A Amnistia Internacional – Portugal entregou a 9 de dezembro – Dia Internacional dos Defensores de Direitos Humanos – em audiência concedida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o manifesto BRAVE, reconhecendo o contributo dos defensores e defensoras de direitos humanos para uma sociedade mais justa, e alertando para as dificuldades e riscos que estas pessoas enfrentam no desempenho do seu trabalho em todo o mundo. A audiência, marcada para as 18h00 no Palácio de Belém, serviu ainda para comunicar a Marcelo Rebelo de Sousa alguns riscos existentes nos países com que o nosso país mais se relaciona e mencionar algumas preocupações sobre Portugal no que diz respeito a esta matéria e que prejudicam a segurança da população e de todos aqueles que exercem um papel ativo e fundamental na defesa dos direitos humanos, quer na sociedade civil, quer no jornalismo, quer no exercício de política formal e partidária.
A campanha mundial BRAVE surgiu em 2017, devido às graves e frequentes ameaças ao espaço de trabalho dos defensores de direitos humanos, que se estendem desde a violência física, restrições ao seu movimento, disseminação maciça de meios de vigilância, até aos desaparecimentos forçados e assassinatos. Só em Portugal, para além das 4251 assinaturas no manifesto geral, foram reunidas quase mais 700.000 pelos diversos casos que integraram a campanha, em petições que apelavam à segurança e reconhecimento do trabalho e da coragem destas pessoas que perpetuam a sua missão para uma sociedade mais justa e onde os direitos humanos são uma realidade. Apesar da campanha remeter a 2017, as ameaças permanecem reais ainda hoje. Só em 2020, 331 defensores de direitos humanos foram mortos pelo seu trabalho em todo o mundo.
Apesar da campanha remeter a 2017, as ameaças permanecem reais ainda hoje. Só em 2020, 331 defensores de direitos humanos foram mortos pelo seu trabalho em todo o mundo
Portugal relaciona-se com vários países, quer em relações comerciais, quer em relações políticas internacionais, onde os e as defensoras de direitos humanos correm riscos significativos. E nessas relações, a República Portuguesa não pode silenciar a defesa dos nossos valores e dos direitos humanos.
No mundo lusófono, Angola, Brasil, Guiné-Bissau e Moçambique merecem preocupações significativas pelos riscos que as pessoas que defendem direitos humanos são alvo. Também no espaço europeu – incluindo países circundantes – a Hungria, a Polónia, a Bielorrússia, a Turquia, a Líbia, Marrocos e Israel. Bem como outros países como, a título de exemplo e numa lista não extensiva, a China, a Índia, o Egito, o Irão, a Arábia Saudita, a Rússia, os EUA, a Venezuela ou a Colômbia, ou outros que vivem sob conflitos bélicos persistentes, como a Síria, o Afeganistão ou a Eritreia. Nesta lista não extensiva, os defensores de direitos humanos correm riscos significativos devido ao trabalho que desenvolvem a favor das suas comunidades.
Também sobre Portugal, a Amnistia Internacional manifestou a sua preocupação face a alguns acontecimentos que podem desembocar em riscos significativos para os defensores de direitos humanos, uma vez que, nos últimos anos, a organização tem monitorizado e observado a aceitação e normalização do preconceito manifestado por partidos políticos no exercício das suas funções, a disseminação do discurso de ódio e mentira sobre determinadas comunidades e grupos que vivem em circunstâncias de maior vulnerabilidade devido à sua condição económica, racial, étnica e de género. A polarização do discurso em assuntos tão importantes e o silêncio de alguns órgãos de soberania sobre estes aspetos, leva a que matérias tão importantes sejam instrumentalizadas politicamente e diminuídas quanto à urgência e necessidade de implementação de soluções.
