23 Julho 2015

As autoridades iranianas terão executado 694 pessoas entre 1 de janeiro e 15 de julho de 2015, alerta a Amnistia Internacional com base em dados credíveis obtidos no terreno, e considerando aquele número chocante e sublinhando que tal constitui um pico sem precedentes nas execuções naquele país.

Estas execuções equivalem a terem sido mortas mais de três pessoas todos os dias durante aquele período. A este ritmo pavoroso, o Irão está no caminho para superar o número do total de execuções feitas no país que foram registadas pela Amnistia Internacional em todo o ano de 2014.

“Este balanço terrível das execuções no Irão em pouco mais de metade do ano espelha uma imagem muito sinistra da máquina do Estado a levar a cabo assassinatos premeditados e judicialmente sancionados a uma escala maciça”, frisa o vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de Árica, Said Boumedouha. “Se as autoridades iranianas continuarem as execuções a este ritmo horrível, iremos muito provavelmente ter mais de mil mortes aprovadas pelo Estado até ao final deste ano”, prossegue o perito.

O aumento no número de execuções demonstra uma vez mais o quão fora de curso o Irão está em relação ao resto do mundo no que se refere ao recurso à pena de morte – 140 países em todo o globo rejeitaram já o uso da pena capital na lei ou na prática. E só este ano, foram já mais três países que rejeitaram totalmente a pena de morte.

As execuções no Irão nem sequer foram suspensas durante o mês sagrado do Ramadão. Em contraposição com a prática que é observada nessa altura, pelo menos quatro pessoas foram executadas durante o mês passado.

Pena capital aplicada em julgamentos injustos

A Amnistia Internacional opõe-se à pena de morte de forma incondicional e em todos os casos, e entende que as sentenças à pena capital no Irão apresentam ainda a característica particularmente perturbante de serem invariavelmente impostas por tribunais nos quais se verifica uma total ausência de independência e imparcialidade.

A pena capital é proferida no Irão em casos de ofensas criminais que estão descritas na lei de forma vaga ou em termos muito latos ou em casos de atos que não deviam sequer constituir crime, menos ainda ser punidos com a pena de morte. Acresce que os julgamentos no Irão são marcados por falhas processuais graves, em que os detidos veem ser-lhes negado acesso a advogado com frequência e nos quais os processos de recurso, perdão e comutação de pena são desadequados.

“As autoridades iranianas deviam ter vergonha de executarem centenas de pessoas em total desrespeito pelas garantias essenciais dos princípios fundamentais de julgamento justo”, critica Said Boumedouha. “O recurso à pena de morte é sempre repugnante, mas levanta preocupações adicionais num país como o Irão, onde os julgamentos são flagrantemente injustos”, nota ainda o vice-diretor da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de Árica.

Não são claras as razões que estão por trás deste chocante aumento drástico no número de execuções, mas a maioria daqueles que foram executados em 2015 tinham sido condenados por acusações relacionadas com narcóticos.

A lei anti estupefacientes no Irão determina a emissão obrigatória da pena capital numa série de ofensas relacionadas com as drogas, incluindo o tráfico de mais de 5kg de narcóticos derivados do ópio ou de mais de 30gr de heroína, de morfina, de cocaína ou seus derivados químicos.

Tal constitui uma violação direta da legislação internacional, que restringe o recurso à pena de morte apenas para os denominados “crimes mais graves”: aqueles que envolvem homicídio intencional. As ofensas relacionadas com narcóticos não estão neste limiar.

Aliás, não existe tão pouco nenhuma prova sólida de que a pena capital seja dissuasora da prática de crimes ou do tráfico ou uso de drogas. No início deste ano, o vice-diretor do Centro iraniano de Pesquisa Estratégica admitiu que a pena de morte não trouxe nenhuma redução aos níveis de tráfico de droga.

“Há anos que as autoridades iranianas lançam mão da pena de morte para instalarem um clima de medo na tentativa iludida de combate ao tráfico de drogas, e porém não há qualquer vestígio de prova que mostre que este é um método eficaz de conter a criminalidade”, reitera Said Boumedouha.

