31 Julho 2017

A Amnistia Internacional lança uma nova campanha esta segunda-feira, 31 de julho, para lutar contra uma série de alterações legislativas atualmente em discussão no Congresso do Brasil e que podem vir a reduzir de forma significativa proteções legais de grupos marginalizados, impor uma proibição total à interrupção da gravidez, pôr fim à educação sexual e facilitar o acesso a armas.

  • Nova campanha da Amnistia Internacional para defender os direitos humanos no Brasil
  • Reformas legislativas propostas reduzirão as proteções legais de crianças, mulheres, das comunidades LGBTI (lésbica, gay, bissexual, transgénero e intersexual) e dos povos indígenas
  • “Direitos humanos não se liquidam” arranca com ação pública junto ao Congresso

“Os direitos humanos estão sob um ataque crítico no Brasil e, em resposta, a Amnistia Internacional avança para a linha da frente desta luta”, nota a diretora-executiva da Amnistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, a propósito do lançamento da nova campanha ““Direitos humanos não se liquidam”.

Esta responsável da organização de direitos humanos explica que “a agenda legislativa está a ser apressada no Congresso atrás da cortina de fumo da atual crise política e económica no país”. “Se [as alterações legislativas] forem aprovadas, as vidas e os direitos de milhões de pessoas ficam em risco – e especialmente os de quem já enfrenta discriminação e marginalização”, prossegue.

Retrocesso nas proteções legais das crianças

As propostas reformas legislativas incluem a redução da idade a partir da qual os menores podem ser julgados como adultos – numa flagrante violação da lei internacional de direitos humanos, incluindo da Convenção sobre os Direitos da Criança de que o Brasil é Estado-parte. Atualmente, qualquer pessoa com menos de 18 anos à data da alegada ofensa cometida tem de ser tratada de acordo com as regras da justiça de menores.

“Se as crianças enfrentarem julgamentos como adultos e acabarem nas prisões, isso irá coloca-las em situações de extrema vulnerabilidade em que os seus direitos humanos ficam em ainda maior perigo. As prisões brasileiras são gravemente sobrelotadas e as condições de encarceramento chocantes por todo o país”, sustenta Jurema Werneck.

A diretora-executiva da Amnistia Internacional Brasil recorda que “as crianças são diferentes dos adultos no que respeita ao desenvolvimento físico e psicológico e este facto têm de estar sempre no centro de qualquer processo judicial em que sejam visadas”.

Assim, a Amnistia Internacional insta o Congresso brasileiro a rejeitar todas as reformas constitucionais que possam baixar a idade a partir da qual os menores sejam julgados como adultos do mínimo dos 18 anos.

Ataque aos direitos de saúde sexual e reprodutiva

A saúde e os direitos de mulheres e raparigas sofreram um impacto muito grave com as propostas alterações legislativas que visam impor a proibição total do aborto, até em casos em que a gravidez resulta de violação ou comporta riscos para a vida da grávida.

Além disto, estão em discussão no Congresso propostas que irão remover toda a informação sobre saúde sexual e reprodutiva dos programas de ensino dos níveis do primário e secundário. Esta restrição inclui educação sobre identidade de género e sobre orientação sexual, o que prejudicará ainda mais os direitos LGBTI. O Brasil registou no ano passado o mais elevado número de mortes de pessoas transgénero no mundo inteiro e as autoridades do país não fizeram o suficiente para concretizar políticas que lhe ponham fim.

“O Brasil tem de optar de que lado quer ficar. Ou segue a tendência dos países nas Américas que escolheram proteger os direitos e a saúde sexual e reprodutiva, ou se junta ao pequeno grupo de países que usam leis severas e cruéis para violar os direitos de mulheres e raparigas a decidirem livremente sobre os seus próprios corpos, a sua saúde e as suas vidas”, sublinha Jurema Werneck.

Enfraquecimento das normas sobre as armas

A Amnistia Internacional entende também que algumas das propostas legislativas sobre armas, especialmente as que pretendem revogar o Estatuto do Desarmamento (lei federal, de dezembro de 2003), podem conduzir a um aumento considerável no acesso a armas de fogo.

As estatísticas oficiais registam pelo menos 60 mil homicídios no Brasil em 2015, dos quais mais de 70% foram cometidos com o uso de armas de fogo.

“Num país com tão incríveis níveis de violência com armas, facilitar sua posse é simplesmente imprudente. As autoridades brasileiras têm a obrigação de reduzir e prevenir a violência com armas de modo a proteger vidas, não devem estar a tentar tornar mais fácil cometer estes crimes”, avalia a diretora-executiva da Amnistia Internacional Brasil.

Direito à terra dos povos indígenas e afrodescendentes

O direito à terra dos povos indígenas e quilombolas (comunidades afrodescendentes) do Brasil pode ser significativamente cerceado uma vez que as mudanças que o Congresso planeia aprovar no que se refere à demarcação e direito à terra vão colocar os interesses económicos acima dos direitos das comunidades indígenas e tribais que estão consagrados na Constituição brasileira e nas leis internacionais.

Ao longo de décadas, os defensores de direitos humanos que trabalham as questões relativas à terra, aos territórios e ao ambiente no Brasil têm sido ameaçados, perseguidos e mortos.

Só em 2016 foram mortos pelo menos 58 defensores de direitos humanos e líderes das comunidades rurais, no contexto de disputas sobre as terras. Este é um aumento significativo em relação ao ano precedente, em que foram mortas 47 pessoas. Falhas na concretização de um Programa Nacional para a Proteção dos Defensores de Direitos Humanos, incluindo a falta de recursos adequados, aumentaram ainda mais os riscos que os ativistas enfrentam.

Limitações à liberdade de expressão e de reunião pacífica

As propostas atualmente no Congresso terão, caso aprovadas, um impacto especial nos direitos de liberdade de expressão e de reunião pacífica. Alterações à lei antiterrorismo contêm definidos vagas e excessivamente amplas, as quais podem ser usadas para acusar de forma arbitrária quem quer que manifeste opiniões publicamente ou que faça protestos pacíficos nas ruas.

“O protesto pacífico não é crime, mas sim um direito humano que tem de ser respeitado e protegido pelas autoridades”, frisa a diretora-executiva da Amnistia Internacional Brasil. “Em vez de imporem nova legislação draconiana, as autoridades devem centrar esforços em regular o uso da força da polícia durante protestos e manifestações, um problema que tem sido recorrente e frequentemente letal por todo o país”, insta ainda Jurema Werneck.

Ação contra os ataques aos direitos humanos no Brasil

A Amnistia Internacional lança, assim, um apelo global à mobilização de todas as pessoas para agirem e resistirem a estes ataques contra os direitos humanos no Brasil – assinando a petição da nova campanha “Direitos não se liquidam”.

“É chegada a hora de nos unirmos e dizermos ao Congresso, em alto e bom som, que não permitiremos nenhuns retrocessos no exercício dos direitos humanos. E de lembrar que é seu dever garantir os direitos humanos para todos”, remata a diretora-executiva da Amnistia Internacional Brasil.

  • 10 países

    Ainda são 10 os países em que a sentença máxima para atos sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo é a pena de morte.
  • 4x

    No Canadá, as mulheres indígenas têm 4 vezes mais probabilidades de serem assassinadas do que as outras mulheres.
  • 1M+

    Mais de um milhão de pessoas em todo o mundo fizeram uma campanha bem-sucedida em defesa da libertação de Meriam Yehya Ibrahim em 2014. Esta cristã sudanesa fora condenada à morte por enforcamento por ter abandonado a sua religião.

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