3 Fevereiro 2022

 

  • Mais de 82.000 refugiados e migrantes devolvidos à Líbia desde o estabelecimento dos acordos
  • Condições precárias e desumanas para refugiados e migrantes na Líbia

A União Europeia deve terminar o seu auxílio à Líbia que tem contribuído para o retorno forçado de muitas pessoas às condições precárias e desumanas na Líbia – referiu a Amnistia Internacional no dia em que se assinalaram cinco anos de cooperação formal, para intercetar refugiados e migrantes no Mediterrâneo, entre ambas as partes. Nos últimos cinco anos, o número de pessoas intercetadas no Mar Mediterrâneo e devolvidas à Líbia foi superior a 82.000.

Homens, mulheres e crianças que são obrigados a regressar à Líbia enfrentam detenção arbitrária, tortura, condições cruéis e desumanas, violação e violência sexual, extorsão, trabalho forçado e execuções. Em vez de abordar esta crise de direitos humanos, o Governo de Unidade Nacional líbio (GNU, na sigla em inglês) continua a permitir novos abusos e a tolerar uma impunidade enraizada, como é possível concluir pela sua recente nomeação de Mohamed al-Khoja como diretor do Departamento de Combate à Imigração Ilegal (DCIM). Antes de ser nomeado, Al-Khoja estava no controlo efetivo do centro de detenção de Tariq al-Sikka, no qual foram documentadas inúmeras violações de direitos humanos.

“A cooperação dos líderes da UE com as autoridades líbias está a manter pessoas desesperadas e encurraladas em cenários aterradores e inconcebíveis na Líbia. Ao longo dos últimos cinco anos, Itália, Malta e UE ajudaram a capturar dezenas de milhares de mulheres, homens e crianças no Mar Mediterrâneo, muitos dos quais acabaram em centros de detenção onde predomina a tortura, enquanto outros foram alvo de desaparecimentos forçados”, alertou Matteo de Bellis, investigador sobre migrações e asilo na Amnistia Internacional.

“Muitos [migrantes e refugiados] acabaram em centros de detenção onde predomina a tortura, enquanto outros foram alvo de desaparecimentos forçados”

Matteo de Bellis

“Está mais do que na hora de terminar com esta abordagem insensível, que demonstra um desrespeito completo pelas vidas e dignidade das pessoas. Os esforços de resgate devem assegurar que as pessoas são levadas para um local seguro que, como reiterado há apenas dois dias pelo secretário-geral da ONU, não pode ser a Líbia.”

“Os esforços de resgate devem assegurar que as pessoas são levadas para um local seguro que, como reiterado há apenas dois dias pelo secretário-geral da ONU, não pode ser a Líbia”

Matteo de Bellis

O auxílio da UE à Guarda Costeira da Líbia iniciou-se em 2016, o mesmo ano em que começaram as interceções. A cooperação reforçou-se com a adoção de um Memorando de Entendimento entre a Itália e Líbia a 2 de fevereiro de 2017, bem como da Declaração de Malta, assinada pelos líderes da UE em Valletta, logo no dia seguinte.

Os acordos providenciam as bases para a cooperação contínua que externaliza o patrulhamento do Mediterrâneo central aos guardas costeiros líbios através do fornecimento de lanchas, de um centro de coordenação marítima e de formação. Aos acordos, seguiu-se o estabelecimento de uma vasta área marítima, na qual a Guarda Costeira da Líbia é responsável por coordenar operações de busca e salvamento. Desde então, estas disposições, esmagadoramente financiadas pela UE, permitiram às autoridades líbias desembarcar no seu país pessoas intercetadas no mar, apesar de ser ilegal devolver alguém a um lugar onde enfrentará graves abusos de direitos humanos.

Migrantes e refugiados na Líbia, tanto detidos como em liberdade, são sistematicamente sujeitos a múltiplos abusos perpetrados por parte de milícias, grupos armados e forças de segurança de forma impune. A 10 de janeiro de 2022, milícias e forças de segurança dispararam munições reais sobre refugiados e migrantes acampados frente ao Centro de Dia Comunitário do ACNUR em Trípoli, e detiveram centenas de pessoas arbitrariamente. Estas pessoas são depois mantidas em condições sobrelotadas e insalubres no centro de detenção de Ain Zara, em Trípoli, onde guardas as sujeitam a abusos sistemáticos e lhes negam água e alimentação adequadas. Desde outubro de 2021 que migrantes e refugiados organizam manifestações no exterior do edifício do Centro de Dia Comunitário, reivindicando proteção em resposta a um ataque anterior por milícias e forças de segurança, que viu milhares de pessoas serem capturadas e muitas outras ficarem desalojadas.

“A Itália e UE devem pôr um fim ao auxílio que prestam a estes abusos e começar a garantir que as pessoas em risco de afogamento no Mediterrâneo central são resgatadas prontamente e tratadas de forma humana”, reitera Matteo de Bellis.

“A UE e seus Estados-Membros devem suspender qualquer cooperação que conduza à contenção e a violações de direitos humanos na Líbia. Em vez disso, deve focar-se em abrir rotas legais, que são urgentemente necessárias para os milhares de pessoas aprisionadas na Líbia em necessidade de proteção internacional.”

“Rotas legais são urgentemente necessárias para os milhares de pessoas aprisionadas na Líbia em necessidade de proteção internacional”

Matteo de Bellis

Contexto

Em 2021, os guardas costeiros líbios — apoiados pela Itália e UE — capturaram no mar 32.425 refugiados e migrantes e devolveram-nos à Líbia. Este é, de longe, o número mais alto de que há registo, e três vezes superior ao valor observado no ano anterior. Durante o ano 2021, 1.553 pessoas morreram ou desapareceram no Mediterrâneo central.

“Ninguém te virá buscar: Regressos forçados do mar para detenções abusivas na Líbia”

Europa: Plano de Ação – Vinte passos para proteger as pessoas em movimento ao longo da rota do Mediterrâneo central 

Num relatório de 17 de janeiro de 2022, o secretário-geral das Nações Unidas disse sentir “grande preocupação” com a permanência das violações de direitos humanos contra refugiados e migrantes na Líbia, incluindo casos de violência sexual, tráfico e expulsões coletivas. O relatório confirma que a Líbia não é um porto seguro de desembarque para refugiados e migrantes” e reitera um apelo aos Estados-Membros relevantes “para que reexaminem políticas que apoiam a interceção no mar e o regresso de refugiados e migrantes a solo líbio”. O relatório confirma ainda que a Guarda Costeira líbia continuou com uma operacionalização que coloca em grave risco a vida e o bem-estar dos migrantes e refugiados que tentam atravessar o Mar Mediterrâneo.

Apesar deste reconhecimento, um relatório interno do comandante da operação naval da UE, Eunavfor Med Irini –  divulgado pela Associated Press a 25 de janeiro de 2022 – confirma planos para manter os programas de reforço de capacidade dos guardas costeiros líbios.

O atual acordo da Itália com a Líbia expira em fevereiro de 2023, mas será automaticamente renovado por mais três anos, a menos que as autoridades o cancelem antes de novembro de 2022

O atual acordo da Itália com a Líbia expira em fevereiro de 2023, mas será automaticamente renovado por mais três anos, a menos que as autoridades o cancelem antes de novembro de 2022, tal como a Amnistia Internacional está a apelar ao governo italiano que faça.

 

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