19 Fevereiro 2015

A Amnistia Internacional Portugal enviou uma carta ao Provedor de Justiça onde a organização de direitos humanos expressa preocupações sobre os incidentes de 5 de fevereiro passado no bairro do Alto da Cova da Moura, em que cinco jovens sustentam terem sido vítimas de tortura e de discurso xenófobo por parte de agentes da Polícia de Segurança Pública na esquadra de Alfragide, na sequência de eventos alegadamente ocorridos na Cova da Moura.

Os factos descritos neste incidente – noticiados nos órgãos de comunicação social e que constam também no apelo apresentado à Amnistia Internacional pela Associação Cultural Moinho da Juventude, a 11 de fevereiro – levaram já à abertura de um inquérito à atuação da polícia pela Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) e de uma averiguação interna por parte da Direção Nacional da PSP.

A Amnistia Internacional acaba de lançar a campanha “Jovem Negro Vivo”, com enfoque especial em países como o Brasil, onde se entende ser urgente mobilizar a sociedade e romper com a indiferença. De facto, para a organização de direitos humanos, as consequências do preconceito e dos estereótipos negativos associados a estes jovens e aos bairros onde vivem devem ser amplamente debatidas e repudiadas.

Na carta enviada esta quarta-feira, 18 de fevereiro, à Provedoria de Justiça portuguesa – instituição nacional de direitos humanos e simultaneamente entidade nacional para a prevenção da tortura segundo a Convenção contra a Tortura da ONU –, a Amnistia Internacional frisa que a confirmarem-se os relatos vindos a público pela voz das alegadas vítimas, estes serão tanto mais graves pelo facto de Portugal ter iniciado este ano o seu mandato no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para o triénio 2015-2017.

Considera a organização de direitos humanos que são assim mais notórias as responsabilidades de Portugal em matéria de direitos humanos, muitas delas já constantes dos compromissos voluntários que o próprio Estado assumiu ao candidatar-se.

O Alto Comissariado para as Migrações também emitiu um comunicado, no qual é apontado que “considerando os acontecimentos recentes no Bairro do Alto da Cova da Moura, no passado dia 5 de fevereiro, que indiciam uma eventual prática de atos de violência racial, o Alto Comissariado vem informar que, no âmbito das suas competências na Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, determinou a averiguação dos factos através da instauração de processo contraordenacional o qual seguirá os seus trâmites nos termos previstos na lei”.

Por seu lado, a organização não-governamental Islamic Human Rigths Commission (IHRC), que detém estatuto consultivo especial no Conselho Económico e Social das Nações Unidas, já veio a público condenar a suposta brutalidade da atuação policial, tal como foi descrita pelas alegadas vítimas. “O raide na Cova da Moura faz parte de um padrão de brutalidade policial, tomando por alvo e criminalizando os jovens de ascendência africana na capital portuguesa. A IHRC condena fortemente o recente raide da polícia no bairro da Cova da Moura, no noroeste de Lisboa, e a brutalidade policial tanto durante aquele raide como no que se lhe seguiu”.

A própria ONU já referenciou a questão do racismo no bairro da Cova da Moura, designadamente no relatório emitido pelo Grupo Trabalho de Peritos sobre Pessoas de Ascendência Africana, em 2012. Neste documento é frisado que “de acordo com organizações não-governamentais com as quais os membros [do Grupo] se reuniram, a polícia toma por alvo imigrantes afrodescendentes e leva a cabo operações em larga escala nos bairros onde aqueles residem”.

“[Estas pessoas] são sujeitas a perfil racial pela polícia e estigmatizadas. Vários membros de uma comunidade predominantemente afrodescendente reportaram ao Grupo de Trabalho incidentes de brutalidade policial e casos em que a polícia forçou entrada nas suas casas no bairro da Cova da Moura, sem estar munida de mandado de busca, sob pretexto de estar à procura de alguém. Segundo os entrevistados, jovens de ascendência africana da comunidade foram vítimas frequentes de perfil racial por parte da polícia, que os manda parar nas ruas para os interrogar apenas devido à cor da sua pele”, descreve ainda aquele relatório.

Desta carta, a Amnistia Internacional deu também conhecimento à IGAI, à Direção Nacional da PSP, ao Alto-Comissário para as Migrações e à Comissão Nacional para os Direitos Humanos.

 

 

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