11 Fevereiro 2020

Escolas sem condições, salas de aula sobrelotadas e resultados negativos dos estudantes caraterizam o sistema educativo da África do Sul, que tem perpetuado as desigualdades no país, denuncia a Amnistia Internacional no relatório Broken and Unequal: The State of Education in South Africa (“Destruído e desigual: O Estado da Educação na África do Sul”), divulgado esta terça-feira.

No documento, o governo sul-africano é instado a resolver, de forma urgente, as falhas nas escolas públicas para garantir uma educação universal de qualidade. “São necessárias grandes mudanças para que a África do Sul cumpra as obrigações constitucionais e internacionais de direitos humanos sobre educação”, aponta a diretora-executiva da Amnistia Internacional África do Sul, Shenilla Mohamed.

“O direito a uma educação de qualidade inclui ter uma escola onde os alunos possam aprender em segurança e a ter instalações adequadas para fazê-lo”

Shenilla Mohamed, diretora-executiva da Amnistia Internacional África do Sul

O relatório destaca a precariedade de algumas infraestruturas, nomeadamente a nível de saneamento, devido às mortes de duas crianças em latrinas sem condições. “O direito a uma educação de qualidade inclui ter uma escola onde os alunos possam aprender em segurança e a ter instalações adequadas para fazê-lo. No entanto, a nossa investigação concluiu que essa não é a realidade para muitos alunos do país”, afirma Shenilla Mohamed.

O sistema educativo sul-africano continua a apresentar inúmeras desigualdades e sofre com o impacto negativo do apartheid. Hoje, a experiência escolar de uma criança ainda depende muito de onde nasceu, dos recursos que tem e da cor da pele.

“O fracasso repetido do governo em abordar estes problemas não é apenas uma questão de responsabilização, pois tem consequências para as oportunidades de vida de milhares de jovens”

Shenilla Mohamed, diretora-executiva da Amnistia Internacional África do Sul

Apesar de o relatório da Amnistia Internacional reconhecer que houve progressos desde 1994, já que se assistiu a um alargamento do acesso à educação, persistem deficiências, com o departamento governamental dedicado ao Ensino Primário a falhar metas, em especial na parte das infraestruturas. Devido a esta situação, não é de estranhar que os resultados escolares sejam fracos. Um estudo internacional, publicado recentemente, destacou que mais de três quartos das crianças com nove anos têm dificuldades de interpretação quando leem. Em algumas províncias, o valor chega a ser de 91 por cento (Limpopo) e 85 por cento (Cabo Oriental). Por cada 100 alunos que começa o percurso escolar, apenas 14 conseguem entrar no ensino superior.

“A África do Sul tem um dos sistemas educativos mais desiguais do mundo. As crianças das 200 melhores escolas alcançam mais distinções em matemática do que as crianças das 6600 escolas que se seguem. O tabuleiro do jogo deve ser mais equilibrado”, sublinha Shenilla Mohamed.

Promessas em vão

Em 2013, o governo decretou um conjunto de normas e padrões mínimos que previa que todas as instalações escolares tivessem saneamento e eletricidade até novembro de 2016. As latrinas sem condições seriam substituídas e as infraestruturas que tivessem sido construídas com materiais nocivos, como lamas e amianto, teriam de ser encerradas. Contudo, a meta não foi atingida.

Os investigadores da Amnistia Internacional encontraram vários exemplos de escolas com condições precárias e sem instalações básicas. A manutenção dos edifícios era deficiente e nunca tinham sido feitas obras. As salas de aula estavam sobrelotadas, não tinham equipamentos básicos, como mobiliário e livros, e a segurança era parca, potenciando atos de vandalismo e casos de roubo.

Os problemas não ficam por aqui, já que o sistema de transporte escolar afeta o acesso das crianças à educação. Diariamente, há alunos que andam entre 30 minutos a uma hora para ir às aulas.

Números que fazem pensar

Em 2018, das 23.471 escolas públicas sul-africanas, 20.071 não tinham laboratório, 18.019 não dispunham de biblioteca e 16.897 não proporcionavam ligação à internet. Quase mil não ofereciam instalações próprias para a prática desportiva.

Do universo das escolas públicas, 4358 funcionavam com latrinas sem condições de saneamento e 1027 sem qualquer vedação para garantir a segurança de alunos, professores e funcionários. A estes números acrescem 239 instituições sem eletricidade e 37 sem qualquer instalação sanitária.

Nas recomendações emitidas, a Amnistia Internacional pede a revisão e reforma do orçamento destinado à educação para proporcionar um ensino de qualidade universal e combater a desigualdade enraizada no sistema. “O fracasso repetido do governo em abordar estes problemas não é apenas uma questão de responsabilização, pois tem consequências para as oportunidades de vida de milhares de jovens e para o futuro deste país”, alerta Shenilla Mohamed.

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