3 Julho 2015

Transformar instituições de ensino em espaços que educam para os direitos humanos é o objetivo principal do projeto mundial da Amnistia Internacional Escolas Amigas dos Direitos Humanos (EADH). Numa altura em que termina mais um ano letivo, o segundo de existência do projeto em Portugal, os professores coordenadores e representantes das Direções das EADH portuguesas juntaram-se na passada quarta-feira, 1 de julho, na sede da Amnistia Internacional em Lisboa.

“Este é o momento em que fazemos a avaliação do ano que passou”, explica a Coordenadora do projeto EADH em Portugal, Luísa Marques. “Foi feito o balanço, foram destacados os sucessos e medidas as dificuldades, para percebemos em conjunto o caminho a seguir no próximo ano letivo”, esclarece. Com os próprios professores coordenadores de cada uma das escolas, resume-se de seguida a principal mudança sentida nos dois anos de projeto e a maior dificuldade. Aqui fica, nas suas próprias palavras, um bom espelho da importância de ser uma das Escolas Amigas dos Direitos Humanos.

 

Escola Secundária Rainha Santa Isabel, Estremoz

Professora Coordenadora do projeto: Maria do Céu Pires

A principal mudança: “Como já tínhamos um Clube dos Direitos Humanos na escola e uma ligação à Amnistia Internacional, não houve uma mudança radical, mas o aspeto onde mais se notaram mudanças foi ao nível da participação dos alunos. Este ano um grupo de alunos teve particular interesse em discutir o funcionamento da escola, em transmitirem o facto de sentirem que são pouco ouvidos e em perceberem que mecanismos podiam ser criados para mudar essa realidade”.

A maior dificuldade: “O maior desafio continua a ser a participação dos pais. As pessoas têm hoje uma vida muito difícil, trabalho, horários… Participarem em atividades que não têm diretamente a ver com o seu filho, de forma muito próxima, não é muito fácil. Os pais têm muito a preocupação de ir à escola para tratar de assuntos do seu filho. A escola como organização, como um todo, não está ainda muito interiorizada”.

 

Escola Secundária Serafim Leite, S. João da Madeira

Professora Coordenadora do projeto: Cláudia Proença


A principal mudança:
“Os alunos estão muito mais conscientes do que se passa no mundo. Estão alerta para a defesa dos direitos humanos. Antes não sabiam o que é a Amnistia Internacional, não faziam a mínima ideia que há trabalho escravo no mundo, não sabiam o que se passa com os migrantes no Mediterrâneo… Os alunos viviam num outro mundo. Estavam completamente ignorantes, de olhos fechados. E isto até acontecia com a própria comunidade escolar [professores e outros funcionários]. Tinham uma visão limitada do que se passa no mundo e com o projeto conseguimos abrir-lhes os olhos. Eu acho que a escola é o sítio ideal para mudar o mundo. Ao mudarmos a consciência dos alunos estamos a fazer com que o mundo mude”.

A maior dificuldade: “Motivar a comunidade escolar. Os alunos estão mais motivados, mas é preciso motivar os professores. Porque a maior parte das pessoas não tem tempo – tem um currículo a cumprir, um horário, corrigir testes… – e tem tantos problemas que acaba por não se preocupar com estas realidades, acaba por estar muito longe de tudo o que se passa no mundo, como eu estava. Para mim os direitos humanos deviam ser uma disciplina de currículo, senão são um extra. Se os alunos só aprendem em relação às tecnologias e não esta outra realidade, nunca se vão tornar cidadãos ativos. Podem ser bons alunos, tornarem-se engenheiros, mas acabam por não mudar nada no mundo”.

 

Escola Secundária Professor Reynaldo dos Santos, Vila Franca de Xira

Professora Coordenadora: Marília Santos


A principal mudança:
“Destacaria a participação e a consciencialização dos alunos. Eles vivem no seu mundo e o projeto é uma forma de lhes mostrar que há outro mundo e que os direitos humanos estão fora do alcance de muita gente. Alguns nem sabiam o que eram os direitos humanos. Com o projeto foi possível envolvê-los para trabalharem, divulgarem e lutarem pelos direitos humanos. Neste momento até os alunos do 6.º ano [com 10 ou 11 anos] já trabalham estas temáticas em Educação Visual, através do desenho”.

A maior dificuldade: “O envolvimento dos pais. Os encarregados de educação só vão à escola quando um colega bate no filho ou quando tem uma nota muito má. Os pais pensam que a escola são notas e o resto fica um bocadinho esquecido. A escola hoje é mais do que ensinar: é formar também”.

