2 Maio 2018

A banda de k-pop Red Velvet fez um concerto no início de abril num teatro à pinha em Pyongyang, com Kim Jong-un na audiência – foi a primeira banda da Coreia do Sul a dar um espetáculo na Coreia do Norte em mais de uma década.

Esta é apenas uma de várias iniciativas surpreendentes tomadas recentemente pela Coreia do Norte, a mais notável sendo a possível cimeira do líder norte-coreano com o seu parceiro de contendas Donald Trump. Um degelo nas relações pode parecer promissor, mas é cedo demais para dizer se estamos a assistir a uma mudança permanente de políticas ou a algo passageiro.

A banda Red Velvet em concerto em Pyongyang em abril de 2018

A falta de informação proveniente de dentro do país significa que, para muitas pessoas no exterior, ainda persiste uma imagem da Coreia do Norte assolada pela fome e com carências nos serviços básicos. É verdade que o país é ainda pobre e muitos dos seus cidadãos continuam a passar fome, mas economicamente já percorreu um longo caminho desde a era de Kim Jong-il. Ao contrário do pai, Kim Jong-un tem revelado a ambição de fazer crescer a economia, mesmo no contexto de sanções da comunidade internacional, e aprovou tacitamente a existência, até o desenvolvimento, de pequenas empresas.

Infelizmente isto não quer dizer que mais pessoas estejam a fruir direitos humanos. A Amnistia Internacional documenta generalizadas, flagrantes e sistemáticas violações de direitos humanos em campos de presos políticos, onde 120 mil pessoas permanecem em risco de tortura, de trabalhos forçados e de outros maus-tratos, assim como a serem executadas. Algumas são condenadas apenas por serem familiares de outras consideradas uma ameaça pelo regime, ou “culpadas por associação”.

“A Amnistia Internacional documenta generalizadas, flagrantes e sistemáticas violações de direitos humanos em campos de presos políticos.”

Existem também graves restrições ao direito de liberdade de expressão. Apesar de aproximadamente três milhões de norte-coreanos já possuírem telemóveis, os aparelhos funcionam essencialmente como um sistema interno de comunicações. A vasta maioria dos norte-coreanos continua sem acesso legal a serviços de comunicações móveis internacionais ou à internet. A Amnistia Internacional entrevistou pessoas que foram perseguidas e detidas por tentarem contactar familiares e amigos que saíram da Coreia do Norte, especialmente aqueles que vivem na Coreia do Sul.

A mudança é possível?

Mas há boas notícias. Recentemente, tivemos conhecimento do caso de Koo Jeong-hwa, forçada a regressar à Coreia do Norte em novembro passado após ter conseguido atravessar a fronteira com a China junto com o filho de quatro anos. As autoridades mantiveram-na num centro de detenção em Hoeryeong, acusaram-na de traição por ter saído do país e esperava-se que fosse condenada a prisão perpétua.

O marido desta mulher, Lee Tae-won, disse à Amnistia Internacional estar convencido de que o Governo norte-coreano reagiria a pressão externa. E em março, logo após terem sido anunciados os planos de realização da cimeira entre a Coreia do Norte e do Sul, recebemos a boa notícia de que Koo Jeong-hwa fora posta em liberdade.

Koo Jeong-hwa com o marido e o filho

Esta inesperada libertação constitui um raro vislumbre de esperança e há razões para acreditar que as autoridades norte-coreanas sabem que o mundo está atento. Outros cidadãos com os quais falámos dizem ter a convicção de que o ativismo e escrutínio internacionais podem impedir que a situação de direitos humanos se agrave.

“Logo após terem sido anunciados os planos da cimeira entre a Coreia do Norte e do Sul, recebemos a boa notícia de que Koo Jeong-hwa fora posta em liberdade.”

Com efeito, a Coreia do Norte parece ter-se tornado mais recetiva a envolver-se nas Nações Unidas no que se refere a direitos humanos, incluindo a submissão de relatórios e o envio de delegados às revisões feitas no ano passado por comités sobre direitos das crianças e direitos das mulheres.

Há muito ainda que tem de mudar para os direitos humanos serem uma realidade na Coreia do Norte, mas esta é uma interessante escolha de momento para tão raras boas notícias.

Um ponto de viragem?

Na Amnistia Internacional, trabalhamos com governos, com a sociedade civil e com ativistas, incluindo norte-coreanos – muitos dos quais foram vítimas de abusos de direitos humanos. Alguns destes ativistas estão a fazer um trabalho maravilhoso de recolha e difusão de informação sobre direitos humanos ou de campanha e defesa desses direitos.

Através do envolvimento continuado com estes ativistas, aprendemos aquilo que eles pensam ser possível e trabalhamos juntos para tornar as mudanças uma realidade. Ao mesmo tempo, partilhamos com eles o nosso conhecimento sobre leis e padrões internacionais de direitos humanos, assim como a nossa experiência global a fazer campanhas e pressão institucional.

Ministro da Unificação sul-coreano aperta a mão a líder da delegação norte-coreana

Com a reunião com o Presidente da Coreia do Sul a 27 de abril passado e a proposta de cimeira com o Presidente Trump para maio próximo, temos de exercer pressão para pôr os direitos humanos nas agendas das conversações.

O Presidente sul-coreano descartou abordar os direitos humanos, sustentando que o tema central é a desnuclearização. O Departamento de Estado norte-americano, por seu lado, sinalizou estar aberto a discutir direitos humanos em qualquer eventual encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un.

“Temos de exercer pressão para pôr os direitos humanos nas agendas das conversações.”

Neste importantíssimo momento, em que Coreia do Norte, cujo secretismo é bem conhecido, pode estar recetiva à aproximação e em que responsáveis de topo no país se mostram dispostos a conversar sobre grandes temas como a desnuclearização, é fácil que a terrível situação de direitos humanos seja ignorada.

A Amnistia Internacional junto com outras organizações de direitos humanos mantém-se vigilante para que tal não aconteça.

Artigo originalmente publicado em português no Diário de Notícias

 

  • Artigo 19

    A liberdade de expressão é protegida pelo Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

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