17 Junho 2015

As autoridades em Myanmar (Birmânia) estão a intensificar duramente as restrições aos meios de comunicação social, conforme o país se aproxima de cruciais eleições legislativas, agendadas para novembro, lançando mão de ameaças, perseguição e mesmo detenção de jornalistas para sufocar os media independentes, expõe a Amnistia Internacional numa nova investigação.

O briefing, intitulado “Caught between state censorship and self-censorship: Prosecution and intimidation of media workers in Myanmar” (Apanhados entre a censura do Estado e a autocensura: a perseguição e intimidação dos profissionais de comunicação social em Myanmar/Birmânia) e publicado esta quarta-feira, 17 de junho, mostra como as autoridades birmanesas estão a lançar mão de velhos e novos métodos para intimidar os meios de comunicação social e restringir a liberdade de expressão no país.

Apesar da muito elogiada “abertura política” em Myanmar (Birmânia) desde 2011, a perseguição tem-se intensificado ao longo do último ano – atualmente estão presos pelo menos 10 profissionais dos media, todos tendo sido detidos nos últimos 12 meses. E todos são prisioneiros de consciência. Na foto, um jornalista enverga uma t-shirt com o slogan “não queremos ameaças à liberdade de imprensa”, durante um protesto em julho do ano passado em Yangon (Rangum, a maior cidade do país e antiga capital) contra a detenção de profissionais dos media.

“Aquilo a que estamos a assistir em Myanmar hoje em dia é uma repressão mascarada de progresso. As autoridades continuam a usar as mesmas velhas táticas: detenções, vigilância, ameaças e penas de prisão para amordaçarem os jornalistas que cobrem assuntos ‘inconvenientes’. A verdade é que o estado da liberdade de expressão no país piorou ao longo do último ano”, sublinha o diretor de Pesquisa da Amnistia Internacional para a região da Ásia-Pacífico, Rupert Abbott.

O panorama da comunicação social em Myanmar (Birmânia) mudou drasticamente desde o arranque do processo de reformas em 2011. De uma meia dúzia de meios controlados por uma estrita censura prévia à publicação, atualmente existe no país uma imprensa vibrante com vários jornais independentes e canais de televisão. Mas a repressão generalizada persiste, com as autoridades a fazerem uso de leis draconianas e vagamente formuladas para prenderem os jornalistas.

No fio da navalha

A Amnistia Internacional entrevistou vários profissionais da comunicação social, os quais revelaram que a ameaça de serem presos e a vigilância constante conduziram a um clima de autocensura generalizada. Os jornalistas estão bem conscientes das “linhas vermelhas” que não podem ultrapassar – sobretudo no que toca aos assuntos relativos aos militares, ao nacionalismo budista extremista e ao sofrimento da minoria muçulmana rohingya – e coíbem-se frequentemente de abordar estes temas.

“Andamos sempre no fio da navalha, descobrindo que tocámos num ponto sensível quando alguém é preso ou os media são proibidos de cobrirem um determinado assunto de forma equilibrada e justa”, contou um jornalista à organização de direitos humanos, pedindo que o seu nome seja mantido em confidencialidade.

O caso dos jornalistas do Unity é um desses exemplos: cinco foram condenados a penas de sete anos de prisão em julho de 2014, depois de o Unity ter publicado uma notícia sobre uma alegada fábrica secreta de armamento químico. A condenação destes profissionais é frequentemente citada como um exemplo daquilo que pode acontecer quando “se pisa a linha” ao fazer a cobertura de temas relacionados com os militares.

Em outubro de 2014, o jornalista freelancer Aung Kyaw Naing foi morto a tiro sob custódia militar e quando o seu corpo foi exumado detetaram-se indícios de que fora submetido a tortura. Foi aberto um inquérito à sua morte mas até à data ninguém foi acusado.

Anonimato por medo de serem presos

Casos como este contribuem para o clima de medo. É muito indicativo que a maioria dos profissionais da comunicação social entrevistados pela Amnistia Internacional para esta investigação tenham pedido para serem citados sob anonimato – e terem explicado que o fazem por temerem ser presos ou sofrer outro tipo de represálias.

Muitos outros jornalistas são perseguidos e ameaçados devido ao seu trabalho, em especial quando investigam temas “sensíveis”. Os ataques aos media podem vir do Governo, dos militares e das agências de serviços secretos, assim como de grupos budistas nacionalistas de linha-dura. Muitos profissionais da comunicação social reportaram à Amnistia Internacional terem sido ameaçados por militares de serem presos ou agredidos fisicamente quando estão a seguir temas relacionados com os militares, como é o caso de conflitos armados em zonas étnicas do país.

Para conseguirem silenciar por completo um órgão de comunicação social, as autoridades estão também a forçar os media a passarem por processos legais longos e dispendiosos, ou enveredam por castigos coletivos em que a resposta dada a um artigo crítico é a de acusar e levar a julgamento vários jornalistas do mesmo órgão.

“Com o aproximar do ciclo eleitoral, em que as pessoas em Myanmar irão a votos no final deste ano, uma imprensa livre será ainda mais importante do que nunca para informar o público sobre as escolhas que tem pela frente e fortalecer o acesso dos cidadãos à informação. O Governo tem de libertar imediatamente os jornalistas que estão presos apenas por desempenharem o seu trabalho de forma pacífica, tem de assumir publicamente o compromisso de respeitar a liberdade de expressão e tem de anular todas as leis que são usadas para silenciar as vozes pacíficas que são críticas e dissidentes”, insta Rupert Abbott.

O perito da organização de direitos humanos frisa ainda que “a comunidade internacional tem também um papel crucial em pressionar as autoridades de Myanmar a porem fim à repressão dos media”. “[A comunidade internacional] tem de ativa e publicamente exercer pressão para a libertação dos profissionais da comunicação social que se encontram presos, assim como de todos os outros prisioneiros de consciência, ao mesmo tempo que tem de manter-se vigilante quanto à frágil situação de direitos humanos no país nestes meses até às eleições”, remata o diretor de Pesquisa da Amnistia Internacional para a região da Ásia-Pacífico.

 

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