28 Agosto 2019

Com campanhas efetivas e o poder da mobilização, 2019 tem tido avanços nos direitos humanos. Vamos conhecer e celebrar algumas das vitórias que têm marcado este ano, sem esquecer que a nossa missão ainda não acabou.

 

JANEIRO

Julián Carrillo. © Amnistia Internacional / Marianne Bertrand

Como tributo a Julián Carrillo, um defensor dos direitos ambientais morto em outubro de 2018, lançámos Entre as balas e a negligência, uma compilação sobre as falhas na proteção dos defensores dos direitos humanos e ambientais, no México. Algumas horas após a divulgação, dois suspeitos foram detidos, demonstrando o impacto imediato que a Amnistia Internacional consegue ter sobre a justiça.

Rahaf Mohammed al-Qunun, uma mulher da Arábia Saudita com 18 anos, recebeu proteção do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) na Tailândia, após fugir de violência, abuso e ameaças de morte por parte da sua família no país natal. O nosso trabalho persistente sobre o seu caso contribuiu para um desfecho maravilhoso, tendo-lhe sido concedido asilo no Canadá, onde está em segurança.

O parlamento angolano aprovou uma revisão do Código Penal para remover uma disposição amplamente interpretada como uma forma de criminalizar as relações entre pessoas do mesmo sexo. Esta decisão foi mais além, já que acabou por prever que passasse a ser crime a discriminação baseada na orientação sexual – o primeiro país a dar este passo em 2019.

 

FEVEREIRO

Abdul Aziz Muhamat. © Michael Green

Abdul Aziz Muhamat, um ativista e refugiado sudanês detido na ilha de Manus desde 2013, foi galardoado com o Prémio Martin Ennals 2019. Abdul foi um dos casos da campanha Maratona de Cartas de 2018, o que aumentou o reconhecimento internacional enquanto defensor dos direitos humanos. No início deste ano, o seu pedido de asilo foi reconhecido na Suíça, onde obteve residência permanente.

Depois de ter passado 76 dias detido na Tailândia, o futebolista e refugiado Hakeem al-Araibi pôde regressar a sua casa, em Melbourne, a 12 de fevereiro. Nascido no Bahrein, o atleta tinha sido detido à chegada a Banguecoque, a 27 de novembro de 2018, devido a um falso alerta vermelho da Interpol. Uma campanha lançada pela Amnistia Internacional e por outros grupos desenvolveu-se para se tornar no movimento #SaveHakeem (Salvem Hakeem), abrangendo três continentes, futebolistas, atletas olímpicos e outras celebridades. No total, recebeu o apoio de mais de 165 mil pessoas. Hakeem al-Araibi é conhecido por ser um crítico pacífico e frontal das autoridades do Bahrein.

A Austrália aprovou uma lei que facilita a transferência de refugiados, detidos nas ilhas de Manus e Nauru, que precisam de cuidados de saúde urgentes. A Amnistia Internacional, que fez parte de uma coligação de organizações e pessoas, e os próprios refugiados conseguiram atingir este enorme resultado.

Após ter sido notícia em todo o mundo e alvo de uma campanha da Amnistia Internacional, as autoridades sauditas reverteram a execução da ativista saudita Israa al-Ghomgham, por acusações relacionadas com a participação pacífica em protestos. Apesar de ainda enfrentar uma pena de prisão, continuamos a pedir a sua libertação imediata e incondicional.

 

MARÇO

Amigos e familiares de Marielle Franco. © Elisângela Leite

Numa altura em que o Brasil se preparava para assinalar o primeiro ano após a morte de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro e destacada defensora dos direitos humanos no país, a polícia deteve duas pessoas. Tratou-se do primeiro sinal de progresso no caso que a Amnistia Internacional tem vindo a acompanhar.

Escassos dias após a Amnistia Internacional e outras ONG terem alertado para as consequências de um projeto-lei sobre crime informático que minaria a liberdade de expressão no Iraque, o parlamento recuou e disse-nos que as preocupações levantadas “foram ouvidas”. A Amnistia Internacional também apelou ao Governo Regional do Curdistão (GRC) para retirar todas as acusações relacionadas com liberdade de expressão contra jornalistas e ativistas que tinham sido detidos, arbitrariamente, no seguimento de protestos. Na mesma semana, todos foram libertados e o GRC emitiu uma declaração onde clarificava que a decisão foi tomada devido ao pedido da Amnistia Internacional.

