8 Março 2024

Um relatório da Amnistia Internacional publicado esta sexta-feira evidencia que os governos do Malawi, da Zâmbia e do Zimbabué não estão a conseguir proteger as mulheres que trabalham no comércio informal transfronteiriço (CITF) da violência baseada no género e da exploração económica, numa realidade que está a privar as trabalhadoras de exercerem os seus direitos humanos no contexto de trabalho digno.

O relatório intitulado “O comércio transfronteiriço é o nosso meio de subsistência”, descreve ao pormenor a forma como as mulheres que trabalham no comércio transfronteiriço na região da África Austral, nomeadamente no Malawi, na Zâmbia e no Zimbabué são frequentemente vítimas de agressões físicas, assédio sexual e intimidação, muitas vezes perpetrados por funcionários do Estado, incluindo as autoridades fronteiriças. As mulheres também são vítimas de violência por parte de atores não estatais.

“A falta de quadros jurídicos sólidos e de mecanismos de aplicação eficazes amplifica ainda mais as injustiças sofridas pelas mulheres no sector do CTI”

Tigere Chagutah

“A vulnerabilidade das mulheres em empregos informais a diversas formas de abuso, combinada com o acesso restrito à justiça, evidencia uma lacuna gritante na proteção do Estado. A falta de quadros jurídicos sólidos e de mecanismos de aplicação eficazes amplifica ainda mais as injustiças sofridas pelas mulheres no sector do CTI”, afirmou Tigere Chagutah, Diretora Regional da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral.

Em 2018, o valor das transações no comércio transfronteiriço informal na região da África Austral atingiu 17,6 mil milhões de dólares americanos. Trata-se de uma atividade predominantemente conduzida por mulheres, que representam 60% a 90% das pessoas envolvidas neste comércio em todas as sub-regiões. Este setor apresenta um potencial significativo para a redução da pobreza.

 

Exploração económica

A investigação da Amnistia Internacional revelou que as mulheres envolvidas no comércio transfronteiriço se deparam frequentemente com uma exploração económica substancial, que afeta negativamente a sua capacidade de ganhar a vida e mina a sua estabilidade financeira. Esta exploração assume várias formas, incluindo suborno, roubo e confisco arbitrário de bens. A suscetibilidade das mulheres comerciantes à exploração económica é agravada pela discriminação baseada no género nas fronteiras e pela perceção da falta de proteção jurídica.

O relatório destaca as falhas sistémicas do Estado na defesa do direito à segurança social, com défices notáveis na abordagem das responsabilidades substanciais de cuidados assumidas pelas mulheres envolvidas no comércio transfronteiriço. Na ausência de cobertura de proteção social, muitas das mulheres referiram a incapacidade de exercer o seu direito a um nível de vida adequado. Enfrentaram também desafios como o facto de não poderem tirar férias quando estão doentes e de terem pouco apoio em termos de cuidados infantis.

Embora as mulheres constituam a maioria dos comerciantes transfronteiriços, a investigação da Amnistia revelou uma prevalência da liderança masculina nas associações informais de comerciantes transfronteiriços (CBTA), o que suscita preocupações quanto a uma representação equitativa nas discussões políticas e nos processos de tomada de decisões.

 

Promessas por cumprir

O comércio transfronteiriço informal (CTI) tem desempenhado um papel importante na promoção da integração regional e na garantia da segurança alimentar em todo o continente africano. As mulheres comerciantes entrevistadas pela Amnistia Internacional sublinharam a forma como o CTI serviu de catalisador para melhorar os resultados em termos de saúde e educação das suas famílias.

Uma comerciante disse à Amnistia Internacional que “o comércio transfronteiriço tem sido um farol de esperança” para si e para a sua família. “Permitiu-me financiar a educação dos meus filhos e até mandá-los para a universidade.”

No entanto, é crucial notar que a decisão de participar no TCI resulta frequentemente da falta de outras opções de emprego viáveis. Embora muitas mulheres vejam o CTI como um meio de se libertarem a si próprias e às suas famílias da pobreza, este é frequentemente acompanhado de grandes custos pessoais.

Uma comerciante revelou que “as pessoas que revistam na fronteira são homens e chegam ao ponto de revistar a nossa mala de mão sem qualquer motivo”. “Isto é uma violação da nossa privacidade, porque guardamos coisas sensíveis, como medicamentos, nas nossas malas e a revista das malas expõe o nosso estado de saúde, especialmente o HIV”.

As sobreviventes de violência de género sofrida no decurso do seu trabalho também enfrentam inúmeras barreiras socioculturais e institucionais, incluindo a estigmatização, a corrupção, o medo de represálias, o acesso limitado a serviços jurídicos e as longas distâncias até às esquadras de polícia. Estes obstáculos dificultam as suas tentativas de obter justiça das autoridades.

 

Contexto

O comércio transfronteiriço informal engloba o intercâmbio de bens e serviços entre países fora dos canais formais de comércio.

A aplicação de vários instrumentos internacionais e regionais em matéria de direitos humanos relativos aos direitos das mulheres e ao direito ao trabalho é fundamental para garantir a proteção das mulheres do TCI contra os abusos e as violações dos direitos humanos. Entre estes, destacam-se a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e o Protocolo de Maputo.

Estes instrumentos definem os compromissos assumidos pelo Malawi, Zâmbia e Zimbabué para combater a discriminação baseada no género e promover os direitos económicos, sociais e culturais, bem como o direito ao trabalho, das mulheres na África Austral.

Recursos

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