Empurrados para um rumo que leva de certeza à morte

Muitas das pessoas condenadas por ofensas relacionadas com narcóticos provêm de meios desfavorecidos na sociedade iraniana. Os seus casos só raramente são conhecidos pela opinião pública.

Numa carta que circulou na Internet em junho passado, 54 presos nos corredores da morte da Prisão Ghezel Hesar, perto de Teerão, descreviam: “Somos vítimas de fome, de pobreza e de miséria, somos empurrados à força e contra a nossa vontade para o fundo da perdição… se tivéssemos trabalho, se não precisássemos de ajuda, se pudéssemos dar a volta às nossas vidas e impedir que os nossos filhos passem fome, por que razão tomaríamos um rumo que de certeza nos levaria à morte?”

Entre aqueles que foram executados este ano no Irão estão também membros de minorias étnicas e religiosas no país, condenados por “inimizade a Deus” e “corrupção na Terra”, como Saman Naseem, incluindo muitos prisioneiros políticos curdos e muçulmanos sunitas.

A monitorização feita pela Amnistia Internacional e outras organizações de direitos humanos regista que, atualmente, estão vários milhares de pessoas nos corredores da morte no Irão. As autoridades do país dizem que 80% dos que aguardam a execução foram condenados por ofensas relacionadas com narcóticos. Mas não forneceram um número exato.

“É especialmente perturbante que não se vislumbre um fim neste teatro de crueldade, com as forcas no Irão à espera de milhares mais de pessoas que estão nos corredores da morte”, remata Said Boumedouha.

Os presos no Irão são frequentemente deixados a definhar nos corredores da morte, questionando-se a cada dia que passa se é esse o seu último dia vivo. Em muitos casos são notificados da iminente execução apenas algumas horas antes e em alguns casos as famílias só sabem do destino do prisioneiro dias ou mesmo semanas após terem sido executados.

Número real de execuções no relatório anual sobre a pena capital

Todos os anos, as autoridades iranianas reconhecem oficialmente um determinado número de execuções judiciais. Porém, muitas mais são feitas mas não admitidas pelo Estado.

Até 15 de julho de 2015, as autoridades do Irão tinham oficialmente registadas 246 execuções, mas a Amnistia Internacional recebeu relatos credíveis de que foram feitas mais 448 execuções durante aquele período. Em 2014, foram executadas 289 pessoas segundos os registos oficiais iranianos e, na mesma linha, dados credíveis obtidos pela organização de direitos humanos atestam que o número verdadeiro foi de pelo menos 743 execuções.

Todos os anos, a Amnistia Internacional reporta tanto o número oficial de execuções reconhecido pelas autoridades iranianas como aquele que as organizações no terreno conseguem confirmar e que não é oficialmente reconhecido pelo Estado. Mas no cálculo do número total global de execuções para o Relatório Anual sobre a Pena de Morte, a Amnistia Internacional tem, até à data, considerado apenas o número que é reconhecido pelas autoridades do Irão.

A organização de direitos humanos revê agora essa abordagem e crê que contabilizar apenas o número reconhecido oficialmente não reflete a verdadeira escala das execuções no Irão – sobre o qual as autoridades têm o dever de serem transparentes.

Assim, no relatório anual que reportará sobre a pena de morte em 2015 – assim como em todo o trabalho que aborde a pena capital no Irão – a Amnistia Internacional passa a usar sempre os dados combinados do número de execuções que é admitido pelas autoridades e do número de execuções que não são oficialmente reconhecidas mas que a organização confirma que ocorrem.

 

A Amnistia Internacional mantém uma campanha ativa para salvar Saman Naseem, de quem nada se soube durante cinco meses, depois da sua transferência prisional feita em segredo pouco antes da data para a qual estava marcada a sua execução, em fevereiro passado. O Supremo Tribunal iraniano deu entretanto ordem para que o caso seja reavaliado judicialmente e é preciso continuar a tudo fazer para o salvar: junte-se à petição em defesa deste jovem, enviando uma mensagem ao Supremo Líder do Irão ayatollah Ali Khamenei para que suspenda definitivamente a execução, que é ilegal de acordo com a lei internacional tendo em conta que Saman Naseem era menor quando foi detido. Assine!

 

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