- Saúde de quatro ativistas detidos há um ano tem vindo a deteriorar-se drasticamente atrás das grades
- Amnistia Internacional tem documentado várias fases de declínio significativo no seu estado de saúde, num quadro aparentemente padronizado de privação deliberada de assistência médica pelas autoridades em diversas prisões
- “Um ano na prisão apenas por protestar pacificamente é inconcebível. As autoridades angolanas devem libertar estes ativistas sem demora” — Vongai Chikwanda
As autoridades angolanas devem libertar imediatamente quatro ativistas injustamente detidos há um ano e cuja saúde tem vindo a deteriorar-se drasticamente atrás das grades, declarou a Amnistia Internacional.
A polícia prendeu os quatro ativistas no dia 16 de setembro de 2023 em Luanda, antes de participarem numa manifestação de solidariedade com os mototaxistas. Desde então, a Amnistia Internacional tem documentado várias fases de declínio significativo no seu estado de saúde, num quadro aparentemente padronizado de privação deliberada de assistência médica pelas autoridades em diversas prisões, nomeadamente cirurgia urgente, o que constitui “tortura ou outros maus-tratos”.
“Um ano na prisão apenas por protestar pacificamente é inconcebível. As autoridades angolanas devem libertar estes ativistas sem demora, tendo especialmente em conta o agravamento do seu estado de saúde,” apelou Vongai Chikwanda, Diretora Regional Adjunta para a África Oriental e Austral da Amnistia Internacional.
“A privação deliberada de cuidados de saúde às pessoas que se encontram na prisão equivale a tortura, tendo também consequências potencialmente fatais e podendo violar o direito à vida. Estes ativistas não devem estar nem mais um dia atrás das grades nem privados da assistência médica de que necessitam urgentemente,” disse Vongai Chikwanda.
“A privação deliberada de cuidados de saúde às pessoas que se encontram na prisão equivale a tortura, tendo também consequências potencialmente fatais e podendo violar o direito à vida.”
Vongai Chikwanda
Um padrão de recusa de cuidados médicos
Adolfo Campos, líder do Movimento Revolucionário de Angola e chefe de património de um jornal local, entrou na prisão de boa saúde, mas, durante o último ano na cadeia de Calomboloca, perdeu progressivamente grande parte da visão e está agora completamente surdo do ouvido esquerdo.
No início de fevereiro de 2024, Adolfo foi internado de urgência no hospital prisional, onde os médicos recomendaram cirurgia num estabelecimento especializado. Contudo, as autoridades prisionais vetaram esse procedimento e continuam a ignorar um pedido, submetido a 7 de fevereiro pelo seu advogado, no sentido de ser transferido para outro hospital para cirurgia.
Durante todo o seu período de encarceramento, Adolfo Campos partilhou uma cela sobrelotada com mais de 100 reclusos, onde dorme no chão. Ocorrem rixas frequentes e até esfaqueamentos.
Hermenegildo Victor José, conhecido como Gildo das Ruas, é membro do movimento cívico Resistência Malanjina e não tinha também quaisquer problemas de saúde até ser preso na Cadeia Central de Luanda. Em junho começou a queixar-se de febre e dores no corpo, mas as autoridades prisionais não permitiram que fosse visto por um médico até ao dia 1 de agosto. O médico diagnosticou um desvio da coluna que o impede de ficar em pé por mais de 30 minutos devido às dores. Não se sabe ao certo como contraiu este problema, apesar de não ter sido agredido.
Um médico da prisão prescreveu a Gildo uma cadeira de rodas e uma prótese de correção lombar. Os seus advogados entregaram a cadeira de rodas a 15 de agosto, mas foi impedido de a utilizar durante pelo menos quatro dias. As autoridades negaram também duas visitas de familiares a Gildo em agosto.
