6 Setembro 2019

Vivem em campos de refugiados, não têm acesso a educação e o futuro está cheio de incertezas. Assim é a vida das crianças Rohingya no Bangladesh, denuncia a Amnistia Internacional no relatório “I don’t know what my future will be”: Rohingya refugees in Bangladesh (“‘Não sei qual será o meu futuro’: Os refugiados Rohingya no Bangladesh”).

Cerca de um milhão de refugiados Rohingya residem no Bangladesh e as estimativas apontam que perto de metade tem menos de dezoito anos. A maioria fugiu do Myanmar com a família, após a onda de violentos ataques registada no final de agosto de 2017.

“Existe um risco muito real de termos toda uma geração perdida de crianças refugiadas Rohingya”

Biraj Patnaik, diretor regional da Amnistia Internacional para o Sul da Ásia

As oportunidades de educação sempre foram limitadas para as crianças Rohingya. Os problemas registados vão desde as infraestruturas de ensino que funcionam nos campos de refugiados até à permissão que os alunos necessitam de ter para frequentar as escolas locais.

“Existe um risco muito real de termos toda uma geração perdida de crianças refugiadas Rohingya. O governo de Bangladesh recusa-se a aceitar que os refugiados Rohingya possam não regressar ao Myanmar e impõe restrições às suas vidas, inclusivamente negando às crianças o direito a uma educação de qualidade. Mesmo aqueles que vivem, há décadas, no Bangladesh, continuam sem poder mandar os filhos para a escola ou ter liberdade de movimentos”, afirma o diretor regional da Amnistia Internacional para o Sul da Ásia, Biraj Patnaik.

Em janeiro de 2019, o governo do Bangladesh decretou que as escolas secundárias perto da cidade de Cox’s Bazar deveriam expulsar os alunos Rohingya. Mohamed, que vive no campo de Nayapara, descreve a reação da filha à notícia: “Ela gostava de ir à escola e estava a aprender muito. Incentivei-a a continuar a estudar. É muito importante que as meninas tenham as mesmas oportunidades de educação dos meninos. Quando disseram que as crianças Rohingya não podiam ir mais à escola, ela voltou para casa a chorar”.

“Além de enfrentarem desafios diários, devido às difíceis condições dos campos, estão a chegar a um ponto de rutura por falta de oportunidades e pela incerteza sobre o seu futuro”

Biraj Patnaik, diretor regional da Amnistia Internacional para o Sul da Ásia

O governo de Bangladesh justifica a decisão de proibir as crianças de frequentarem a escola com o facto de poder ser um incentivo à permanência dos refugiados no país. Por isso, apenas aprova a criação de centros de aprendizagem e espaços de recreio. Ou seja, estamos perante uma violação flagrante de um dos direitos humanos mais fundamentais – o direito à educação. As consequências são incalculáveis e ficam bem expressas no relato do jovem Saeed, de 17 anos, que mora no campo de Bukhali: “Começo todos os dias com a esperança de que possa ser diferente dos anteriores. Mas acaba por ser igual. Não há aulas, não temos nada para fazer. Por quanto tempo mais?”.

A Amnistia Internacional apela ao governo do Bangladesh para levantar as restrições que limitam os direitos dos refugiados. Além disso, convida a comunidade internacional a apoiar o país na procura de soluções a longo-prazo.

“Muitas pessoas com quem conversámos passaram quase dois anos em abrigos improvisados ​​que não ofereciam condições contra as cheias das monções ou as temperaturas elevadas. Além de enfrentarem desafios diários, devido às difíceis condições dos campos, estão a chegar a um ponto de rutura por falta de oportunidades e pela incerteza sobre o seu futuro”, nota Biraj Patnaik.

Inferno na terra

A investigação da Amnistia Internacional resulta de uma visita a Cox’s Bazar, que decorreu entre 11 e 24 de fevereiro de 2019. No total, 97 refugiados foram entrevistados em nove campos. Apesar de se sentirem agradecidos ao governo do Bangladesh, às comunidades locais e às organizações internacionais no terreno, lamentam as condições inadequadas em que vivem.

“Está tudo sujo. As nossas casas são, insuportavelmente, quentes. A água cai dos telhados. As bombas de água e as casas de banho estão bastante perto de onde comemos e dormimos. E nem sabemos o que fazer quando temos de enterrar os nossos mortos”

Kobir, refugiado Rohingya

Os refugiados Rohingya não têm permissão para trabalhar no Bangladesh, por isso a maior parte que foi entrevistada está dependente de assistência humanitária para sobreviver. Contudo, nos aspetos mais básicos, como abrigo, água, saneamento, saúde e alimentação, a resposta fica aquém, conforme constata Kobir, colocado no campo Jamtoli: “É claro que é bom estarmos seguros. Mas há muito stress emocional e psicológico aqui. Às vezes, parece que estamos num canto do inferno. Está tudo sujo. As nossas casas são, insuportavelmente, quentes. A água cai dos telhados. As bombas de água e as casas de banho estão bastante perto de onde comemos e dormimos. E nem sabemos o que fazer quando temos de enterrar os nossos mortos. Não podemos continuar a viver assim”.

Os campos estão sobrelotados e há famílias inteiras obrigadas a partilhar um só quarto. Os cuidados de saúde também são limitados, uma vez que o condicionamento da liberdade de movimentos impede os refugiados de procurarem assistência médica fora das instalações a que estão confinados. Em alguns casos, são pedidos subornos para serem autorizados a sair.

Recolocação em Bhasan Char

Atualmente, existe uma proposta de deslocar até 100 mil pessoas para Bhasan Char, uma ilha desabitada na Baía de Bengala. Caso se confirme, há riscos significativos para os direitos humanos, já que os refugiados vão estar ainda mais isolados e vulneráveis.

“O isolamento vai criar, provavelmente, mais barreiras à liberdade de movimentos e ao acesso a educação, serviços de saúde e assistência jurídica”

Biraj Patnaik, diretor regional da Amnistia Internacional para o Sul da Ásia

Bhasan Char nasceu do depósito de lodos, tem cerca de 39 quilómetros quadrados e nunca foi habitada, apresentando várias vulnerabilidades face a inundações ou outros fenómenos climáticos extremos. Um refugiado de Kutupalong questiona: “Acham que somos menos humanos? Não queremos ir para outro lugar, até conseguirmos chegar a casa em segurança”.

O diretor regional da Amnistia Internacional para o Sul da Ásia defende que “é essencial que qualquer relocação não isole ou segregue os refugiados”. “As propostas para realocar os Rohingya em Bhasan Char representam sérios riscos aos direitos humanos. A ilha é extremamente vulnerável às alterações climáticas e fica a três horas de barco do continente. O isolamento vai criar, provavelmente, mais barreiras à liberdade de movimentos e ao acesso a educação, serviços de saúde e assistência jurídica”, enumera Biraj Patnaik.

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