24 Novembro 2017

Nova pesquisa feita pela Amnistia Internacional revela o impacto alarmante que abusos e assédio nas redes sociais estão a ter sobre as mulheres, com relatos feitos por todo o mundo dando conta de ansiedade, stress e ataques de pânico provocados por estas experiências online danosas.

A organização de direitos humanos comissionou uma sondagem à IPSOS MORI, que analisou as experiências de mulheres entre os 18 e os 55 anos na Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Itália, Nova Zelândia, Polónia, Reino Unido e Suécia. De forma preocupante, quase um quarto das inquiridas (23%) nos oito países reportaram ter sido alvo de abusos ou assédio online pelo menos uma vez, variando entre 16% de casos registados em Itália e 33% nos Estados Unidos.

A conclusão é inquietante: 41% das mulheres que foram alvo de abusos e de assédio online declararam que, em pelo menos uma ocasião, estas experiências as fizeram sentir que a sua segurança física estava ameaçada.

“A internet pode ser um lugar tóxico e assustador para as mulheres. Não é segredo que a misoginia e os abusos estão em expansão nas plataformas das redes sociais, mas esta sondagem vem demonstrar agora o quão danosas são as consequências dos abusos online para as mulheres que são visadas”, explica a investigadora da Amnistia internacional Azmina Dhrodia, perita em Tecnologia e Direitos Humanos.

“A internet pode ser um lugar tóxico e assustador para as mulheres. […] esta sondagem vem demonstrar agora o quão danosas são as consequências dos abusos online para as mulheres que são visadas.”

Azmina Dhrodia, investigadora da Amnistia Internacional sobre Tecnologia e Direitos Humanos

“E isto não é algo que desapareça quando se desliga. Imagine-se o que é receber ameaças de morte ou de violação quando se abre uma aplicação no telemóvel. Ou viver sob o medo de que fotos privadas ou de natureza sexual sejam partilhadas online sem o nosso consentimento. O perigo particular dos abusos no espaço digital reside na rapidez com que podem multiplicar-se – um tweet abusivo pode tornar-se numa vaga enorme de ódio dirigido a uma pessoa em apenas alguns minutos. É fundamental que as empresas de redes sociais comecem verdadeiramente a tratar este problema com seriedade”, insta ainda Azmina Dhrodia.

Stress, ansiedade, ataques de pânico

Nesta sondagem, publicada a 20 de novembro, a Amnistia Internacional inquiriu mulheres que se descreveram como utilizadoras da internet entre o moderado e ativo e consultou-as sobre as suas experiências de abusos e assédio online.

Em todos os países em que a sondagem foi conduzida, quase metade (46%) das inquiridas que passaram por experiências de abusos e assédio declararam que estes eram de natureza misógina ou sexista.

Entre um quinto (19% em Itália) e 25% das mulheres que foram alvo de abusos e assédio reportaram que tal incluiu ameaças de ataques físicos ou sexuais.

De entre as participantes na sondagem, 58% – no total de todos os países – que sofreram abusos ou assédio disseram que os mesmos incluíam racismo, sexismo, homofobia ou transfobia. E 26 % declararam que foram partilhados nesses atos de abuso e assédio online seus detalhes pessoais ou que permitiam a sua identificação (prática conhecida como “doxxing”).

Mais de metade (59%) das mulheres que foram alvo de abusos ou assédio online reportaram que os mesmos tinham origem em pessoas que lhes eram totalmente desconhecidas.

O impacto psicológico dos abusos online pode ser devastador:

  • em todos os países em que foi feita esta sondagem, 61% das inquiridas que reportaram ter sido alvo de abusos ou assédio online disseram que sentiram baixas de autoestima ou perdas de autoconfiança em resultado daqueles abusos
  • mais de metade (55%) disseram ter tido stress, ansiedade ou ataques de pânico depois de terem sido alvo de abusos ou assédio online
  • 63% afirmaram que não conseguiram dormir devido aos abusos ou assédio online de que foram alvo. Pelo menos três quartos das inquiridas na Nova Zelândia reportarem este impacto nas suas vidas
  • mais de metade das mulheres entrevistadas (56%) indicaram que os abusos e assédio online fizeram com que não se conseguissem concentrar durante longos períodos de tempo

Efeito silenciador

As plataformas das redes sociais, especialmente para as mulheres e para grupos marginalizados, são um espaço crítico para as pessoas exercerem o direito à liberdade de expressão. A violência e os abusos online constituem uma ameaça direta a esta liberdade de expressão.

Mais de três quartos (76%) das mulheres que afirmaram ter sido visadas com abusos ou assédio numa plataforma de redes sociais alteraram a forma como usam essas plataformas. Aqui se inclui terem limitado aquilo sobre o qual publicam – 32% das mulheres declararam que pararam de publicar conteúdos em que expressavam a sua opinião em determinados assuntos.

