31 Agosto 2023

 

  • Em agosto de 2022, o relatório da ONU concluiu que as violações do governo chinês contra os uigures podem constituir crimes contra a humanidade”
  • Esta semana, o Presidente Xi Jinping fez uma visita surpresa à cidade de Urumqi, em Xinjiang, apelando às autoridades para que reforçassem a repressão das “atividades religiosas ilegais”
  • Um ano após o lançamento deste relatório, permanece a falta de ação pela comunidade internacional

 

A 31 de agosto de 2022, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) divulgou a sua tão esperada avaliação sobre a situação dos direitos humanos na região autónoma uigur de Xinjiang. Nas suas conclusões, foram evidenciados que os abusos cometidos pelo governo chinês contra os uigures e outras minorias predominantemente muçulmanas – como a tortura e prisão em massa em campos de internamento – podem “constituir crimes contra a humanidade”.

Esta avaliação veio reforçar as conclusões que a Amnistia Internacional e outras organizações da sociedade civil tinham previamente documentado. Eram já conhecidos os padrões de tortura e outros maus-tratos, bem como os incidentes de violência sexual e baseada no género, entre tantos outros abusos.

Um ano após o lançamento do relatório, a Amnistia Internacional alerta para a resposta lamentavelmente inadequada que a comunidade internacional tem tido para com a situação em Xinjiang, reforçando a necessidade de responsabilizar a China pelos crimes contra a humanidade perpetrados. Sarah Brooks, diretora regional adjunta da Amnistia Internacional para a China, salienta que “a comunidade internacional – mesmo importantes setores da própria ONU – tem-se abstido da tomada de medidas resolutas que são cruciais para promover a justiça, verdade e reparação das vítimas”. Uma vez que permanecem as condições para que se perpetuem estas violações de direitos humanos, é mais imprescindível que nunca a adoção de medidas rápidas e eficazes para pôr um fim a esta situação.

“A comunidade internacional – mesmo importantes setores da própria ONU – tem-se abstido da tomada de medidas resolutas que são cruciais para promover a justiça, verdade e reparação das vítimas”

Sarah Brooks

A avaliação do ACNUDH sobre Xinjiang foi publicada no último dia do mandato da anterior Alta Comissária, Michelle Bachelet. Em 2021, um ano antes daquela que foi a data do lançamento oficial, Michelle Bachelet já afirmava que a mesma estava em fase de finalização. A sua publicação foi sendo continuamente adiada. Um rascunho de uma carta a que os meios de comunicação conseguiram aceder e divulgar, mostra que as autoridades chinesas terão instado a Alta Comissária a “não publicar” o relatório do seu gabinete sobre a situação em Xinjiang.

Em outubro de 2022, os Estados-membros do Conselho dos Direitos Humanos rejeitaram, por uma pequena margem, uma resolução que teria convocado um debate sobre o relatório – uma iniciativa que não teve em conta os apelos de 50 dos peritos nomeados pelo próprio Conselho (os Procedimentos Especiais) para uma sessão especial sobre a questão. Por sua vez, em dezembro de 2022, o sucessor de Michelle Bachelet, Volker Turk, comprometeu-se a “dialogar pessoalmente com as autoridades (chinesas)” sobre as graves violações de direitos humanos expressas no relatório. Apesar do seu acompanhamento público – onde se incluem uma declaração em março de 2023 de que o seu gabinete tinha aberto “canais de comunicação” com Pequim, e outra declaração em junho de 2023 reiterando os esforços do seu gabinete para procurar “um maior envolvimento” -, a verdade é que ainda nada mudou para a responsabilização necessária por estas violações.

“Precisamos que as autoridades nacionais e internacionais – como o Alto Comissariado enquanto autoridade de direitos humanos – recorram a todos os meios à sua disposição capazes de levar a uma mudança significativa nas políticas repressivas da China. Destacamos a importância de um diálogo honesto, aberto e assente nas evidências que comprovam as violações dos direitos humanos perpetradas pelas autoridades”, enuncia Sarah Brooks.

“Precisamos que as autoridades nacionais e internacionais – como o Alto Comissariado enquanto autoridade de direitos humanos – recorram a todos os meios à sua disposição capazes de levar a uma mudança significativa nas políticas repressivas da China”

Sarah Brooks

O aniversário do relatório assinala-se na mesma semana em que o Presidente Xi Jinping fez uma visita surpresa à cidade de Urumqi, em Xinjiang, na qual apelou às autoridades para que reforçassem a repressão das “atividades religiosas ilegais”. As autoridades chinesas têm rejeitado, repetidamente, as acusações que dão conta dos abusos de direitos humanos na região.

“A necessidade de os Estados, através do Conselho dos Direitos Humanos, criarem um mecanismo internacional independente para investigar os crimes à luz do direito internacional e outras violações dos direitos humanos em Xinjiang é mais urgente do que nunca. As famílias das pessoas que foram detidas arbitrariamente, desaparecidas à força ou maltratadas querem e merecem respostas e responsabilização, em vez de mais atrasos e falta de respostas”, realça Sarah Brooks.

“Precisamos que as autoridades nacionais e internacionais recorram a todos os meios à sua disposição capazes de levar a uma mudança significativa nas políticas repressivas da China”

Sarah Brooks

Em setembro de 2022, a Amnistia Internacional Portugal recebeu Rushan Abbas, fundadora e diretora executiva da organização Campaign for Uyghurs, que nos explicou brevemente quando e como se deu o início destas políticas repressivas por parte do governo chinês, de que forma se verificam estas violações de direitos humanos e como estes abusos, detenções e desaparecimentos forçados têm destruído a vida e as famílias dos uigures e de outras minorias em Xinjiang. Sempre acompanhada pela fotografia da irmã, que foi detida em Xinjiang em 2018, Rushan Abbas recorreu à sua história e à do marido – que viu quase toda a sua família desaparecer em 2017 – para mostrar a deceção com a comunidade internacional. Assumiu ainda que pouca pressão tem sido feita para a responsabilização do regime de Pequim face aos crimes contra a humanidade praticados.

 

Rushan Abbas, fundadora e diretora executiva da organização Campaign for Uyghurs

 

Contexto

Desde 2017, tem sido documentada a repressão da China contra uigures, cazaques e outras minorias étnicas predominantemente muçulmanas em Xinjiang, realizada sob o pretexto de combater o terrorismo. Em 2021, um relatório exaustivo da Amnistia Internacional demonstrou que a detenção e prisão sistemática e em massa organizadas pelo Estado, a tortura e a perseguição perpetradass pelas autoridades chinesas constituíam crimes contra a humanidade.

A campanha da Amnistia Internacional “Libertem os detidos de Xinjiang” traçou, até à data, o perfil de 126 indivíduos que se encontram entre os, pelo menos, um milhão de pessoas que foram mantidas em detenção arbitrária em campos de internamento e prisões em Xinjiang desde 2017.

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