Um médico da prisão prescreveu a Gildo uma cadeira de rodas e uma prótese de correção lombar. Os seus advogados entregaram a cadeira de rodas a 15 de agosto, mas foi impedido de a utilizar durante pelo menos quatro dias
Dois anos de sofrimento
Gilson Moreira, conhecido como Tanaice Neutro, é um músico e crítico frequente do governo que há mais de dois anos sofre as consequências da recusa de cuidados médicos pelas autoridades prisionais. Em janeiro de 2022, a polícia prendeu Tanaice por ele ter alegadamente chamado “palhaço” ao presidente João Lourenço. Na altura, Tanaice estava a sofrer de um problema de saúde grave e doloroso, e tinha uma cirurgia marcada no estrangeiro. As autoridades prisionais não autorizaram a realização deste procedimento.
Em outubro de 2022, após analisar fotografias e testemunhos médicos, um juiz ordenou a libertação imediata de Tanaice para tratamento, mas as autoridades prisionais desafiaram essa ordem, mantendo-o encarcerado mais oito meses e impedindo a sua família de entregar medicação. Tanaice sofreu também de dores de cabeça e febre e foi afligido por pensamentos suicidas atrás das grades.
Após a sua libertação, em junho de 2023, Tanaice tornou a marcar a sua cirurgia para novembro, mas a polícia prendeu-o em setembro, juntamente com os outros ativistas. Inicialmente, os guardas prisionais colocaram-no em prisão solitária durante 36 dias, na cadeia de Kakila, o que constitui “tortura ou outros maus-tratos”, transferindo-o depois para a cadeia de Calomboloca. Tanaice aguarda, até à data, autorização para a sua cirurgia.
Tanaice sofre também de dores nas costas e pernas, não lhe tendo sido autorizada roupa de cama adequada quando fazia frio, e tem sido agredido por outros reclusos.
Apenas o quarto ativista, Abraão Pedro Santos, conhecido como Pensador, conseguiu até agora evitar uma deterioração significativa da sua saúde na prisão. Pensador é membro da Sociedade Civil Contestatária e líder do Movimento Revolucionário Pantera Negra.
“Assistimos a um padrão preocupante de suspensão da assistência médica como forma de punir a dissidência pacífica, que equivale à tortura. As autoridades devem assegurar os cuidados médicos de que os reclusos necessitam”
Vongai Chikwanda
Contudo, num caso separado, os guardas prisionais recusaram assistência médica a outra dissidente detida arbitrariamente, a influenciadora Ana da Silva Miguel, conhecida como Neth Nahara. A polícia prendeu Neth em agosto de 2023, depois de criticar o Presidente João Lourenço num vídeo em direto no TikTok.
Neth revelou publicamente que é seropositiva em 2020, mas as autoridades da Cadeia Central de Luanda impediram que acedesse à sua medicação diária para o HIV durante meses, o que levou ao seu internamento de urgência a 3 de dezembro de 2023. As autoridades só a autorizaram a receber a medicação em abril de 2024, oito meses após ser presa. Neth deve ser libertada imediatamente.
“Assistimos a um padrão preocupante de suspensão da assistência médica como forma de punir a dissidência pacífica, que equivale à tortura. As autoridades devem assegurar os cuidados médicos de que os reclusos necessitam”, disse Vongai Chikwanda.
“As autoridades devem libertar imediatamente os ativistas presos e permitir a todas as pessoas o livre exercício dos direitos humanos no país, garantido na Constituição angolana e pelas normas internacionais de direitos humanos,” instou Chikwanda.
Contexto geral
A 19 de setembro de 2023, um tribunal de Luanda julgou sumariamente e condenou os quatro ativistas por “desobediência e resistência a ordens”. Não foram apresentadas quaisquer provas durante o julgamento, mas relatos e vídeos de testemunhas que circularam mostram que, no momento da prisão, os ativistas estavam deitados no chão, sem resistir. O tribunal condenou-os a dois anos e cinco meses de prisão e multou-os em 80 mil kwanzas (cerca de 77,5 euros) cada.