10 Fevereiro 2015

O falhanço continuado das autoridades búlgaras em investigarem e julgarem os crimes de ódio está a alimentar o clima de medo, de discriminação e de violência no país, alerta a Amnistia Internacional em novo relatório.

Publicado esta segunda-feira, 9 de fevereiro, “Missing the point: Lack of adequate investigation of hate crimes in Bulgaria” (Falhar no essencial: a falta de investigação adequada aos crimes de ódio na Bulgária) documenta o impacto grave dos crimes de ódio nas vítimas, e salienta como o falhanço das autoridades em combater o preconceito enraizado contra requerentes de asilo, migrantes, muçulmanos e membros da comunidade lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual (LGBTI) está a alimentar ainda mais violência e discriminação.

“Centenas de pessoas de grupos minoritários têm vindo a ser alvo de crimes de ódio e muitas mais não confiam nas autoridades para as proteger. As autoridades búlgaras têm de tomar uma posição forte e garantir que cumprem as leis nacionais e internacionais, asseverando que os direitos humanos são respeitados para todos”, frisa o investigador da Amnistia Internacional perito em Discriminação na Europa, Marco Perolini.

Crimes de ódio raciais e xenófobos

Existe legislação na Bulgária para julgar os crimes de ódio ligados ao racismo e à xenofobia, mas as autoridades repetidamente e de forma sistemática não identificam nem investigam estes casos.

Os ataques contra migrantes e requerentes de asilo dispararam em 2013, de acordo com o Comité de Helsínquia Búlgaro e outras organizações locais de direitos humanos. O procurador-geral-adjunto da Bulgária informou a Amnistia Internacional que o gabinete da Procuradoria-Geral de Sófia abriu fase de inquérito em 80 processos criminais relativos a crimes contra minorias étnicas – incluindo migrantes, requerentes de asilo, membros das comunidades ciganas e membros da etnia turca – entre janeiro de 2013 e março de 2014. Mas os dados coligidos não são abrangentes e não refletem a verdadeira extensão destes abusos no país.

Nazir, um requerente de asilo oriundo do Iraque foi espancado com soqueiras de metal por um grupo de oito ou nove pessoas em setembro de 2013. Ficou hospitalizado durante nove dias e teve de ser submetido a duas cirurgias devido aos ferimentos sofridos naquele ataque. A polícia não foi ao hospital recolher o testemunho de Nazir e, mais tarde, recusou registar a sua queixa. Nazir relatou que a polícia lhes disse para “ir embora ou seria mandado de volta para o Iraque”.

Questionado sobre este caso pela Amnistia Internacional, o ministro búlgaro do Interior referiu que dois polícias foram sancionados por incumprimento das diligências, na conclusão de um inquérito interno. Permanece por esclarecer, porém, se foi ou não aberta uma investigação ao ataque contra Nazir.

Para alguns crimes, como o homicídio e a agressão física, a motivação racial ou xenófoba constitui fator agravante e implica uma pena acrescida. Mas as autoridades tratam estes casos frequentemente como motivados por hooliganismo, o que, segundo os procuradores explicaram à Amnistia Internacional, é mais fácil de provar em tribunal. Isto acontece, em parte, porque muitos responsáveis judiciais não possuem os conhecimentos necessários e relevantes, nem a experiência, para porem em prática a legislação existente no país.

“Frequentemente, os elementos discriminatórios de um crime, como insultos raciais, são simplesmente ignorados pelas autoridades. E o eufemismo de hooliganismo não é substituto para julgar casos como o que realmente são”, sustenta Marco Perolini. “O racismo e a xenofobia só podem ter fim se as autoridades admitirem e documentarem a sua existência”, prossegue o perito da Amnistia Internacional em Discriminação na Europa.

Outro alvo de um ataque racialmente motivado foi Metin, um cidadão búlgaro de ascendência turca espancado brutalmente por um grupo de skinheads junto a um edifício de apartamentos onde reside um número elevado de migrantes. Metin sofreu ferimentos muito graves, que puseram a sua vida em risco e o deixaram em coma durante várias semanas.