Seguem-se as fracas condições nos estabelecimentos prisionais, bem como a perseguição feita a pessoas reclusas e a ativistas que trabalham na defesa dos direitos destas pessoas. A organização alertou ainda para a necessidade de uma postura mais humana dentro das prisões e de um maior investimento na função de reinserção social da Justiça – função que tem sido esquecida nos sucessivos orçamentos – para que as pessoas reclusas se insiram na sociedade de novo, e de modo adequado, no momento da sua libertação.
A organização louvou a medida de liberdade às pessoas reclusas idosas e com condições de saúde vulneráveis no âmbito da pandemia, sublinhando a coragem política da medida – embora tardia e apesar dos discursos populistas que já se escutam no país e que apontam o dedo a esta população também.
A vigilância e condicionamento do trabalho jornalístico foram também abordadas, assim como a falta de escuta dada aos ativistas e defensores de direitos humanos e a perseguição com instrumentos judiciais de que são alvo. Em Portugal existem exemplos disto mesmo em relação a defensores de direitos humanos de pessoas reclusas e a defensores do meio ambiente enquanto garante de recursos para o cumprimento dos direitos económicos e sociais das comunidades onde se inserem.
“As vozes determinadas a fazer do mundo um lugar livre e respeitador dos direitos humanos, não podem continuar a ser intimidadas, silenciadas e apelidadas de criminosas. O seu reconhecimento e segurança têm de ecoar mais alto. Com esta audiência, reavivamos a urgência da sua proteção e a importância de Portugal se manter leal aos seus compromissos internacionais em matéria de direitos humanos, pautando um caminho de liderança e exemplo que exigimos ao nosso país e aos nossos líderes políticos personalizados no chefe de Estado da República Portuguesa, e alertando consciências para o papel fundamental destas pessoas que contribuem ativamente para o cumprimento dos direitos humanos e para a construção de um mundo melhor. Elas devem ser protegidas, não perseguidas ou vilipendiadas” refere Pedro A. Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional – Portugal.
“As vozes determinadas a fazer do mundo um lugar livre e respeitador dos direitos humanos, não podem continuar a ser intimidadas, silenciadas e apelidadas de criminosas. O seu reconhecimento e segurança têm de ecoar mais alto”
Pedro A. Neto
A par da entrega do manifesto BRAVE, a Amnistia Internacional – Portugal preparou várias ações neste dia para assinalar a importância de quem protege os direitos humanos. Pelas ruas de Lisboa e também de Aveiro, Estremoz, Leiria, Fundão, Viseu, Amarante, Viana do Castelo e muitos outros locais de norte a sul do país, foram colados nomes de defensores e defensoras de direitos humanos, tornando assim visíveis o nome das pessoas que tantas autoridades, a nível global, querem esconder. A secção portuguesa vai ainda projetar o rosto destas pessoas pela cidade, em particular, entre as embaixadas dos países que continuam a reprimir os direitos humanos e a silenciar vozes dissidentes, como o Brasil, Egito, Colômbia, China, Israel, Turquia, Irão, entre outras.
Durante a campanha BRAVE, a Amnistia Internacional – Portugal desenvolveu inúmeras ações para proteção dos defensores de direitos humanos. Em 2018, uniu-se ao Festival Iminente para celebrar a coragem das mulheres que erguem a sua voz pelos direitos humanos, e ao artista português VHILS, que criou um mural de Marielle Franco. Juntou-se ainda à mobilização internacional pelo caso que envolveu Idil Eser (diretora executiva da Amnistia Internacional – Turquia em 2017) e Taner Kiliç(presidente da Amnistia Internacional- Turquia em 2017), que ficou conhecido como os 10 de Istambul. Entre as diversas atividades realizadas, está a ação de sensibilização “Prendem um, prendem todos” onde os vários diretores e presidentes que a Amnistia Internacional – Portugal já teve, permaneceram algemados na praça do município em Lisboa e em frente à Assembleia da República. A mobilização nacional por este caso culminou com o voto unânime na Assembleia Nacional de condenação e preocupação face a estas detenções na Turquia.