6 Julho 2022

 

  • 48 novos detidos adicionados à campanha da Amnistia Internacional sobre detenção arbitrária, elevando para 120 o total de detenções

  • Familiares descrevem a injustiça e o horror provocados pela separação prolongada

  • Apesar da recente visita a Xinjiang, a alta-comissária da ONU ainda não divulgou o relatório sobre a violação dos direitos humanos na China

A Amnistia Internacional divulgou esta quarta-feira novos testemunhos de familiares de 48 pessoas de etnia uigur e cazaque, reiterando o apelo para que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos tome medidas relativamente aos detidos na Região Autónoma Uigur de Xinjiang, na China.

Os novos testemunhos reunidos pela Amnistia Internacional fazem parte da campanha Free Xinjiang Detainees, que conta as histórias de 120 indivíduos que foram arrastados para o sistema prisional e para os campos de internamento em Xinjiang.

Michelle Bachelet, a alta-comissária da ONU que está de saída da organização, ainda não divulgou o relatório sobre as graves violações de direitos humanos em Xinjiang, sendo que, devido a esse atraso, foi encerrada mais uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU sem que tenha sido possível discutir as conclusões sobre Xinjiang.

“O atrasado na resposta da ONU ao pesadelo distópico que se vive em Xinjiang é mais um insulto às vítimas e aos sobreviventes da campanha chinesa de detenção em massa, tortura e perseguição contra as minorias predominantemente muçulmanas de Xinjiang, desde 2017”

Agnès Callamard

Segundo Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional, “o atraso que tem caracterizado a resposta da ONU ao pesadelo distópico que se vive em Xinjiang é mais um insulto às vítimas e aos sobreviventes da campanha chinesa de detenção em massa, tortura e perseguição contra as minorias predominantemente muçulmanas de Xinjiang, desde 2017”.

“Continuamos a apelar para que o governo chinês desmantele o seu vasto sistema de campos de internamento; que acabe com todas as detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e maus-tratos, seja em prisões ou em outros locais; e que acabe com a terrível perseguição aos uigures, cazaques e outras minorias em Xinjiang”, sublinhou Agnès Callamard, lembrando que “as autoridades chinesas devem ser responsabilizadas”.

“Um passo crucial para que isso aconteça é que a alta comissária Bachelet publique o relatório há muito adiado, que deve ser apresentado com urgência no Conselho de Direitos Humanos da ONU. O seu contínuo fracasso em denunciar crimes contra a humanidade e outras graves violações de direitos humanos em Xinjiang é um obstáculo à justiça. Também envergonha a ONU”, referiu.

 

Famílias separadas

A Amnistia Internacional realizou recentemente entrevistas presenciais na Turquia com parentes exilados de 48 detidos. Os entrevistados descreveram como os seus entes queridos foram presos por acusações relacionadas com “terrorismo” ou outras acusações falsas, aparentemente por coisas tão normais como viajar ou como pagar a educação dos seus filhos que estudam fora do país. Outros parecem ter sido presos apenas pela sua religião ou etnia.

Gulaisha Oralbay, uma mulher cazaque, descreveu o que aconteceu com o seu irmão, Dilshat Oralbay, jornalista e tradutor uigure reformado, depois de as autoridades chinesas o persuadirem a regressar do Cazaquistão para Xinjiang, em 2017. O seu passaporte foi confiscado imediatamente após o seu regresso, sendo preso alguns meses depois.

“Não há tribunal, eles prenderam-no [e disseram que seria] por 25 anos”, referiu Gulaisha. “Eu acho que ele nem sabe qual é o motivo pelo qual foi preso. Alguém disse que foi porque viajou para o Cazaquistão. Não há justificação e razões evidentes para a sua prisão”.

As duas irmãs de Gulaisha e Dilshat, Bakytgul e Bagila Oralbay, também estão detidas.

