14 Dezembro 2015

Passados 20 anos desde a assinatura do acordo de paz que pôs fim à guerra na Bósnia-Herzegovina, a resolução dos milhares de casos de desaparecimentos forçados permanece uma utopia, ao mesmo tempo que a discriminação e a vergonhosa falta de vontade política continuam a bloquear o acesso à justiça, à verdade e à compensação das vítimas, sustenta a Amnistia Internacional no dia do 20º aniversário do acordo de paz de Dayton.

O histórico acordo, assinado em Paris a 14 de dezembro de 1995, trouxe o fim do conflito armado que matara mais de 100 mil pessoas desde 1992, mas os líderes da Bósnia-Herzegovina não mostraram ainda um verdadeiro compromisso em que seja obtida justiça e compensações.

“Os líderes da Bósnia-Herzegovina têm de desbloquear imediatamente o acesso à justiça, à verdade e à reparação pelos crimes de guerra cometidos, incluindo para as vítimas de violência sexual. Estes passos fundamentais permitirão que o país avance, dando finalmente resolução às injustiças do passado”, frisa a vice-diretora da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, Gauri van Gulik.

E os líderes políticos da região de maioria sérvia República Srpska  [entidade territorial sérvia da Bósnia], têm repetidamente criado todo o tipo de obstáculos à investigação de crimes de guerra e à responsabilização dos autores desses atos. A decisão recente da República Srpska em suspender toda a cooperação com o tribunal da Bósnia-Herzegovina limita ainda mais o desenvolvimento eficaz das investigações e o julgamento dos suspeitos de responsabilidade criminal por crimes de guerra, os quais podem continuar a esconder-se no território daquela região.

O Governo central da Bósnia-Herzegovina tem também falhado no cumprimento daquilo que prometeu em termos de justiça. A estratégia nacional de justiça de transição, apesar de há muito escrita, jamais foi adotada e aprovada pelo poder político no país. A falta constante de financiamento e de recursos traduz-se em que muitas vítimas e familiares de vítimas vivem sabendo que os seus casos não serão investigados durante as suas vidas.

A Amnistia Internacional insta as autoridades da Bósnia-Herzegovina a assumirem realmente o compromisso de resolver os cerca de oito mil casos pendentes de desaparecimentos forçados da guerra, e a providenciarem o acesso à verdade, à justiça e à compensação das famílias.

Muitos sobreviventes e seus familiares nunca viram os seus casos serem avaliados, e outros batalham com atrasos nos processos ou acabam por descobrir que os processos foram efetivamente esmagados por obstáculos administrativos. O Governo da Bósnia-Herzegovina tem falhado na concretização da Lei sobre as Pessoas Desaparecidas, aprovada em 2004 com o objetivo de criar um fundo de apoio às famílias dos desaparecidos.

“Esta legislação traz um elemento crucial na garantia da compensação às famílias, que frequentemente ficaram empobrecidas por terem perdido durante a guerra a pessoa que providenciava o sustento familiar. Não se pode continuar a perder mais tempo”, exorta Gauri van Gulik.

Apurar o destino dos desaparecidos tem sido ainda mais dificultado pelos cortes de financiamento que têm sido feitos ao Instituto das Pessoas Desaparecidas, o que tem reduzido a capacidade para serem realizadas novas exumações, para a verificação de provas e a identificação dos restos mortais.

A guerra em que, ao longo de três anos, se bateram as forças militares da Bósnia-Herzegovina contra os sérvios bósnios e os croatas bósnios caracterizou-se pelo uso de campos de concentração, violência sexual e limpeza étnica. No massacre de Srebrenica, que visou muçulmanos bósnios, foram executados mais de oito mil rapazes e homens no mais grave crime cometido em solo europeu desde 1945.

Sobreviventes de violência sexual continuam a enfrentar numerosas dificuldades para obterem compensação, em especial na República Srpska, onde o seu estatuto de vítimas civis da guerra ainda é questionada, e muitas das vítimas foram estigmatizadas e ostracizadas.

Até em casos nos quais os tribunais determinaram que foi cometido um crime de guerra envolvendo violência sexual, a compensação não é amiúde entregue diretamente às vítimas dos crimes, as quais, aliás, são pressionadas a revelarem a sua identidade ao apresentarem queixas nos tribunais civis – o que as expõe a uma dupla vitimização e ao estigma social.

“Os interesses concorrentes entre si das elites políticas na Bósnia-Herzegovina têm consistentemente negado aos sobreviventes o direito a reparação e a ficarem plenamente reintegrados na sociedade, livres de discriminação. É mais do que chegada a altura para os líderes na Bósnia darem mostras de uma real vontade política em providenciar justiça e uma vida digna aos sobreviventes”, remata a vice-diretora da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central.

 

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