Durante a última sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, foi adotada uma resolução histórica que reconhece o importante papel dos defensores dos direitos humanos e ambientais. A mesma apela aos estados para que garantam segurança e promovam iniciativas organizadas por jovens, como é o caso das greves estudantis pelo clima.

Após a publicação da investigação da Amnistia Internacional intitulada A Guerra Oculta dos EUA na Somália, o Comando dos Estados Unidos para a África (U.S. AFRICOM, na sigla inglesa) admitiu, pela primeira vez, que mataram ou feriram civis na Somália. Este relatório abriu ainda caminho para uma investigação e revisão dos ataques aéreos, culminando na divulgação de documentos militares que confirmam que o exército norte-americano tinha conhecimento de mais baixas civis resultantes de outros bombardeamentos na Somália.

 

ABRIL

Esther Kiobel. © Amnistia Internacional

Há dois anos, Esther Kiobel e outras três mulheres enfrentaram uma das mais poderosas petrolíferas do mundo, a Shell, numa luta por justiça. Esther tem visado a empresa devido ao papel que terá tido na execução arbitrária do marido, um ativista nigeriano. A Amnistia Internacional partilhou mais de 30 mil mensagens de solidariedade com esta mulher e, em abril, o tribunal de Haia emitiu uma resolução interina no sentido de ter competências para tratar o caso, que não prescreveu. “Saudamos Esther Kiobel, Victoria Bera, Blessing Eawo e Charity Levula. Foi somente graças à sua coragem e persistência que chegámos tão longe”, disse o perito Mark Dummett, especialista em Empresas e Direitos Humanos da Amnistia Internacional.O presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, anunciou que, em breve, será aprovada legislação para abolir a pena de morte. No mesmo mês, a Amnistia Internacional publicou o relatório anual sobre as execuções em 2018.

O jornalista moçambicano Amade Abubacar, detido arbitrariamente em janeiro e mantido incomunicável, foi libertado após uma campanha da Amnistia Internacional. No entanto, sobre ele continuam a recair acusações falsas.

O Tribunal Constitucional da Coreia do Sul emitiu uma resolução histórica ordenando ao governo que descriminalize o aborto e reforme as leis altamente restritivas do país. No final de 2020, a lei sul-coreana deverá ser revista – uma vitória para os apoiantes da igualdade, dos direitos das mulheres e da autonomia sobre o nosso corpo.

 

MAIO

Taiwan foi o primeiro território a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. © Amnistia Internacional

Taiwan tornou-se no primeiro território da Ásia a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, depois de aprovar uma lei histórica a 17 de maio, com os primeiros matrimónios a terem lugar no dia 24 do mesmo mês. Em conjunto com grupos de defeso dos direitos LGBTI, a Amnistia Internacional desenvolveu campanhas por este desfecho, ao longo de muitos anos. Além de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a lei permite direitos de adoção, ainda que limitados.

O presidente da Gâmbia, Adama Barrow, comutou as penas de morte de 22 prisioneiros para prisão perpétua. A decisão foi tomada no seguimento de uma missão da Amnistia Internacional ao país para apresentar às autoridades uma série de recomendações, que abrangiam dez áreas. Entre estas estavam a abolição da pena de morte e a comutação das sentenças para penas de prisão.

A Organização Mundial de Saúde deixou de caraterizar as pessoas transgénero como tendo desordens mentais e comportamentais. Desde 2014, a Amnistia Internacional tem desenvolvido campanhas neste campo.

A decisão da FIFA de abandonar os planos para expandir o Campeonato do Mundo de Futebol de 2022, que terá lugar no Qatar, para outros países da região é uma vitória dos direitos humanos. A Amnistia Internacional trabalhou em conjunto com uma coligação de ONG, sindicatos, jogadores e adeptos para alertar para os riscos deste alargamento da competição, incluindo a situação dos trabalhadores migrantes envolvidos na construção das infraestruturas, exigindo à FIFA que cumpra com as normas de responsabilidade empresarial de forma a respeitar os direitos humanos. O resultado final demonstra quão impactante pode ser a colaboração e como, juntos, podemos usar os direitos humanos para responsabilizar corporações poderosas.

 

JUNHO

O secretário-geral da Amnistia Internacional, Kumi Naidoo, com Greta Thunberg. © Amnistia Internacional

A jovem ativista Greta Thunberg e o movimento estudantil Fridays for Future foram designados Embaixadores de Consciência da Amnistia Internacional em 2019. A distinção, a mais importante da organização, celebra o exemplo de pessoas que demonstraram liderança e coragem únicas na defesa dos direitos humanos. “O prémio não é meu, é de todos. É incrível ver o reconhecimento que estamos a receber e sabemos que estamos a lutar por algo com impacto”, afirmou Greta Thunberg.

