretas de terem participado em atos criminosos”. “O retrocesso em direitos humanos é a última coisa de que a Turquia precisa”, sustenta.

Apesar de os números exatos permanecerem pouco claros, as autoridades turcas reportam que foram mortas 208 pessoas e mais de 1 400 feridas, em Istambul e em Ancara, durante a tentativa de golpe na noite de sexta-feira, quando uma fação das forças militares do país tentou tomar o poder, invadindo estações de televisão e disparando contra o Parlamento e edifícios presidenciais.

Entre os mortos estão pelo menos 24 pessoas descritas pelas autoridades como “golpistas” e algumas das quais terão sido linchadas quando se apresentavam desarmadas e a tentarem render-se. Foram também mortos civis quando a população acorreu às ruas, após um apelo feito pelo Presidente, Recep Tayyip Erdogan, em protesto contra o golpe, e que enfrentou tanques e helicópteros de combate.

Nestes dias que se seguiram à tentativa de golpe, o Governo turco lançou uma série de purgas nas Forças Armadas, no sistema judicial e no ramo civil do Ministério do Interior: 7 543 “golpistas” foram detidos, 318 dos quais se encontram em prisão preventiva. Sete mil polícias foram suspensos e 2 700 juízes e procuradores afastados de funções, os quais representam quase um quinto do sistema judicial na Turquia. Foram ainda detidos 450 membros do sistema judicial.

Declarações feitas pelo Presidente e por responsáveis governamentais no sentido de que a pena de morte pode ser reposta retroativamente como punição para aqueles que organizaram e cometeram a tentativa de golpe constituem um fator de profunda apreensão para a Amnistia Internacional, pois tal violará as convenções de direitos humanos de que a Turquia é Estado-parte assim como as salvaguardas e proteções consagradas na Constituição do país.

“As detenções e suspensões de funções maciças causam intensa apreensão num contexto de crescente intolerância da dissidência pacífica por parte do Governo turco, e estamos perante o risco de que esta repressão se estenda a jornalistas e a ativistas da sociedade civil. Nos meses recentes, ativistas políticos, jornalistas e outros que fizeram ouvir críticas a responsáveis públicos ou a políticas governamentais têm sido frequentemente alvo de perseguição, e feitas buscas e apreensões nos órgãos de comunicação social”, descreve John Dalhuisen.

“É agora mais importante do que nunca que o Governo turco respeite os direitos humanos e o Estado de direito de uma forma que os responsáveis pela tentativa de golpe não fizeram”, remata o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central.

Purgas nos media ameaçam a liberdade de expressão

À medida que a vaga de repressão na Turquia continua, em resposta ao golpe falhado, a Amnistia Internacional receia que as purgas estejam a estender-se de forma a censurar os órgãos de comunicação social e jornalistas no país, incluindo aqueles que são críticos às políticas do Governo.

“Estamos neste momento a testemunhar uma repressão de proporções extraordinárias na Turquia. É compreensível e legítimo que o Governo queira investigar e punir os responsáveis pela falhada tentativa de golpe, mas tem de ser cumprido o Estado de direito e respeitada a liberdade de imprensa”, insta o investigador da Amnistia Internacional Andrew Gardner, que integra a missão da organização de direitos humanos que está no país.

Este perito sublinha que “o povo turco está ainda a apreender os eventos chocantes do passado fim-de-semana e é vital que a liberdade de imprensa e a livre circulação de informação sejam protegidas, em vez de reprimidas”.

A organização de direitos humanos apurou que as autoridades turcas bloquearam arbitrariamente o acesso a mais de 20 websites de notícias nos dias que se seguiram à tentativa de golpe. E na terça-feira, 19 de julho, foi amplamente reportado que o Governo revogou as licenças de transmissão/publicação a 25 órgãos de comunicação social no país, além de terem sido canceladas as carteiras profissionais a 34 jornalistas. Acresce que pelo menos uma jornalista foi alvo de um mandado de captura devido à cobertura que estava a fazer da tentativa de golpe.

A Amnistia Internacional reafirma que as autoridades turcas têm de respeitar os direitos humanos e não restringir arbitrariamente a liberdade de expressão.

 

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