30 Setembro 2015

O rei da Arábia Saudita tem de se recusar a ratificar a revoltante sentença de pena de morte proferida contra Ali Mohammed Baqir al-Nimr, detido quando tinha 17 anos e condenado num julgamento injusto, sustenta a Amnistia Internacional.

A organização de direitos humanos insta as autoridades sauditas a anularem a sentença contra Ali al-Nimr (na foto), que se seguiu a um julgamento repleto de falhas e manifestamente violador dos padrões internacionais de julgamento justo, baseado em “confissões” que o suspeito assevera lhe foram extraídas sob tortura. A Amnistia Internacional defende ainda que a Arábia Saudita deve impor imediatamente uma moratória oficial a todas as execuções e levar a cabo reformas significativas no sistema de justiça penal do país.

Ali al-Nimr foi condenado à morte a 27 de maio de 2014 pelo Tribunal Penal Especial saudita, criado neste país especificamente com a jurisdição dos crimes de terrorismo e segurança. Esta sentença foi confirmada tanto pela segunda instância como pelo Supremo Tribunal já este ano, sem que de tal fosse tão pouco dado conhecimento ao advogado de Al-Nimr. O jovem saudita, agora com 21 anos, pode ser executado assim que o rei Salman bin Abdulaziz al-Saud ratifique a sentença.

Os arguidos na Arábia Saudita podem recorrer das decisões proferidas em primeira instância por escrito e no prazo de 30 dias. Mas Ali al-Nimr viu ser-lhe negado o direito crucial de acesso ao advogado para responder às acusações que lhe foram inicialmente formuladas assim como para, posteriormente, contestar a sentença de pena de morte proferida pelo juiz de primeira instância do Tribunal Penal Especial.

Al- Nimr foi condenado à morte na cidade de Jidá em 12 acusações que incluem participação em manifestações contra o Governo, ataque a agentes das forças de segurança, posse de uma metralhadora e assalto à mão armada. O tribunal terá baseado a sua decisão apenas nas “confissões” que Ali al-Nimr garante que lhe foram extraídas sob tortura e outros maus-tratos. E, em vez de ordenar uma investigação imediata às alegações do arguido, o juiz diz ter pedido ao Ministério da Administração Interna que examine aquelas denúncias feitas contra os agentes que o próprio organismo tutela.

Tanto quanto a Amnistia Internacional apurou não foi feita ainda nenhuma investigação às denúncias de tortura, mas mesmo assim o juiz declarou a sentença de pena de morte contra Ali al-Nimr com base exclusivamente nas “confissões” do arguido.

Ali al-Nimr foi detido a 14 de fevereiro de 2012, quando tinha apenas 17 anos, e sem que as forças de segurança tenham tão pouco apresentado um mandado de captura no momento da detenção. Foi levado para a prisão do Diretório Geral de Investigações em Dammam, capital da Província Oriental saudita, onde garante que foi torturado até “confessar” e enganado a assinar depoimentos escritos que não lhe permitiram sequer ler e lhe fizeram crer serem a ordem de libertação. Não o deixaram ver familiares nem o advogado.

Foi depois transferido para o centro de reabilitação de jovens Dar al-Mulahaza, onde permaneceu até regressar à prisão de Damman assim que fez os 18 anos. Este procedimento indica com clareza que as autoridades sauditas reconheceram e o trataram como um suspeito juvenil quando foi inicialmente detido.

As autoridades sauditas têm veementemente negado repetidas vezes o recurso à pena de morte contra arguidos menores.

Ali al-Nimr é um de pelo menos sete ativistas xiitas sauditas que foram condenados à morte em 2014 na esteira dos protestos que se verificaram na Província Oriental desde 2011 (no contexto da Primavera Árabe) – e há pelo menos dois que são identificados como sendo menores à data das suas detenções. A isto acresce que pelo menos 20 pessoas tidas como suspeitas de participarem nas manifestações foram mortas foram mortas pelas forças de segurança desde 2011, e centenas presas, incluindo proeminentes líderes religiosos xiitas sauditas.

O tio de Al-Nimr, xeique Nimr Baqir al-Nimr, reputado clérigo xiita e imã da mesquita de Al-Awamiyya, na região oriental da Arábia Saudita, é uma das pessoas condenadas à morte em ligação às manifestações. Foi detido sem mandado de detenção a 8 de julho de 2012 e condenado à morte pelo Tribunal Penal Especial a 15 de outubro de 2014 na sequência de um julgamento repleto de falhas processuais e por acusações formuladas de forma extremamente vaga que violam mesmo o princípio de legalidade. Algumas dessas acusações não são sequer reconhecidas como ofensas criminais pela lei internacional de direitos humanos.

Violação flagrante das leis sauditas e internacionais

Ao condenar à morte um arguido menor à data dos factos pelos quais é acusado, a Arábia Saudita violou as obrigações a que está vinculada pelo direito internacional consuetudinário e pela Convenção sobre os Direitos da Criança, da qual o reino é um Estado-parte. O artigo 37 da Convenção determina expressamente que “Não será imposta a pena capital nem a pena perpétua sem possibilidade de libertação a ofensas cometidas por pessoas menores de 18 anos”.

Um grupo de três peritos das Nações Unidas em direitos humanos instou a Arábia Saudita, a 22 de setembro de 2015, a suspender a execução de Ali al-Nimr, frisando que “[uma] decisão que imponha a pena de morte a pessoas que eram menores à data da ofensa, e a sua execução, não são compatíveis com as obrigações internacionais da Arábia Saudita”. Estes peritos avançaram ainda que “Al-Nimr não teve um julgamento justo e não foi permitido ao seu advogado prestar a assistência legal adequada nem aceder ao processo”.

