10 Fevereiro 2020

A Shell vai enfrentar um escrutínio jurídico sem precedentes, em 2020, depois de décadas de violações dos direitos humanos na Nigéria. A gigante do petróleo prepara-se para conhecer as conclusões de uma série de batalhas na justiça europeia, a partir de acusações que variam entre a cumplicidade em execuções até à poluição sistemática e aos danos ambientais no Delta do Níger.

Este esforço de relações públicas não deve desviar a atenção do facto de a Shell estar a enfrentar um ano de escrutínio jurídico sem precedentes

Mark Dummett, especialista em Empresas e Direitos Humanos da Amnistia Internacional

A Shell começou o ano com outra tentativa de fazer uma lavagem de cara ao papel que tem na crise climática, tentando apresentar-se como o futuro da energia, ainda que o planeta continue a arder. Este esforço de relações públicas não deve desviar a atenção do facto de a Shell estar a enfrentar um ano de escrutínio jurídico sem precedentes sobre os seus negócios na Nigéria”, nota Mark Dummett, especialista em Empresas e Direitos Humanos da Amnistia Internacional.

“Uma transição justa para as energias limpas também significa responsabilização dos poluidores do passado”

Mark Dummett, especialista em Empresas e Direitos Humanos da Amnistia Internacional

“O modelo de negócio da Shell permitiu que beneficiasse das fraquezas dos sistemas reguladores e de justiça da Nigéria, causando danos nas vidas e nos meios de subsistência, enquanto os lucros continuam a fluir para a sua sede na Europa. Uma transição justa para as energias limpas também significa responsabilização dos poluidores do passado”, assinala Mark Dummett.

Há 20 anos que a Amnistia Internacional investiga as atividades da Shell nesta região. Entre 2011 e 2018, foram relatados 1010 derrames de combustível, mas os dados da empresa não são confiáveis devido à fraca supervisão e independência da avaliação, denuncia a nossa investigação.

A Amnistia Internacional entrevistou diversas pessoas que vivem no Delta do Níger. O rei Okpabi, chefe tradicional da comunidade Ogale, expressou frustração pelo facto de a Shell nunca ter assumido responsabilidades, depois de ter “contaminado a água e destruído os meios de subsistência” das populações. “Agora está a gastar milhões para se proteger e dizer ao mundo que não tem responsabilidades para com o povo de Ogale”.

Alegações contra a Shell

Devido às dificuldades de avançar com os processos na Nigéria, as pessoas e as comunidades afetadas pelas operações da Shell estão a levar os casos para os Países Baixos e para o Reino Unido, onde a empresa está sediada. Este passo poderá abrir precedentes para que, no futuro, as multinacionais poluidoras sejam responsabilizadas.

Kiobel: Em março, um tribunal de Haia vai ouvir os testemunhos de quatro mulheres que acusam a Shell de cumplicidade na detenção, prisão e execução dos seus maridos, às mãos de militares nigerianos, em 1995. As viúvas reivindicam compensações e um pedido de desculpas público da empresa. As execuções foram o culminar de uma campanha brutal dos militares da Nigéria para silenciar protestos contra a poluição da Shell.

Four Farmers Cases: Em maio, é esperada a audiência final de um processo movido contra a Shell por quatro agricultores nigerianos e pela organização Friends of the Earth, em 2008. Em causa está uma compensação da Royal Dutch Shell (RDS) e da sua subsidiária nigeriana Shell Petroleum Development Company (SPDC), pelos alegados danos em reservas de peixes e terrenos agrícolas, causados ​​por derrames de petróleo. Este é o primeiro caso de uma empresa dos Países Baixos acusada num tribunal nacional pelas operações de uma subsidiária no exterior.

Okpabi: Em junho, um tribunal superior britânico vai apreciar um recurso contra a RDS e a SPDC movido pelas comunidades Ogale e Bille do Delta do Níger. Ambas alegam que, durante vários anos, sofreram as consequências da poluição sistemática e contínua das operações da Shell. Este caso é ilustrativo da forma como a estrutura da Shell protege-se, com a empresa a alegar que “a RDS não é responsável pelas ações da sua subsidiária, apesar de possuir 100 por cento da SPDC e receber os lucros que obtém”, nota Mark Dummett.

Bodo: Em 2008, ocorreram dois grandes derrames de petróleo, causados ​​por oleodutos da Shell com fraca manutenção, num curso de água próximo da comunidade Bodo. Nos dois casos, o combustível foi derramado durante cinco semanas. A Shell, que estabeleceu um acordo com a comunidade em 2014, ainda não limpou as águas de Bodo. Se a poluição não for eliminada até em meados deste ano, o caso será remetido ao Supremo Tribunal do Reino Unido.

Caso “OPL 245”: Procuradores em Itália estão a acusar a Shell e a multinacional italiana de petróleo Eni pelo alegado envolvimento num esquema de suborno no valor de 1,3 mil milhões de dólares norte-americanos, ligado à transferência de uma licença de petróleo na Nigéria. Se forem considerados culpados, os arguidos podem ser condenados a penas de prisão.

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