16 Janeiro 2023

A Amnistia Internacional considera que o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) deve focar-se em reverter a asfixiante proibição dos Talibãs ao acesso das mulheres e raparigas ao trabalho, à educação, aos desportos e aos espaços públicos.

A 24 de dezembro de 2022, os Talibãs ordenaram a todas as ONGs locais e estrangeiras para não empregarem pessoal do sexo feminino. A 20 de dezembro, ordenaram a todas as universidades que não aceitem mulheres estudantes até novo aviso. Em novembro de 2022, foi negado às mulheres o direito de entrar em parques e ginásios no país. Desde a tomada do poder pelos Talibãs, em meados de 2022, as mulheres foram impedidas de participar em desportos, enquanto as escolas secundárias para raparigas foram encerradas a nível nacional.

“É imperativo que o Conselho de Segurança da ONU trave o acentuado declínio dos direitos das mulheres e raparigas no país. O mundo observa como os Talibãs aniquilam sistematicamente os direitos das mulheres através da implementação, em rápida sucessão ao longo dos últimos meses, de numerosas restrições discriminatórias”, afirmou Yamini Mishra, Diretora Regional da Amnistia Internacional para o sul da Ásia.

“O CSNU deve apelar, não apenas a que os Talibãs levantem urgentemente as suas restrições às mulheres e raparigas, mas também a um fim da sua repressão sobre quem se atreva a protestar contra estes constrangimentos no Afeganistão.”

 

Uma crise humanitária agravada

Com os índices de pobreza a aumentarem vertiginosamente, a decisão dos Talibãs de banir as mulheres do trabalho com ONGs está a empurrar ainda mais o país para uma crise humanitária. A restrição já contribuiu para o crescimento dos níveis de insegurança alimentar aguda e desnutrição, enquanto o acesso das mulheres a direitos básicos, nomeadamente saúde e educação, permanece reduzido.

As mulheres e raparigas afegãs estão a ser crescentemente apagadas da vida pública e também pagarão um custo mais elevado nos próximos meses, à medida que o desastre humanitário se agrava, já que os trabalhadores do sexo masculino já não poderão oferecer serviços críticos a mulheres.

O setor da assistência conduzido por ONGs, que é a fonte principal de ajuda humanitária no país, está à beira do colapso após, pelo menos, três grandes ONGs internacionais – a CARE, o Conselho Norueguês para os Refugiados e a Save the Children (Salvar as Crianças) – terem suspendido as suas operações no país por não serem capazes de executar os seus programas sem pessoal do sexo feminino. A 28 de dezembro, as Nações Unidas também interromperam alguns programas no país e disseram que poderá ser necessário suspender muitas outras atividades devido à proibição dos Talibãs sobre mulheres trabalhadoras humanitárias.

Atualmente, a assistência humanitária ao país, incluindo o fundo de mais de 920,8 mil milhões de Euros do Fundo Fiduciário de Reconstrução do Afeganistão estabelecido pelo Banco Mundial como auxílio orçamental de emergência, é canalizada através das agências da ONU e dos parceiros de execução.

“É como se os Talibãs estivessem intencionalmente a conduzir o país para a fome. As suas políticas discriminatórias estão a trazer níveis chocantes de insegurança alimentar e a tornar praticamente impossível a entrega de assistência internacional. As mulheres já estavam na base da pirâmide em termos do acesso a serviços de assistência críticos, mas parece que estão a ser completamente apagadas”, declarou Yamini Mishra.

 

Acesso à educação prejudicado

Com o acesso ao Ensino Secundário e Superior já negado às mulheres e raparigas afegãs, a proibição de mulheres trabalharem com ONGs também impedirá estudantes de acederem a educação através dos sistemas de educação de base comunitária. Estes programas eram a única forma de cerca de 3.7 milhões de crianças que não frequentavam a escola, cerca de 60 por cento das quais eram raparigas, poderem ainda aceder à escolaridade na época pré-Talibãs. Os docentes que trabalham neste sistema são principalmente mulheres e poderiam ser classificados pelos Talibãs como funcionários de ONGs.

Ahmad*, que trabalha para uma organização que oferece educação de base comunitária, salientou: “Com estas restrições, as mulheres e raparigas não trabalharão como professoras, nem frequentarão, enquanto estudantes, cursos livres aos quais acediam anteriormente em algumas das cidades. Estes cursos de ponte providenciavam educação sobre diferentes disciplinas escolares, incluindo Inglês.”

Outra funcionária de ONG, Zareen*, salientou à Amnistia Internacional que as mudanças prejudicarão os programas sobre saúde e higiene: “Sensibilizamos sobre como manter a higiene pessoal (para mulheres). Discutimos a gestão familiar. Consciencializamos sobre nutrição, em particular para mulheres grávidas e crianças.” As restrições têm impacto sobre os programas de sensibilização pública, que são levados a cabo pelas mulheres que trabalham em ONGs e são vitais para a consciencialização sobre higiene pessoal, nutrição familiar e saúde.

 

Negação de sustento 

Quando os Talibãs assumiram o poder no Afeganistão, as mulheres que trabalhavam para o governo, nomeadamente aquelas que tinham papéis na função pública ou em órgãos de decisão política e judicial, foram removidas em massa das suas posições.

Devido às restrições dos Talibãs sobre as mulheres trabalharem para ONGs, mulheres como Zareen* têm agora de ficar em casa. Ela contou à Amnistia Internacional: “Enquanto única provedora da minha família, eu tenho medo de perder o meu rendimento. A perda do meu salário terá um enorme impacto sobre as vidas dos meus filhos. E eu tenho agora problemas de saúde mental e sinto-me doente.”

Logo após a entrada em vigor das restrições dos Talibãs, Massoma*, que previamente trabalhava com uma organização dedicada à educação e aos cuidados de saúde em várias províncias do Afeganistão, foi informada de que o seu contrato não seria prolongado. Ela declarou: “o meu contrato expirou após os Talibãs anunciarem a sua decisão. No início de janeiro, fui informada de que o contrato não seria prorrogado.”  Ela já não está a receber o seu salário.

As novas regras repressivas dos Talibãs também proibiram as mulheres de acederem a programas comunitários de subsistência geridos por ONGs.

Ajmal*, que trabalha para uma organização parcialmente focada em programas de geração de rendimento para mulheres beneficiárias, disse à Amnistia Internacional: “Pelo menos 50% dos proprietários de pequenos negócios que beneficiam destes programas de geração de rendimento são mulheres. Os beneficiários são igualmente identificados e monitorizados por mulheres que trabalham em ONGs.”

 

Punição coletiva

Desde que assumiram o controlo do país em agosto de 2021, os Talibãs violaram os direitos das mulheres e raparigas à educação, ao trabalho e à liberdade de movimentos; aniquilaram o sistema de proteção e apoio para aquelas que fogem de violência doméstica; detiveram mulheres e raparigas por violações menores de regras discriminatórias; e contribuíram para um crescimento nas taxas de casamento infantil, precoce e forçado no Afeganistão.

O relatório da Amnistia Internacional, Morte em Câmara Lenta: Mulheres e raparigas Sob o Domínio Talibã, revela igualmente como mulheres que protestaram pacificamente contra estas regras opressivas foram ameaçadas, presas, detidas, torturadas e alvo de desaparecimento forçado.

 

*Todos os nomes das participantes foram anonimizados para proteger a sua identidade 

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