A lei que despenalizou a interrupção voluntária da gravidez (IVG), em Portugal, até às dez semanas, fez em abril de 2025, 18 anos.
De acordo com dados disponibilizados pela Direção-Geral de Saúde, este cuidado de saúde foi realizado em 16 559 casos no ano de 2023. No entanto, a existência da lei que entrou em vigor em 2007, não significa que, na prática, a interrupção voluntária da gravidez seja acessível e plenamente realizada para todos em Portugal.
Qual é o problema?
Há direitos fundamentais que são inalienáveis para todos: o direito à vida, à saúde e a não ser vítima de violência, discriminação e tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante. Obrigar alguém a levar adiante uma gravidez não desejada, ou obrigá-la a recorrer a um aborto inseguro, é uma violação dos seus direitos humanos, incluindo os direitos à privacidade e à sua autonomia reprodutiva.
Neste sentido, as leis e políticas que afetam a vida de todas as pessoas que podem engravidar devem garantir o acesso ao aborto seguro e à plena autonomia sobre os seus corpos. As leis, políticas ou outras barreiras que restringem este acesso violam os direitos humanos das mulheres e das pessoas que podem engravidar. As pessoas que decidem fazer um aborto também enfrentam o estigma social que dificulta o exercício dos seus direitos. Aqueles que já são marginalizados são desproporcionalmente afetados por estas leis e barreiras. Entre elas contam-se pessoas com rendimentos fixos ou baixos, adolescentes, mulheres e raparigas lésbicas e bissexuais, pessoas trans e não-binárias, refugiados e migrantes, bem como outras minorias.
Em junho de 2025, a Amnistia Internacional – Portugal publicou o relatório “Uma opção sem escolha: Interrupção Voluntária da Gravidez em Portugal”. Neste relatório fazemos um retrato de algumas das barreiras ao acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em Portugal:
– A FALTA DE ACESSO À IVG EM TODO O PAÍS – De acordo com informações recolhidas pela Amnistia Internacional Portugal, em maio de 2025, não existia nem na Ilha do Faial, nem na Ilha Terceira, nos Açores, estabelecimentos de saúde que realizassem IVG, obrigando as pessoas que optem por interromper a gravidez a voar mais de 1 500 quilómetros para fazerem um aborto. Dados de 2023, mostravam que a situação na região do Alentejo também era grave: em 696 interrupções voluntárias da gravidez solicitadas por pessoas residentes na região, apenas 190 (27%) foram efetuadas em hospitais da mesma região.
– UM DOS LIMITES GESTACIONAIS MAIS CURTOS DA EUROPA – Portugal, juntamente com a Croácia, o Montenegro, a Sérvia, a Bósnia-Herzegovina, a Eslovénia e a Turquia, tem atualmente o limite mais curto da Europa para a realização de uma interrupção voluntária da gravidez: 10 semanas.
– UM PERÍODO DE REFLEXÃO OBRIGATÓRIO DE PELO MENOS TRÊS DIAS – Portugal é um de treze países europeus onde a legislação impõe um período de reflexão obrigatório entre o pedido de interrupção voluntária da gravidez e a data em que o procedimento é efetuado. A medida vai contra a recomendação da Organização Mundial de Saúde de que as leis não devem impor atrasos desnecessários, uma vez que estes podem dificultar o acesso a cuidados atempados e a preços acessíveis, restringir os direitos humanos e a tomada de decisões autónomas.
– A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO DAS RECUSAS MÉDICAS POR MOTIVOS DE CONSCIÊNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE acaba por resultar muitas vezes na negação ou obstrução do acesso à interrupção da gravidez por parte das pessoas grávidas que precisem ou desejem realizá-la – A existência de pessoal médico que se recusa a efetuar o procedimento por motivos de consciência é a razão invocada por dez dos 11 hospitais que não realizaram a IVG até às 10 semanas, de acordo com os dados do último relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde.
Os dados recolhidos pela Amnistia Internacional apontam que todas estas barreiras podem estar a contribuir para que, desde 2019, mais de 2 500 grávidas residentes em Portugal tivessem de atravessar a fronteira em busca de uma solução em Espanha.
Além disso, nestes 18 anos de existência da lei em Portugal, continua a ser preocupante o nº de denúncias de alegados “crimes de aborto” e a existência de 33 condenações em tribunais de 1ª instância.
Para garantir que os direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas que podem engravidar são protegidos, respeitados e cumpridos, o relatório da Amnistia Internacional – Portugal contém uma série de recomendações às autoridades portuguesas. Procuramos assim garantir o acesso ao aborto a todas as pessoas que dele necessitem e em conformidade com o direito e as normas internacionais, nomeadamente em relação à não discriminação, ao direito à saúde, à privacidade e ao acesso à informação.
