23 Setembro 2014

O lucrativo sector do comércio, produção e exportação de instrumentos de tortura por empresas chinesas está a alimentar violações de direitos humanos em África e na Ásia, revela esta quinta-feira, 23 de setembro, uma nova investigação da Amnistia Internacional e da Omega Research Foundation.

O relatório China’s Trade in Tools of Torture and Repression (“O Comércio Chinês de Instrumentos de Tortura e Repressão”) conclui que 130 empresas chinesas estão hoje dedicadas à produção e comércio de equipamento (potencialmente perigoso) que visa ajudar as autoridades a impor o cumprimento da lei. Há uma década o número reduzia-se a 28 empresas.

Muitas são propriedade do governo e algumas comercializam de forma totalmente aberta equipamento que devia ser banido de imediato, por ser intrinsecamente cruel e desumano, defende a Amnistia Internacional e a Omega. São disso exemplo os bastões de choques elétricos, os bastões de ferro com espigões e algemas demasiado pesadas para as pernas.

Outro tipo de equipamento, que pode até ser usado de forma legítima pela polícia – como gás lacrimogéneo, projeteis de plástico ou veículos de controlo antimotim –, está a ser exportado pela China para países onde existe um risco substancial de serem usados para cometer violações graves dos direitos humanos.

“Um comércio – que provoca muito sofrimento – em franca expansão, porque as autoridades chinesas nada fazem para travar as empresas de fornecerem este material para exportação. E a China não previne que o equipamento possa cair nas mãos de pessoas que se sabem violarem os direitos humanos”, denuncia o investigador da Amnistia internacional para o comércio de instrumentos de segurança, Patrick Wilcken.

 

Equipamento inerentemente cruel

As empresas chinesas têm uma presença cada vez mais forte no mercado global de equipamento que visa ajudar as autoridades a fazerem cumprir a lei, com instrumentos como:

  • Bastões de ferro com espigões (a todo o comprimento ou à cabeça), unicamente produzido na China e claramente desenhado para torturar.
  • Bastões de choques elétricos, inerentemente cruéis e que facilmente são usados pelas forças de segurança para infligirem, sem deixar marcas físicas duradouras, choques em áreas sensíveis do corpo, como os genitais, a garganta, as virilhas ou os ouvidos.
  • Algemas demasiado pesadas para as pernas.
  • Cadeiras rijas para detenções prolongadas.
  • Algemas que se prendem também ao pescoço e que podem levar a dificuldade em respirar, bloqueio da circulação sanguínea e problemas na comunicação entre o corpo e o cérebro.

Equipamento que está a ser vendido a autoridades em todo o mundo, incluindo as que violam sistematicamente os direitos humanos. A Amnistia Internacional e a Omega registaram o que parece ser bastões de choques elétricos fabricados na China a serem usados pela polícia no Gana, Egito, Madagáscar e Senegal.

“Não há nenhuma razão para permitir o fabrico e comércio de equipamento que tenha como primeiro propósito torturar e infligir tratamentos cruéis, desumanos e degradantes”, continua o responsável da Amnistia Internacional. “Estes atos hediondos são totalmente proibidos segundo a legislação internacional. As autoridades chinesas devem travar de imediato a produção e o comércio destes instrumentos cruéis e desumanos”.

 

Equipamento potencialmente cruel

As empresas chinesas continuam também a exportar equipamento cujo uso só pode ser legitimado se for consistente com os padrões internacionais e se os agentes de autoridade que o usarem estiverem devidamente treinados e conscientes. O relatório cita casos de exportações para países onde havia um risco elevado do equipamento contribuir para violações graves dos direitos humanos, como:

  • O Uganda, que em fevereiro de 2011 recebeu equipamento “antimotim”. Dois meses depois as forças de segurança usaram-no para acabar de forma violenta com as manifestações contra o aumento do custo de vida no país.
  • A República Democrática do Congo no processo eleitoral de 2011, o que resultou em pelo menos 33 mortos e 83 feridos.

 

Um comércio pouco regulado

A investigação da Amnistia Internacional e da Omega conclui que o controlo exercido pela China à exportação deste tipo de equipamento é fraco, falta transparência e o país não parece ter em conta o comportamento do Estado receptor em matéria de direitos humanos.

A China não é o único país a falhar. O comércio mundial de instrumentos que visam ajudar as autoridades a impor a lei é pouco controlado e são necessárias melhorias mesmo nos países com regulamentos mais aperfeiçoados, como a União Europeia e os Estados Unidos da América, onde falta também ir preenchendo as lacunas na lei à medida que surgem novos produtos e tecnologias.

O crescimento da China como exportador de instrumentos de tortura e repressão ocorre ao mesmo tempo que as violações de direitos humanos continuam no país. Mantém-se prática comum o uso da tortura e de outros maus tratos em detidos e na supressão de manifestações.

 

Amnistia Internacional e Omega deixam apelo

O relatório culmina com recomendações às autoridades chinesas e aos restantes países do mundo, para que:

  • cessem de imediato a produção e comércio de equipamento inerentemente cruel;
  • suspendam o fornecimento de outro equipamento a forças de segurança e agentes que o possam usar para cometer ou facilitar violações de direitos humanos;
  • sejam criados regulamentos para controlo das exportações e a prática de controlar a polícia e as forças de segurança no uso de material legítimo mas de fácil abuso;
  • ponham fim a todas as formas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

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