8 Março 2016

 

A preocupação persistente em embarcar de volta à Turquia as pessoas que têm alcançado o espaço europeu, em vez de encetar esforços incondicionais para a sua reinstalação e oferecer outras rotas legais e seguras para a Europa, demonstra uma atitude alarmante, desumana e de falta de visão por parte dos líderes europeus na gestão da crise de refugiados, avalia a Amnistia Internacional após as conversações, esta terça-feira, 8 de março, em Bruxelas, do Conselho Europeu com a Turquia.

O primeiro-ministro turco, Ahmet Davuto?lu, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, anunciaram os contornos gerais do plano para firmar um acordo final entre a União Europeia e a Turquia, em preparação para a reunião do Conselho Europeu, agendada para 17 e 18 de março próximos.

A proposta avançada de que por cada refugiado sírio que seja devolvido da Grécia para a Turquia um outro sírio ficará na União Europeia (UE) está pejada de falhas morais e legais. É perturbador mesmo que este plano faça de cada vaga de reinstalação oferecida a um sírio pelo contingente de países da UE um contraponto por cada sírio que arrisca a vida embarcando na fatal rota marítima em direção à Grécia.

“Os líderes da UE e da Turquia mergulharam hoje ainda mais fundo, efetivamente a fazerem uma ‘venda de cavalos’ com os direitos e a dignidade de algumas das pessoas mais vulneráveis do mundo. A ideia de trocar refugiado por refugiado não é apenas uma desumanização perigosa, mas também não traz nenhuma solução sustentável a longo prazo para a contínua crise humana”, avalia a diretora do Gabinete de Instituições Europeias da Amnistia Internacional, Iverna McGowan.

Questionados sobre a legalidade desta proposta à luz da lei internacional, os líderes da UE responderam que tal é possível ao abrigo da legislação europeia seja a Turquia designada como um “país seguro”.

A Amnistia Internacional contesta fortemente o conceito de “país terceiro seguro” na generalidade, uma vez que o mesmo prejudica o direito dos indivíduos a verem os seus requerimentos de asilo processados de forma completa e justa, e poderá resultar num cenário em que as pessoas são subsequentemente deportadas para os países de origem – numa clara violação do princípio de “non-refoulement” [não devolução de um candidato a refugiado ao país de origem durante a pendência do processo de asilo].

No caso particular da Turquia há uma razão forte para preocupações, dada a situação atual e o tratamento dado a migrantes e refugiados naquele país.

“A Turquia fez o retorno forçado de refugiados para a Síria e muitos refugiados no país vivem em condições de desespero sem alojamento apropriado. Centenas de milhares de crianças refugiadas não conseguem ter acesso a educação formal. Por mais que esforcemos a imaginação, a Turquia não pode ser considerada um ‘país terceiro seguro’ ao qual a UE possa delegar confortavelmente as suas obrigações”, sustenta Iverna McGowan.

Apesar de ter sido afirmado que aqueles que precisam de proteção internacional mesmo não sendo sírios não serão transferidos de regresso à Turquia, não foi deixado claro como é que os direitos dessas pessoas serão garantidos no contexto de um sistema de retornos maciços. A realidade é que nem todos os requerentes de asilo vêm da Síria, e a Turquia não tem um sistema de asilo em pleno funcionamento.

A proposta agora avançada nas conversações entre a UE e a Turquia goza com as obrigações da União Europeia em prestar acesso a asilo nas suas fronteiras. Qualquer sistema de retornos que não seja construído com base no princípio do direito individual de acesso a um processo de asilo justo e robusto é profundamente problemático.

“Iraquianos e afegãos, a par de sírios, constituem cerca de 90% das chegadas à Grécia. Mandá-los de volta para a Turquia, sabendo que as suas fortes reivindicações a proteção internacional muito provavelmente jamais serão ouvidas, revela que as promessas da UE em respeitar os direitos humanos dos refugiados não passam de palavras ocas”, critica a diretora do Gabinete de Instituições Europeias da Amnistia Internacional.

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse também no final desta reunião em Bruxelas que a rota dos Balcãs ocidentais será fechada. O encerramento desta rota deixará milhares de pessoas vulneráveis abandonadas ao relento e ao frio sem nenhum plano claro sobre como é que as suas necessidades urgentes de ajuda humanitária e os seus direitos a proteção internacional serão acautelados.

É urgente que a UE e a comunidade internacional como um todo reforcem o compromisso para resolver esta crise, tanto em termos da assistência humanitária e outra ajuda financeira como através da reinstalação de um muito maior número de refugiados.

 

A Amnistia Internacional exorta, em petição, os líderes políticos a mudarem as políticas de asilo nos seus países e, em particular, os governos europeus a garantirem que os refugiados encontram um destino seguro na Europa, incluindo Portugal, através dos mecanismos de reinstalação e outros que permitam a admissão legal e segura nos seus territórios de quem foge de conflitos e perseguição. Assine!

 

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