- Requerentes de asilo e migrantes encontram-se detidos ilegalmente, em violação do seu direito à liberdade;
- Condições punitivas não cumprem o direito e as normas internacionais;
- Legislação e práticas italianas não estão em conformidade com as obrigações internacionais e violam os direitos de asilo e de acesso à justiça;
- Preocupações da Amnistia Internacional são ainda mais urgentes, considerando a decisão italiana de construir centros de detenção em território albanês.
Em Itália, os migrantes e os requerentes de asilo estão a ser ilegalmente privados da sua liberdade em centros de detenção que não cumprem as normas internacionais. Estas são as conclusões que a Amnistia Internacional dá a conhecer na sua nova declaração pública, denominada “Liberdade e Dignidade: Observações da Amnistia Internacional sobre a detenção administrativa de migrantes e requerentes de asilo em Itália“.
Dinushika Dissanayake, diretora regional adjunta da Amnistia Internacional para a Europa, defende que, embora a detenção deva ser excecional e vista como uma medida de último recurso, não é isso que atualmente se verifica:
“Nos centros que visitámos, encontrámos pessoas racializadas que nunca deveriam ter sido detidas. Pessoas com graves problemas de saúde mental. Pessoas que procuram asilo devido à sua orientação sexual ou ativismo político, mas que vêm de países que o governo italiano designou arbitrariamente como “seguros”. Pessoas com responsabilidades de prestação de cuidados, que escapam à violência baseada no género ou à exploração laboral. Estas ordens de detenção desnecessárias desorganizam a vida, a saúde e as famílias das pessoas”, salienta Dinushika Dissanayake.
“Estas ordens de detenção desnecessárias desorganizam a vida, a saúde e as famílias das pessoas”
Dinushika Dissanayake
Em 2023, o governo italiano adotou medidas destinadas a expandir a prática de detenção por motivos de migração. Estas medidas integravam planos para a construção de novos centros de detenção, o prolongamento do tempo máximo de detenção para repatriamento (18 meses) e a aplicação de “procedimentos fronteiriços” a pessoas que procuram asilo em “países seguros”, o que resulta na detenção automática de pessoas com base na sua nacionalidade, em contradição com o direito internacional que exige uma avaliação individual.
À luz destes desenvolvimentos e de relatos consistentes sobre as condições de detenção e tratamento precárias, a Amnistia Internacional visitou dois centros de detenção, Ponte Galeria (Roma) e Pian del Lago (Caltanissetta), em abril de 2024. Nestes centros, os delegados reuniram-se com pessoas da Tunísia, Irão, Geórgia, Marrocos, Peru, Egito, Gâmbia e China, entre outros. A declaração pública da Amnistia Internacional descreve, em pormenor, as conclusões das visitas e destaca as informações recolhidas em reuniões com as autoridades, os advogados e os representantes de organizações da sociedade civil.
“O fracasso das autoridades italianas em criar um sistema eficaz de alternativas à detenção, combinado com um processo legal inadequado e supervisionado por juízes não profissionais, está a provocar um abuso da detenção. A legislação e as práticas italianas não são compatíveis com o direito e as normas internacionais e resultam em violações, não só do direito à liberdade, mas também dos direitos de asilo, de recurso efetivo e de assistência jurídica”, alerta Dinushika Dissanayake.
“A legislação e as práticas italianas não são compatíveis com o direito e as normas internacionais e resultam em violações, não só do direito à liberdade, mas também dos direitos de asilo, de recurso efetivo e de assistência jurídica”
Dinushika Dissanayake
A Amnistia Internacional constatou também que as condições nos centros não estavam em conformidade com o direito e as normas internacionais em vigor. A detenção administrativa relacionada com a migração não deve ter um carácter punitivo e não deve estabelecer condições semelhantes às de uma prisão. Apesar disso, os centros visitados pela Amnistia Internacional pareciam extremamente restritivos, vazios e inadequados do ponto de vista da saúde e da segurança.
As pessoas não podiam circular livremente, nem mesmo dentro das estruturas, e precisavam de autorização e acompanhamento das autoridades. O mobiliário e a roupa de cama eram bastante modestos, com colchões de espuma colocados em camas de betão. As casas de banho estavam em más condições e, em alguns casos, não tinham portas. Os interruptores de luz eram ligados e desligados pelos guardas e as janelas eram hermeticamente fechadas. Os smartphones pessoais estavam proibidos.
A detenção administrativa relacionada com a migração não deve ter um carácter punitivo e não deve estabelecer condições semelhantes às de uma prisão
“As pessoas são forçadas a passar todo o seu tempo em espaços vedados, em condições que são, em muitos aspetos, piores do que as de uma prisão, e é-lhes negado o mínimo de autonomia. Apesar dos longos períodos de detenção, há uma ausência quase total de atividades, o que, combinado com a falta de informação sobre o seu futuro, leva a um enorme desgaste psicológico entre as pessoas detidas”, revela Dinushika Dissanayake.
As autoridades italianas devem melhorar estas condições, que violam o direito à dignidade das pessoas. Os planos de construção de novos centros em Itália, combinados com a introdução de procedimentos fronteiriços obrigatórios ao abrigo do Pacto da UE sobre Migração e Asilo e a próxima implementação do acordo Itália-Albânia, mostram como é cada vez mais urgente atuar para evitar novas violações do direito internacional que afetarão um grande número de pessoas.
“A detenção relacionada com a migração deve ser utilizada apenas nas circunstâncias mais excecionais. Sempre que necessário e adequado, devem ser consideradas, em primeiro lugar, medidas alternativas e menos coercivas. As pessoas que procuram proteção internacional não devem ser detidas”, lembra Dinushika Dissanayake. A diretora regional adjunta da Amnistia Internacional para a Europa, alerta ainda que “em casos particulares em que a detenção é considerada necessária e proporcional, as autoridades italianas devem proceder a avaliações rigorosas e frequentes da elegibilidade das pessoas para a detenção”.
“Apesar dos longos períodos de detenção, há uma ausência quase total de atividades, o que, combinado com a falta de informação sobre o seu futuro, leva a um enorme desgaste psicológico entre as pessoas detidas”
Dinushika Dissanayake
“O governo deve garantir que as condições nos centros de detenção respeitam a dignidade humana, proporcionando alojamento adequado e seguro e oportunidades para os indivíduos estarem em contacto com o mundo exterior e utilizarem o seu tempo de forma significativa. É extremamente necessário um afastamento da atual abordagem punitiva das políticas de controlo da migração”, conclui Dinushika Dissanayake.
Contexto
A Amnistia Internacional visitou a itália de 8 a 13 de abril de 2024 para recolher informações sobre o respeito e a proteção dos direitos humanos nos centros de detenção de migrantes. Os delegados visitaram os centros de detenção de Ponte Galeria (Roma) e Pian del Lago (Caltanissetta), onde puderam falar com funcionários da segurança pública e trabalhadores das instalações, e realizar entrevistas privadas com pessoas detidas.
No dia 11 de junho, a Amnistia Internacional enviou uma carta aos ministros italianos do Interior, da Justiça e da Saúde, detalhando as conclusões da sua investigação e oferecendo uma oportunidade de resposta. A 24 de junho, o Departamento para as Liberdades Civis e a Imigração e o Departamento para a Segurança Pública do Ministério do Interior enviaram respostas separadas, cujo conteúdo se encontra refletido na declaração pública.