 

Escola Básica e Secundária Gama Barros, Cacém

Professora Coordenadora: Isabel Costa


A principal mudança:
“O que senti – eu e penso que também os alunos – é que pela primeira vez comunicámos. É estranho dizer isto porque dou aulas há mais de 30 anos e tenho muito contacto com eles, mas pela primeira vez tive o ponto de vista dos alunos. Já fui Diretora, mas uma coisa é eles virem ter comigo para fazer queixa, eu enquanto diretora, outra é eu ser (quase) a colega deles, como acontece no projeto. Há um aluno que está naquela escola há uns 6 anos e que eu conhecia porque se portava muito mal. Ele foi vítima de bullying e eu só soube agora. Não tinha este ponto de vista deles, como em muitas outras coisas que os alunos agora contam porque sentem uma maior abertura. É até interessante notar que os alunos que mais participam no projeto, generalizando, são muitas vezes os que têm piores notas. São eles os porta-vozes do projeto. Além disso, mudou também muito a relação dos alunos com professores e funcionários. Os alunos agora também ouvem o ponto de vista dos professores. E estes, por sua vez, mudaram a perceção que têm dos alunos. Bastou isso para muita coisa ter mudado. A consciência mudou. A comunicação entre as várias pessoas na escola mudou muito. As pessoas às vezes acham que estes projetos não têm muita importância, mas são fundamentais”.

A maior dificuldade: “A Associação de Pais participa bastante, mas é sempre difícil chamar a maior parte dos pais à escola. Até pela zona onde está localizada, que é um dormitório e os pais trabalham longe. Não sei se não será também porque as pessoas andam um bocado desiludidas e pessimistas. Houve ainda dificuldade na participação de alguns professores, porque têm cada vez mais trabalho e reuniões. Participam, mas não são tantos como gostaríamos”.

 

Escola Básica e Secundária Pedro Ferreiro, Ferreira do Zêzere

Professor Coordenador: Pedro Oliveira


A principal mudança:
“Há uma participação grande no projeto por parte de toda a comunidade escolar – incluindo os funcionários, os auxiliares de ação educativa. Participam com vigor e com afinco, muito graças à envolvência da própria Direção da escola. As pessoas ficam para as ações fora do seu horário e agem, o que é muito importante porque o projeto vive muito da carolice das pessoas, faz-se muito fora do horário letivo. Tudo isto reflete-se depois no ambiente escolar, que mudou muito. Temos várias situações de bullying, de violência no namoro e de violência doméstica e agora os alunos já falam abertamente sobre isso e já conseguem perceber se estão ou não a interferir com a dignidade do outro. No fundo, têm noção do que são os direitos humanos e ao nível do bullying, principalmente, houve grandes mudanças. Os alunos mais velhos apresentam-nos casos, porque sentem que a situação se resolve e percebem que ao falarem são ouvidos e que se dá atenção. Também ao nível da comunidade escolar mudou muito a perceção do que se passa na escola. Todos estão agora mais atentos e preocupados com as situações que ocorrem”.

A maior dificuldade: “Falta essencialmente o envolvimento dos pais. Os que são pais de alunos e fazem parte da comunidade escolar participam a 200%, mas os pais que não estão na escola não se envolveram ainda. E esta é uma realidade que não tem só que ver com o projeto. Chamamos os pais e eles não aparecem. Em Ferreira do Zêzere uma vez mais há uma realidade muito particular, porque alguns pais trabalham nas fábricas e estão distanciados da vila, muitos não têm acesso ao transporte, pelo que há uma série de condicionantes. E se calhar também há pais que não dão a devida importância à escola”.

 

O projeto Escolas Amigas dos Direitos Humanos está também implementado, em Portugal, na Escola Básica e Secundária do Levante da Maia, que não conseguiu estar presente neste dia de balanço, mas que ao longo do ano letivo também desenvolveu diversas atividades ligadas aos direitos humanos. Internacionalmente, o projeto conta com escolas de 20 países da Europa, África, Ásia e América Latina.

Importa destacar que em Portugal uma das temáticas principais desenvolvidas no âmbito das Escolas Amigas dos Direitos Humanos é o bullying e a discriminação, devido à integração do projeto “Stop Bullying: uma abordagem baseada nos direitos humanos para combater a discriminação nas escolas”, financiado pelo programa Daphne III da Comissão Europeia e que tem a duração de dois anos.

 

Fotos de Ricardo Rodrigues da Silva

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