Abdullah Rasul revelou à Amnistia Internacional como o seu irmão, Parhat Rasul, um agricultor uigur e talhante a tempo parcial, foi detido e levado para um campo de internamento em maio de 2017. A família não teve notícias de Parhat desde então, mas, em 2018, uma fonte credível revelou que este tinha sido condenado a nove anos de prisão.

A família acredita que Parhat foi preso pelo simples facto de ser muçulmano, ele que estava a fazer trabalhos de caridade. Os familiares revelaram ainda que a esposa de Parhat, Kalbinur, e a sua sogra, Parizat Abdugul, também foram presas. Parhat e Kalbinur têm duas filhas, de 14 e 16 anos, e um filho de 11.

“O governo chinês quer apagar a nossa identidade, apagar a nossa cultura, apagar a nossa religião”, disse Abdullah Rasul. “Espero que todos possam ver claramente o que está a acontecer com a nossa pátria”.

Medine Nazimi descreveu como ouviu pela última vez a voz da sua irmã, Mevlüde Hilal, no final de 2016. Mevlüde estava a estudar na Turquia, mas, depois de voltar a Xinjiang para ajudar a sua mãe, que se encontrava doente, foi enviada para um campo de internamento em 2017 e, mais tarde, condenada a dez anos de prisão sob a acusação de “separatismo”. Mevlüde é casada e tem uma filha, ainda criança.

“Quando levaram a minha irmã, a minha sobrinha, Aisha, tinha apenas um ano de idade”, disse Medine à Amnistia Internacional. “Estávamos apenas a viver as nossas vidas e éramos uma família feliz. A minha irmã foi levada por apenas um motivo: porque é uigure.”

As pessoas que falam sobre a situação das vítimas de detenção arbitrária correm grande risco. Vários familiares de detidos relataram ter sido ameaçados pelas autoridades por virem a público prestar declarações.

Abudurehman Tothi, empresário e ativista uigur que vive na Turquia, foi entrevistado pela imprensa internacional relativamente à detenção da sua esposa, da sua mãe e à detenção arbitrária do seu pai. Abudurehman disse à Amnistia Internacional que, depois das entrevistas, foi contactado pelo consulado chinês na Turquia, que o ameaçou com uma detenção ou a morte num “acidente de carro”.

 

Uma enorme quantidade de provas

Desde 2017 tem havido cada vez mais documentação sobre a repressão da China contra uigures, cazaques e outras minorias étnicas predominantemente muçulmanas de Xinjiang, que aconteceu sob o pretexto de que o governo chinês estava a combater o “terrorismo”. Em 2021, um relatório da Amnistia Internacional demonstrou que as prisões em massa, a tortura e as perseguições sistemáticas planeadas pelo Estado – perpetradas pelas autoridades chinesas – eram crimes contra a humanidade.

As autoridades chinesas usaram o seu estado de vigilância repressiva para tentarem varrer essas violações para debaixo do tapete, mas as informações sobre a sua atuação continuam a chegar a todo o mundo. Em maio de 2022, vários meios de comunicação social internacionais publicaram uma investigação conjunta, os Arquivos da Polícia de Xinjiang, que incluíam discursos, imagens, documentos e planos da rede interna da polícia chinesa, que acabaram por ser tornados públicos.

“Apesar do crescente número de provas, as autoridades chinesas continuam a mentir ao mundo relativamente às detenções arbitrárias de grande escala em Xinjiang”, disse Agnès Callamard.

“A Amnistia Internacional apoia o apelo conjunto de dezenas de especialistas da ONU para se estabelecer um mecanismo independente, imparcial e internacional. Tal mecanismo deve investigar os crimes contra a humanidade e outras graves violações de direitos humanos cometidas pelo governo chinês em Xinjiang. Os muitos milhares de pessoas ainda detidas arbitrariamente e as suas famílias merecem justiça e a responsabilização pelos atos criminosos”.

Bachelet deve responder com urgência aos pedidos das famílias dos detidos e revelar se o seu gabinete conseguiu, de alguma forma, tomar medidas para que a informação sobre os detidos seja prestada aos seus familiares.

 

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