O Canadá tornou-se no 104.º estado-parte a aderir ao Tratado Sobre o Comércio de Armas. Um tribunal do Reino Unido emitiu uma decisão histórica, declarando ilegal o licenciamento das exportações de equipamento militar para a Arábia Saudita, usadas posteriormente no conflito do Iémen. O Senado dos Estados Unidos votou o bloqueio de uma venda de armas no valor de cerca de sete mil milhões de dólares americanos à coligação saudita e dos Emirados Árabes Unidos, que apoia a incursão no Iémen. A Bélgica cancelou várias licenças de exportação de armas para a Arábia Saudita e ordenou uma investigação, depois de termos revelado armamento belga usado por grupos de milícias. Seguiram-se decisões semelhantes em Itália e na Suíça, culminando com a Assembleia-Geral da ONU a aprovar uma resolução no sentido de criar leis internacionais que proíbam o comércio de dispositivos de tortura.

Os episódios de violência policial contra manifestantes em Hong Kong levaram a Amnistia Internacional a mostrar as provas de uma atuação desajustada das autoridades. Até porque os protestos saíram às ruas de forma pacífica.

As autoridades sauditas suspenderam a execução de Murtaja Qureiris, um jovem que foi detido aos 13 anos por delitos que terá cometido, alegadamente, aos dez anos.

No Botswana, um tribunal aprovou a descriminalização das relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo, no seguimento de fortes campanhas, incluindo da Amnistia Internacional.

A Grécia alterou a lei para reconhecer que sexo sem consentimento é violação, num passo há muito esperado. Já o governo dinamarquês comprometeu-se a fazer o mesmo. A persistência e coragem das vítimas e dos ativistas conseguiram criar uma verdadeira dinâmica sobre este tema, por toda a Europa. A Amnistia Internacional tem estado a acompanhar de perto vários casos e divulgou um relatório sobre os obstáculos que ainda persistem quando casos de violação chegam à justiça.

Tom Ciotkowski, um defensor dos direitos humanos britânico acusado de desacatos e agressão quando documentava o comportamento abusivo da polícia enquanto auxiliava refugiados e migrantes na cidade francesa de Calais, foi absolvido.

 

JULHO

Ativistas em protesto contra o Dragonfly. © Amnistia Internacional

Numa audiência no Congresso dos EUA, um executivo da Google confirmou que a empresa tinha “extinto” o projeto Dragonfly, que tinha como objetivo desenvolver um motor de busca que facilitaria a vigilância repressiva e a censura da Internet por parte do governo chinês. Antes, a Amnistia Internacional tinha lançado a campanha #DropDragonfly.

Através de uma combinação de trabalho mediático, apoio a manifestações e lóbi, a Amnistia Internacional montou uma campanha no Sri Lanka, bem-sucedida, que conseguiu suspender temporariamente as primeiras execuções naquele país em 43 anos. No final de outubro, o Supremo Tribunal retomará o caso.

 

AGOSTO

A Amnistia Internacional continua a defender e promover os direitos e liberdades das mulheres na Arábia Saudita. © Amnistia Internacional

Durante décadas, a Amnistia tem alertado para a discriminação generalizada enfrentada pelas mulheres na Arábia Saudita, graças ao sistema de tutela masculina altamente repressivo. Em agosto, o país anunciou importantes reformas, aliviando algumas das principais restrições impostas às mulheres, como o direito a obterem um passaporte, o que deverá possibilitar-lhes viajar sem autorização de um tutor masculino. As alterações também garantem o direito de registarem casamentos, divórcios, nascimentos e óbitos, bem como obter registos de família. Apesar de olharmos com satisfação para estas mudanças, muitas das pessoas que defenderam os direitos das mulheres na Arábia Saudita continuam na prisão. Devemos fazer tudo para conseguir a sua liberdade.

Depois de ter sido libertado, o blogger mauritano Mohamed Mkhaïtircondenado à morte e mantido sob detenção arbitrária durante mais de cinco anos após publicar conteúdos sobre a discriminação entre castas –  disse: “Sem o vosso empenho, não teria sido libertado. Durante cinco anos na prisão, só vi o sol seis vezes. Tanta coisa mudou nos últimos cinco anos, ainda estou a ajustar-me à vida fora da prisão. Agora que estou livre, a minha esperança é retomar os estudos”.

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