O que pode fazer?
Assine a petição e peça à Assembleia da República que dê início a um processo de revisão da legislação para que esta fique em conformidade com as Diretrizes da Organização Mundial de saúde para os Cuidados do Aborto de 2022, o direito e as normas internacionais, e que exerça os seus poderes de controlo para assegurar o acesso à interrupção voluntária da gravidez a todos e a sua implementação efetiva, equitativa em todas as regiões do país.
Texto da petição
Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República,
Em junho de 2025, a Amnistia Internacional – Portugal publicou o relatório “Uma opção sem escolha: Interrupção Voluntária da Gravidez em Portugal”. Neste relatório a organização faz um retrato de algumas das barreiras ao acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) em Portugal e conclui que a legislação existente não está em conformidade com as diretrizes mais recentes da Organização Mundial de Saúde, o direito e normas internacionais em matéria de direitos sexuais e reprodutivos, e não responde à realidade e às necessidades das pessoas grávidas que optam por fazer uma IVG em Portugal.
Assim pedimos à Assembleia da República que:
- Reveja a legislação existente e adote um quadro legal para os cuidados relativos à interrupção da gravidez, em conformidade com as Diretrizes da OMS para os Cuidados do Aborto de 2022, incluindo:
- Descriminalizar totalmente a interrupção voluntária da gravidez, retirando-a do Código Penal, garantindo a sua aplicação a todas as pessoas envolvidas: a pessoa grávida, bem como aqueles que prestam ou auxiliam nos serviços de aborto;
- Revogar o atual limite gestacional ou, no mínimo, alargar o limite de 10 semanas de gestação para a IVG, a fim de aumentar o acesso aos serviços de aborto por opção da pessoa grávida e reduzir os atrasos e a necessidade de as pessoas se deslocarem a Espanha para abortar;
- Revogar a exigência de um período de reflexão obrigatório da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril;
- Revogar a exigência de dois médicos diferentes para efetuar uma interrupção voluntária da gravidez da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril;
- Revogar a exigência de autorização do responsável legal para o acesso ao aborto para menores da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril;
- Garantir que as pessoas que procuram abortar não são sujeitas a aconselhamento obrigatório ou tendencioso sobre o aborto, nos termos da Portaria n.º 741 (artigo 16.º), e garantir que o aconselhamento pré-aborto seja voluntário, confidencial, imparcial, não diretivo, acessível a todos e prestado por pessoal qualificado.
- Assegure que as recusas médicas por motivos de consciência de prestação de serviços de aborto legal por parte de profissionais de cuidados de saúde (incluindo por motivos morais ou religiosos) são adequadamente regulamentadas de forma a não resultarem na negação ou obstrução do acesso à interrupção da gravidez por parte das pessoas grávidas que precisem ou desejem realizá-la;
- Garanta que há um número suficiente de prestadores de cuidados de saúde dispostos a prestar cuidados de aborto e que os serviços estão disponíveis a uma distância geográfica razoável, em estabelecimentos públicos em todas as regiões do país, incluindo a região Autónoma dos Açores;
- Assegure que o aborto seguro (incluindo uma série de métodos de aborto à escolha) é integrado no âmbito da prestação de serviços globais de saúde sexual e reprodutiva, de bens e de informação, garantindo que os serviços estão disponíveis, sejam plenamente acessíveis, económicos e de boa qualidade para todos em todas as regiões, incluindo na região dos Açores, e que sejam prestados sem discriminação, coerção ou maus-tratos, e no respeito pela privacidade, confidencialidade e direitos humanos das pessoas grávidas;
- Assegure a disponibilidade de acesso a cuidados numa série de contextos (por exemplo, contextos formais de cuidados de saúde; centros de cuidados de saúde primários, secundários e terciários; clínicas móveis; e de teleconsultas de saúde) e de prestadores com formação adequada para assegurar o acesso a cuidados de aborto e à interrupção voluntária da gravidez, particularmente em contextos remotos e rurais, incluindo na região dos Açores;
- Garanta que as pessoas grávidas de grupos desfavorecidos que necessitam de recorrer à interrupção voluntária da gravidez possam aceder a serviços e informações sem discriminação ou barreiras. Estes grupos incluem pessoas com rendimentos mais baixos, pessoas que vivem em zonas remotas e rurais, adolescentes, pessoas com deficiência, migrantes e refugiados, entre outros.
Os direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas que podem engravidar têm de ser protegidos, respeitados e cumpridos.
Cumprimentos,