17 Janeiro 2022

 

  • Fortes restrições no acesso à informação 
  • Preocupação com detenções arbitrárias e tratamento de pessoas detidas  
  • Número de mortes ainda desconhecido 

As autoridades cazaques devem libertar os jornalistas e ativistas que foram arbitrariamente detidos pela cobertura dos protestos em massa por todo o país, na passada semana. Devem ainda fornecer informação sobre todas as detenções relacionadas com os protestos e assegurar que são respeitados os direitos humanos dos detidos, referiu a Amnistia Internacional. Desde o início das manifestações, a 2 de janeiro, foram detidas cerca de 10.000 pessoas, de acordo com dados oficiais do governo.

Todos aqueles que não cometeram crimes reconhecidos internacionalmente e foram arbitrariamente detidos – por exemplo, apenas por violarem a legislação excessivamente restritiva do Cazaquistão sobre reuniões e manifestações públicas – devem também ser libertados de imediato.

A organização de direitos humanos apelou ainda às autoridades cazaques para que ordenem uma investigação efetiva e imparcial de todas as violações de direitos humanos denunciadas, em particular, referentes ao uso letal de força pelas forças de segurança, e para que respeitem os direitos humanos neste contexto de agitação do país.

“Ainda que a situação no Cazaquistão pareça mais calma, a crise está longe de ter terminado. Nada é mais importante agora do que o livre acesso à informação independente, a plena responsabilização pelo que ocorreu e o compromisso de respeitar os direitos humanos futuramente”, referiu Marie Struthers, diretora da Amnistia Internacional para a Europa de Leste e Ásia Central.

 

Número de mortes permanece desconhecido

O número exato de vítimas resultante da violência recente no Cazaquistão continua desconhecido. As autoridades confirmaram que foram mortos, pelo menos, 18 agentes da autoridade mas, até ao momento, não revelaram o número de baixas civis. A 9 de janeiro, um canal do Telegram associado ao governo divulgou informação sobre as mortes de 164 indivíduos, mas foi posteriormente desmentido pelo Ministério da Saúde como sendo uma falha técnica.

“O silêncio das autoridades quanto ao número de vítimas da recente instabilidade e às circunstâncias das suas mortes é revoltante”

Marie Struthers

“O silêncio das autoridades quanto ao número de vítimas da recente instabilidade e às circunstâncias das suas mortes é revoltante. A informação sobre as baixas civis deve ser imediatamente divulgada”, apontou Marie Struthers.

 

Acesso à Internet restringido, jornalistas assediados, protetores de direitos humanos perseguidos

As autoridades cazaques desativaram a Internet e restringiram as comunicações móveis durante cinco dias após o início dos protestos. Durante este período, culparam defensores de direitos humanos e ativistas por impulsionarem as manifestações e procederam à detenção de jornalistas independentes.

A 7 de janeiro, Lukpan Akhmedyarov, editor do jornal Uralskaya Nedelya, foi detido em Uralsk e condenado a dez dias de detenção por, alegadamente, ter violado as regras indevidamente restritivas do Cazaquistão sobre o direito de reunião. A 5 de janeiro, dois jornalistas do serviço local da RFE/RL (Radio Free Europe / Radio Liberty), a rádio Azattyk, foram detidos e interrogados sobre o seu trabalho durante os protestos. A 10 de janeiro, as autoridades também ordenaram ao órgão de comunicação independente, Fergana.ru, que eliminasse uma reportagem sobre a crise, sob pena de enfrentar um processo penal. Existem relatos de jornalistas estrangeiros a quem foi negada a entrada no país. O acesso à Internet, embora restabelecido a 10 de janeiro, continua a ser regularmente bloqueado pelas autoridades, e os serviços de mensagens móveis permanecem inacessíveis localmente.

“As autoridades devem restaurar o acesso sem restrições à Internet, desbloquear todas as outras formas de comunicação e terminar a repressão contra aqueles que partilham notícias de forma independente. No seio de uma crise, a informação independente é crucial. O apagão reativo por parte das autoridades esteve próximo de manter toda a população incomunicável”, afirmou Marie Struthers.

“A Amnistia Internacional continua profundamente preocupada com a forma como o presidente Tokayev culpou, na televisão nacional, jornalistas e defensores de direitos humanos por incitarem à agitação”

Marie Struthers

“A Amnistia Internacional continua profundamente preocupada com a forma como o presidente Tokayev culpou, na televisão nacional, jornalistas e defensores de direitos humanos por incitarem à agitação – uma narrativa que, desde então, foi adotada por várias pessoas em posições de autoridade no Cazaquistão.”

 

Maus-tratos aos detidos e o seu direito a um julgamento justo 

O Ministério do Interior do Cazaquistão comunicou que foram detidas quase 10.000 pessoas desde a agitação em massa e os confrontos violentos entre polícia e manifestantes. Já foram iniciados mais de 400 casos penais. De acordo com o Procurador-Geral, a maioria destes processos penais dizem respeito a violência, incluindo assassinatos. No entanto, em alguns casos de que a Amnistia Internacional tem conhecimento, as autoridades cazaques perseguiram a dissidência pacífica sob a acusação vaga de “incitamento à discórdia social.” Sob esta mesma acusação, foi até aberto um processo penal referente a um piquete de rua solitário que o ativista ambiental Artyom Sochnev realizou em Stepnogorsk, a 4 de janeiro.

A lei excessivamente restritiva do Cazaquistão que regula as reuniões públicas proíbe efetivamente qualquer protesto de rua, a menos que este seja expressamente autorizado pelas autoridades locais. Ao abrigo desta legislação, milhares de cazaques que participaram em protestos pacíficos nos últimos dias estão sujeitos a prisão e multas, ou a detenção até 15 dias.

“Estamos extremamente preocupados com as condições de detenção e com os fundamentos para a detenção de milhares de pessoas detidas”

Marie Struthers

“Estamos extremamente preocupados com as condições de detenção e com os fundamentos para a detenção de milhares de pessoas detidas. Muitas estão desaparecidas, como o jornalista Makhambet Abzhan, cujo paradeiro permanece desconhecido desde 6 de janeiro”, referiu Marie Struthers.

“Infelizmente, os julgamentos injustos continuam generalizados no Cazaquistão, bem como a tortura e outros maus-tratos, enquanto os advogados veem frequentemente negado o acesso aos seus clientes e são regularmente silenciados por ordens de sigilo. Yubzal Kuspan, um advogado, foi detido e encontra-se, ele próprio, preso durante dez dias, apenas por ter participado numa manifestação pacífica.”

O risco de tortura e outros maus-tratos é demonstrado pelo caso de Vikram Ruzakhynov, um músico de jazz do vizinho Quirguistão, que se encontrava em digressão no Cazaquistão. No domingo, a televisão estatal cazaque transmitiu o seu interrogatório, que mostrou Ruzakhynov seriamente ferido a “confessar” ter sido recrutado por “estrangeiros” para “participar numa manifestação de protesto” a troco de dinheiro. Ruzakhynov foi depois libertado, na sequência de um protesto diplomático do Quirguistão.

“Todos aqueles arbitrariamente detidos apenas por terem participado nos protestos, devem ser libertados imediatamente. Têm de ser providenciados julgamentos justos, de acordo com o direito internacional de direitos humanos, aos manifestantes acusados de cometer crimes reconhecidos internacionalmente por comportamento violento. Por outro lado, todos os relatos de maus-tratos por parte de autoridades necessitam de ser efetivamente investigados, com responsabilização para quem os tenha cometido”, conclui Marie Struthers.

 

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