Este coletivo de peritos da ONU sustentou que “a lei internacional, aceite como vinculativa pela Arábia Saudita, determina que a pena capital apenas pode ser imposta em julgamentos que cumprem os requisitos mais rigorosos de julgamento justo e garantias processuais ou, se assim não for, pode ser considerada uma execução arbitrária”. Os peritos urgiram a Arábia Saudita a “aplicar uma moratória ao uso da pena de morte, a parar as execuções de pessoas condenadas quando eram crianças à data da ofensa e a garantir uma investigação imparcial e imediata a todas as alegações de tortura”.

As autoridades sauditas não deram ainda resposta à vaga de críticas internacionais ao caso de Ali al-Nimr. No início de setembro, o representante do reino no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra afirmou, em discurso, que “as leis sobre os procedimentos em processo penal, sobre a investigação e a acusação asseguraram [o cumprimento de] todas as garantias internacionais [de julgamento justo] aplicáveis (…) [incluindo] a presença de advogado desde o momento da detenção, o direito a ser informado dos direitos do suspeito e das acusações deduzidas”. Disse também que a pena de morte na Arábia Saudita “só é imposta nos crimes mais graves”.

Acresce que no caso de Al-Nimr as autoridades sauditas violaram tanto a legislação internacional e os padrões dos direitos a julgamento justo nos recursos do processo como o próprio direito a recurso que está consagrado na lei do reino. Ao abrigo da legislação da Arábia Saudita, indivíduos condenados em primeira instância podem recorrer por escrito no prazo de 30 dias – mas como Ali al-Nimr foi impedido de consultar o seu advogado não lhe foi assim possível apresentar recurso.

De acordo com a lei e os padrões internacionais, os direitos a um julgamento justo têm de ser respeitados durante as fases de recurso, no que se inclui o direito a aconselhamento legal, o direito a um tempo adequado e condições para preparar o recurso, o direito à igualdade de meios e o direito a uma decisão razoável e pública tomada num prazo justo.

A lei de Processo Penal da Arábia Saudita – especificamente os artigos 36 e 102 – e outras leis do país, assim como tratados internacionais de que o reino é Estado-parte, em particular a Convenção contra a Tortura, proíbem de forma clara e categórica o recurso à tortura e outros maus-tratos. Porém, os arguidos na Arábia Saudita são frequentemente sujeitos a tais práticas para lhes serem extraídas “confissões” de terem cometido os crimes de que são acusados, e mantidos em detenção e interrogados sem que os seus advogados estejam presentes. São também amiúde condenados apenas com base em “confissões” assinadas que foram obtidas sob tortura ou outros maus-tratos, sob coação ou com os suspeitos a serem induzidos em erro pelas autoridades, e as quais são admitidas pelos juízes como provas em julgamento – como aparenta ter sido o caso de Al-Nimr.

A pena de morte na Arábia Saudita

A Arábia Saudita é um dos maiores executores do mundo. Só este ano, o país executou já pelo menos 134 pessoas, quase metade delas por ofensas que não se integram no que é definido como “crimes mais graves” em que a pena de morte é admitida pela lei internacional. Na sua maioria, estes crimes pelos quais a Arábia Saudita executou – como é o caso de ofensas relacionadas com narcóticos – não consagram a pena capital como obrigatória, de acordo com a própria interpretação que as autoridades fazem das leis da “sharia” (o direito islâmico prescrito pelo Corão), o que significa que é esperado que os juízes usem do seu discernimento ao aplicarem a pena de morte em tais casos.

As autoridades sauditas não cumprem repetidamente os padrões internacionais de julgamento justo nem as garantias adotadas nas Nações Unidas que consagram a proteção dos direitos daqueles que enfrentam uma condenação à pena de morte.

A Arábia Saudita continua também a condenar à morte e a executar pessoas por crimes que foram cometidos quando os arguidos tinham menos de 18 anos à data da ocorrência dos factos, assim como de indivíduos com deficiências mentais – em clara violação da lei internacional.

A pena de morte é ainda usada no reino de forma desproporcional contra cidadãos de outros países, a maioria sendo trabalhadores migrantes sem conhecimentos de árabe, a língua em que são interrogados durante a detenção e em que são conduzidos os julgamentos em tribunal, sendo-lhes frequentemente recusado apoio de tradução adequado. As embaixadas e consulados dos países de onde estas pessoas são oriundas não são prontamente informados da detenção dos seus cidadãos, nem sequer das suas execuções. Em alguns casos, as famílias dos trabalhadores migrantes assim como de cidadãos sauditas condenados à pena de morte não são notificadas previamente às execuções nem lhes são entregues os corpos para enterro.

A Amnistia Internacional detalhou todas estas preocupações num relatório sobre o uso da pena de morte na Arábia Saudita, publicado em agosto passado e intitulado “Killing in the Name of Justice: The Death Penalty in Saudi Arabia (Executando em nome da justiça: a pena de morte na Arábia Saudita).

A organização de direitos humanos opõe-se à pena de morte em todos os casos sem exceção, independentemente das circunstâncias ou da natureza do crime, da culpa, inocência ou quaisquer outras características da pessoa condenada, assim como do método que o Estado usa para levar a cabo a execução. A pena de morte viola o direito à vida reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E é a punição mais cruel, degradante e desumana.

 

A Amnistia Internacional insta a Arábia Saudita a anular a condenação e a sentença de pena de morte proferida contra Ali al-Nimr. Dê força a esta petição, assine! E faça ouvir o apelo também no Twitter, enviando um tweet ao rei Salman – @KingSalman – “We urge you to halt the execution of #AliMohammedAlNimr! #Save_Ali_AlNimr”.

 

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