22 Fevereiro 2020

A China persegue, sistematicamente, uigures e outros grupos étnicos muçulmanos, mesmo depois de terem deixado o país, denuncia a Amnistia Internacional. A partir de uma nova investigação, publicada esta sexta-feira, é demonstrado como são visados membros destas comunidades na diáspora através da pressão das embaixadas chinesas e de ameaças telefónicas.

“Os relatos arrepiantes de uigures que vivem no exterior são a prova de como a repressão contra os muçulmanos da China se estende muito além das suas fronteiras”

Patrick Poon, investigador da China da Amnistia Internacional

“Os relatos arrepiantes de uigures que vivem no exterior são a prova de como a repressão contra os muçulmanos da China se estende muito além das suas fronteiras”, avisa Patrick Poon, investigador da China da Amnistia Internacional.

“Mesmo quando os uigures e membros de outras minorias fogem da perseguição em Xinjiang, a segurança não está garantida. O governo chinês encontra maneiras de alcançá-los, intimidá-los e, finalmente, tentar trazê-los de volta para um destino sombrio – inclusivamente, através de pressão sobre outros governos”, completa.

A Amnistia Internacional reuniu informações de aproximadamente 400 uigures, cazaques, uzbeques e membros de outros grupos étnicos predominantemente muçulmanos, que vivem em 22 países e cinco continentes, entre setembro de 2018 e setembro de 2019. Os relatos revelam o sentimento diário de perseguição e medo.

Vários entrevistados afirmaram que as autoridades de Xinjiang visam os seus familiares que vivem na região autónoma chinesa, com o objetivo de restringir as atividades das comunidades uigures radicadas no estrangeiro. Outros garantiram que são alvo de controlo e intimidação através de mensagens e plataformas de comunicação.

Os depoimentos ilustram ainda a abrangência global desta campanha. Por todo o mundo, as embaixadas e os consulados chineses estão encarregues de reunir informações sobre as pessoas originárias de Xinjiang que residem no exterior.

“É vital que todos os governos que acolhem a diáspora de Xinjiang, por todo o mundo, tomem medidas para proteger essas pessoas da intimidação feita pelas embaixadas e pelos agentes chineses”

Patrick Poon, investigador da China da Amnistia Internacional

Desde 2017, existe uma campanha sem precedentes de detenção em massa de uigures, cazaques e membros de outros grupos étnicos predominantemente muçulmanos. Estima-se que um milhão ou mais de pessoas tenham sido mantidas nos chamados centros de “transformação através da educação” ou “formação vocacional”, em Xinjiang, onde sofreram uma série de violações dos direitos humanos.

No início desta semana, um documento do governo chinês com 137 páginas foi divulgado por vários meios de comunicação internacionais. Nele era possível ver detalhes pessoais de cidadãos que vivem em Xinjiang, incluindo hábitos religiosos e relações sociais. A informação seria usada para determinar se deveriam ser encaminhados para os centros de “reeducação” – algo que a Amnistia Internacional tem documentado ao longo dos últimos anos.

“Apesar de a China negar continuadamente a existência de campos de internamento, há um crescente número de provas de que qualquer pessoa deportada para Xinjiang corre um risco real de ser enviada para aí e, portanto, sujeita a graves violações dos direitos humanos”, nota Patrick Poon.

“É vital que todos os governos que acolhem a diáspora de Xinjiang, por todo o mundo, tomem medidas para proteger essas pessoas da intimidação feita pelas embaixadas e pelos agentes chineses, e evitem o seu retorno forçado à China”, conclui.

Entre um e 1,6 milhões de uigures vivem no exterior, de acordo com o Congresso Mundial Uigures. As comunidades mais significativas podem ser encontradas no Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão. Outras, mais reduzidas, vivem em países como: Afeganistão, Alemanha, Arábia Saudita, Austrália, Bélgica, Canadá, Estados Unidos da América, Noruega, Países Baixos, Rússia, Suécia e Turquia.

 

Ismayil Osman

Este operário uigur, que vive nos Países Baixos, recorda: “Os polícias chineses pediram o meu número de telefone ao meu irmão [em Xinjiang]. Em novembro de 2014, aproximaram-se dele e obrigaram-no a ligar-me. Disseram que eu tinha de fornecer informações de outros uigures. Caso contrário, levariam o meu irmão.”

 

Dilnur Enwer

A viver no Canadá desde janeiro de 2019, esta mulher recebeu repetidas chamadas da embaixada chinesa e de pessoas não identificadas a pedir que fosse buscar um documento “importante“. Requerente de asilo, receia falar da detenção dos pais em abril de 2017. Já recebeu avisos de familiares para que volte a Xinjiang de livre vontade. Caso contrário, as autoridades chinesas vão persegui-la.

 

Eldana Abbas

Ativista e intérprete oriunda de Urumqi, a capital da região autónoma de Xinjiang, mudou-se para a Austrália. Nos últimos dois anos, tem recebido chamadas da embaixada chinesa em Canberra. “Senti que precisava de tomar cuidado com as pessoas à minha volta e em minha casa”.

Artigos Relacionados