Um dos atacantes gritou para um homem que tentou intervir quando o grupo de skinheads tentara antes invadir a casa de Metin: “Porque é que está a defender os migrantes? Eles andam a matar raparigas búlgaras.” A polícia deteve os suspeitos no local do ataque e foi aberta a fase de inquérito de um processo criminal por tentativa de homicídio motivado por hooliganismo.

Crimes de ódio homofóbico e transfóbico

Não há na Bulgária legislação para criminalizar autonomamente os crimes de ódio homofóbico, os quais são atualmente investigados e julgados como atos de hooliganismo.

Em janeiro de 2014, o Governo búlgaro propôs uma reforma ao Código Penal, na qual a orientação sexual passaria a ser contemplada como um motivo de ódio proibido, mas a adoção desta nova legislação ficou em suspenso na antecipação das eleições legislativas de outubro de 2014. O novo Governo não assumiu até agora qualquer compromisso com aquela mudança do quadro penal.

“Os abusos homofóbicos e transfóbicos são varridos para debaixo do tapete na Bulgária. As autoridades búlgaras têm de rever a lei dos crimes de ódio de forma a incluir todos os tipos de discriminação, para que os membros das comunidades lésbica, lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual possam começar a viver sem medo”, defende Marco Perolini.

Mihail Stoianov, um estudante de 25 anos, foi brutalmente assassinado no parque de Sófia, capital da Bulgária, em 2008, porque o tomaram por homossexual. Durante a investigação, uma testemunha descreveu que os dois suspeitos no homicídio faziam parte de um grupo que tinha como objetivo “limpar” o parque dos homossexuais.

Devido às lacunas na lei, o gabinete do procurador-geral de Sófia apresentou, em agosto de 2013, acusações de homicídio motivado por hooliganismo. O procurador encarregue deste processo avançou à Amnistia Internacional: “A lei é limitada e é por essa razão que não pude elencar o motivo de homofobia na formulação das acusações”.

Obstáculos à justiça para as vítimas

A maioria das vítimas de crimes de ódio nem sequer os reporta às autoridades. Algumas dizem que não acreditam que a polícia dê uma resposta adequada ao caso, ou até mesmo que temem ainda mais discriminação por parte da polícia.

Segundo um inquérito recente da União Europeia, 86% dos membros das comunidades LGBTI na Bulgária que sofreram ameaças ou violência não reportaram estes incidentes à polícia. Cerca de um terço daqueles que não denunciaram os casos indicaram recear reações homofóbicas ou transfóbicas por parte da polícia búlgara como a razão que os torna relutantes a apresentarem queixas às autoridades.

Poucos dos que apresentam queixa de crimes de ódio veem ser feita justiça através dos tribunais e obtêm alguma forma de compensação. A Amnistia Internacional entrevistou queixosos que não foram devidamente informados dos seus direitos legais como vítimas nem sobre os desenvolvimentos dos seus casos – o que fica aquém daquilo que é exigido pelas leis da Bulgária.

Aurore, uma cidadã afro-francesa, foi atacada numa paragem de autocarro em Sófia por um grupo de sete ou oito homens. Cercaram-na e imitaram os movimentos e sons de macacos e depois empurraram-na para o chão e pontapearam-na. Os amigos caucasianos que se encontravam com ela no momento não foram visados; é patente que ela foi vítima de um ataque racista.

Nunca foi convocada como vítima para aparecer em tribunal, nem tão pouco informada das audiências do julgamento. O tribunal absolveu todos os suspeitos de responsabilidade criminal e condenou-os ao pagamento de uma multa.

Entrevistada pela Amnistia Internacional, Aurore descreveu: “Parte de mim morreu naquele dia… e mais ainda ao saber que aquelas pessoas foram apenas multadas e que não fui informada do julgamento. Não quero dinheiro, nada disso, mas quero que aqueles atos sejam reconhecidos e punidos de forma correta, de maneira a que talvez não voltem a acontecer situações similares”.

“As autoridades búlgaras têm de investigar, reconhecer e condenar publicamente os crimes de ódio para prevenir a ocorrência destes crimes no futuro e enfrentar os preconceitos profundamente enraizados na sociedade búlgara”, remata o perito da Amnistia Internacional em Discriminação na Europa.

 

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