“As redes sociais ajudaram a amplificar a liberdade de expressão, incluindo o acesso à informação em muitos aspetos. Mas conforme a discriminação e violência contra as mulheres fora do espaço digital migraram para o mundo online, muitas mulheres estão a afastar-se do debate público ou a autocensurarem-se, porque têm medo pela sua segurança ou que a sua privacidade seja violada”, avança Azmina Dhrodia.

“Muitas mulheres estão a afastar-se do debate público ou a autocensurarem-se, porque têm medo pela sua segurança ou que a sua privacidade seja violada.”

Azmina Dhrodia, investigadora da Amnistia Internacional sobre Tecnologia e Direitos Humanos

Cerca de um quarto (24%) das inquiridas que declararam ter sido alvo de abusos expressaram que tal as fez temer pela segurança das suas famílias.

Empresas das redes sociais não estão a fazer o suficiente

Todos as formas de violência e abusos online exigem respostas por parte dos governos, das empresas, ou de ambos, dependendo do seu tipo e gravidade.

Em todos os países participantes nesta sondagem, significativamente mais mulheres inquiridas (57%) disseram que as políticas governamentais para responder aos abusos são inadequadas versus as que o consideraram adequadas. Cerca de um terço das mulheres no reino Unido (33%), nos Estados Unidos e na Nova Zelândia (32%) indicaram que a resposta da polícia aos abusos online é desadequada.

A sondagem revela também que as mulheres sentem que as empresas de redes sociais têm de fazer mais nesta matéria. Apenas 18% das mulheres inquiridas em todos os oito países consideraram que as respostas dadas pelas empresas de redes sociais foram muito, razoavelmente ou completamente adequadas.

“As empresas das redes sociais têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos, incluindo o direito de liberdade de expressão. Têm de garantir que as mulheres que utilizam as suas plataformas o podem fazer livremente e sem medo”, insta a investigadora em Tecnologia e Direitos Humanos da Amnistia Internacional.

“As empresas das redes sociais têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos, incluindo o direito de liberdade de expressão.”

Azmina Dhrodia, investigadora da Amnistia Internacional sobre Tecnologia e Direitos Humanos

A organização de direitos humanos considera que o direito à liberdade de expressão protege a expressão do que possa ser ofensivo, profundamente perturbador e sexista. Porém, a liberdade de expressão não inclui a defesa do ódio nem da violência. Além de que o direito à liberdade de expressão tem de poder ser exercido e fruído de forma igual por todas as pessoas, no que se integra o direito das mulheres se expressaram e viverem a salvo de violência e de abusos, tanto online como fora do espaço digital.

As plataformas das redes sociais sustentam explicitamente que não toleram abusos direcionados com base no género das pessoas ou outras formas de identidade; têm agora de fazer cumprir os padrões definidos para as suas próprias comunidades. E têm de habilitar e capacitar os seus utilizadores a fazerem uso das medidas de segurança e de privacidade como o bloqueamento, a desativação de interações e a filtragem de conteúdos. Tal permitirá que as mulheres – e todos os utilizadores das redes sociais em geral – façam uma curadoria menos tóxica e danosa das suas experiências online.

É também necessário que as empresas das redes sociais assegurem que há moderadores treinados para identificar ameaças e abusos de género e outras relacionadas com questões de identidade nas usas plataformas.

A Amnistia Internacional exorta também os governos a garantirem que existem leis, políticas, práticas e treino adequados para prevenir e pôr fim à violência e aos abusos contra as mulheres. Porém, é crucial que nenhumas restrições ou penalizações indevidas são acionadas sobre o legítimo exercício da liberdade de expressão. Confrontar e erradicar a violência e os abusos online não pode ser usado como uma desculpa para reduzir o exercício da liberdade de expressão.

Metodologia da sondagem

Esta pesquisa foi feita pela IPSOS MORI, com uso de uma quota online de 500 mulheres, entre os 18 e os 55 anos, em cada um dos oito países, recorrendo ao IPSOS Online Panel System.

Em cada um dos oito países, foram definidas quotas de trabalho referentes à idade, região e situação de emprego das mulheres inquiridas, de acordo com as proporções da população conhecidas em cada um dos países.

Os dados foram avaliados usando um método de análise RIM para corrigir potenciais desequilíbrios nas amostras.

A amostra considerada nesta sondagem em cada um dos oito países foi concebida de forma a ser representativa nacionalmente para o país respetivo.

A margem de erro na amostra total de cada um dos países varia entre 3% e 4%.

Foram inquiridas 4 000 mulheres no total dos oito países, das quais 911 reportaram ter sido alvo de abusos ou assédio online e 688 que indicaram que tal lhes aconteceu em redes sociais.

  • Artigo 19

    A liberdade de expressão é protegida pelo Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

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